— O senhor Escobar a aguarda. — A secretária avisa me olhando novamente dos pés a cabeça. Como se não tivesse feito isso já duas vezes desde que entrei na sala. Ela sempre faz isso. E eu nunca me acostumo. Que mulher nojenta.
Eu não sou a mais bela, também não sou deformada. Não entendo essa antipatia da secretária do CEO.
E eu entendo menos ainda o que esse aprendiz de traficante deseja de mim.
Não que ele seja traficante mesmo. É o nome. É impossível não pensar no Pablo quando escuto Escobar.
Seja o que for, tenho que escutar. Tenho que agradar o CEO. Hoje minha tia Joyce faz trinta anos que trabalha aqui. Tem gente que sonha com cargos melhores, salários melhores, ela não, seu sonho sempre foi se aposentar aqui, cozinhando para os funcionários da empresa. Ela ama esse trabalho e essas pessoas que trabalham aqui. Enquanto eu só estou aqui para pagar minha contas até o fim do curso. Serei veterinária e terei uma fazenda. Não serei sempre uma das meninas da faxina como agora. Se é um cargo com seus méritos, claro, afinal paga minha contas. Mas sonho alto. Sonhar é grátis. Lutar pelo sonho também.
Bato na porta e escuto um “entre”.
Assim que entro e fecho a porta atrás de mim, noto o homem de pé diante da janela imensa de vidro que dá para algo como uma sacada. A vista é linda.
A vista dele também, Aquiles Vincent Escobar é um homem de tirar o fôlego. Um metro e noventa de beleza bem distribuída. Cabelos lisos e escuros penteados para trás, o terno azul escuro pendurado em um gancho na parede enquanto seu peitoral quase saltava na camisa preta sob o colete do mesmo tom do terno e mesmo tom das calças.
Passo meus olhos pelo seu corpo dos pés a cabeça. Assim como a secretária fez comigo.
Ele se vira para mim afrouxando a gravata escura. Seus olhos da cor do uísque que bilionários como ele costumam tomar nos livros e filmes de romance. São hipnotizantes.
— Tenho um contrato para que leia e assine, senhorita Baker.
Limpo a garganta para espantar os pensamento involuntários, nada decentes. Coisas que envolvem eu tirando a roupa dele e ficando de joelhos.
Sim, eu tenho problemas com minha imaginação.
— Contrato? — questiono.
Não consigo imaginar algo que uma funcionária da faxina precisa assinar na presença do poderoso CEO.
— Fiz algo tão errado assim?
Ele levanta a sobrancelha, parece confuso.
— Tratamos sempre com o RH. Se eu estou aqui é porque é sério. E confesso que mesmo se tivesse falto algo grave, não consigo imaginar um motivo para estar aqui.
— Você fala demais, alguém já te disse isso? — diz impaciente. — Apenas leia e assine.
— Senhor... Que tipo de contrato o CEO teria com alguém que nunca viu?
É um fato. Durante esses doze meses que trabalho aqui nunca sequer olhei nos olhos desse homem.
— Um que vai garantir o emprego seu e de sua tia pelos próximos anos.
Isso é uma ameaça? Me pareceu uma ameaça.
Decido não discutir antes de ler o que tem nesse tal contrato.
Me aproximo da mesa e pego o papel.
— Pode sentar.
Penso em dizer não, mas mudo de ideia e sento na cadeira confortável.
“Contrato de Gestação por Substituição”. Leio.
Que porra é essa?
Leio a parte que tem os nomes das partes envolvidas. Que nesse caso somos nós dois.
Quando termina isso é que começa a pegadinha. Só pode ser pegadinha.
— A Gestante concorda em carregar e dar à luz ao filho de Aquiles Vincent Escobar mediante os termos e condições deste Contrato. — Leio em voz alta.
Ele não parece nada incomodado, ainda parado no mesmo lugar.
— O senhor está me confundindo com alguém? É isso?
— De forma alguma. Eu escolhi você.
— Por que?
A pergunta que não quer calar.
— Porque eu quero. E porque eu posso.
Mas que filho da puta atrevido. Que vontade de subir na cadeira e socar sua cara.
— E acha que vou ceder a minha barriga para carregar um filho seu e depois entregá-lo?
— Será bem recompensada.
— Senhor, eu devo conhecer pelo menos doze mulheres que literalmente matariam para estar aqui e assinar isso. Todas que trabalham aqui. Só que eu não sou uma delas.
— Que pena. — Ele caminha e senta, colocando os pés sobre a mesa, me encarando. — Hoje soube sobre a sua tia. Até mesmo mandei um presente pelos trinta anos conosco. Seria uma pena ela perder o emprego.
— Está me ameaçando?
Ele sorri. O safado sorri.
Não. Isso é muito estranho. Não tem como ser real.
Nego sorrindo.
— Já sei. Eu estou sonhando. Só pode ser isso.
— Eu tenho meus motivos para ter escolhido você. E será você.
Sorrio novamente, descrente, e me levanto.
— Claro. Posso esperar aqui o sonho acabar? Ou agora pulamos para a parte em que já estou parindo seu filho?
Ele se aproxima e me belisca a bunda. Me surpreendo com essa ousadia.
— Ai! Por que fez isso?
— Apenas pare de agir como se estivesse sonhando. Mandamos uma cópia do contrato no seu e-mail. Leia as condições e benefícios e volte aqui amanhã às nove. Pode sair.
Quando estou na porta, ele chama de volta. Olho para trás ainda com a mão na maçaneta.
— Senhorita Baker, diga a sua tia que espero que ela tenha gostado do presente.
Saio da sala do CEO como se fosse um zumbi. Nem ligo para os olhares da secretária.
Eu não estou entendendo nada. Por que um homem tão poderoso iria me querer como barriga de aluguel do seu filho? Ao ponto de me ameaçar.
Que eu saiba não tenho nenhum gene raro ou inteligência superior, muito menos uma beleza única, rara. Sou apenas uma mulher comum, com meus 1,60 de altura, corpo normal e cabelos ondulados e rebeldes.
Então, que porra está acontecendo?
Eu ainda acho que é um sonho. Isso não faz sentido.
AquilesUma semana antes...Estamos todos reunidos à mesa. O jantar mensal do Escobar. Meu avô sentado do lado direito do meu bisavó e minha avó do lado esquerdo. Meus pais, meus tios, primos e eu estamos espalhados na grande mesa.O mais velho se levanta, chamando a atenção de todos à mesa.— Sei que estão todos aqui pelo testamento. Souberam que fiz alguma modificações.Ele olha cada um com seu olhos pequenos e astutos. Apesar da mesa ser imensa para caber todos os seus parentes, a voz do velho é potente o suficiente para que todos ouçam.Cada um aqui tem sua própria fortuna, mas nenhuma como a de Elias Escobar, meu bisavô. Fez fortuna em pura sorte ao receber de herança um terreno onde “brotavam” rubis. Até hoje ele possui essas terras e ainda se encontra tais pedras. Ela está incluída na tal herança. O dinheiro que veio com as pedras, ele fez multiplicar. Se tornando o segundo homem mais poderoso financeiramente do mundo. Sua diversão é o tal testamento. Sempre ameaça mudar e tir
FelipaTermino meu trabalho meio aérea. Minha cabeça fica procurando respostas para o que aconteceu na sala do CEO. Eu estou alucinando? É a única explicação. Aquele homem não me conhece. Como pode querer que carregue um filho seu?— Não vai embora, filha?Minha tia está parada na minha frente, com seu sorriso gentil de sempre no rosto e uma cesta linda nas mãos.— Vou sim. O que é isso? — aponto a cesta.— Presente do CEO, acredita? E ele me deu duas passagens para uma semana em um hotel fazenda na cidade do meu velho. Ele vai ficar tão feliz.— Que maravilha, tia! — tento mostrar felicidade em meio a confusão. Ela ter recebido um presente faz aquela conversa parecer mais real. — Faz tempo que o tio fala querer visitar seus parentes.— O CEO me entregou os presentes pessoalmente e me agradeceu pelo meu trabalho — diz toda sorridente. — Está vendo? Esse é o melhor trabalho do mundo. Aquele homem é um anjo.— Não é como o chamam. Já ouvi várias vezes que o nome que o chamam é Demônio i
AquilesUm anos antes...— Trouxe novidades. — Jordan entra na minha sala sem bater.Desvio o olhar dos papéis sobre a minha mesa e encaro meu amigo com seu terno sob medida e seus cabelos loiros penteados para trás e sem um fio fora do lugar.— Espero que seja importante para invadir minha sala.Seus olhos verdes brilham de empolgação.— Você lembra que me pediu para encontrar a garota que te salvou quando era moleque?— A encontrou?— Melhor, ela nos encontrou. Pelas características que me passou, tenho noventa e oito por cento de certeza que ela acabou de ser contratada pela sua empresa. — Ele balança a pasta que segura. E traz para mim.Abro o papel e vejo a moça em várias fotos, aqui na empresa e fora dela. Em algumas ela está sorrindo. Um sorriso que toma seu rosto inteiro e faz seus olhos escuros brilhares.— Ela é da cidade onde aconteceu. Tem a idade aproximada que você falou e as características físicas, além da cicatriz.— Como você...— Olha as fotos. Ela não esconde.Ele
FelipaEu não fui até a sala dele. Me fiz de desentendida, esperando que ele acorde para a realidade e esqueça essa loucura.Não quero ser barriga de aluguel de ninguém.Agora estou aqui, limpando esse lugar sem nem um pouco de concentração.Ele não manda me chamar. Graças a Deus. Entendo isso como um sinal de que caiu na real.Ainda assim passo o expediente todo pensando que ele pode me chamar. Na hora de sair vejo que passou do horário que minha tia aparece para irmos juntas. O que é estranho. Ela nunca se atrasa.Vou até o restaurante no segundo andar e não a vejo. O lugar está quase vazio, apenas alguns funcionários trabalhando.— Você viu minha tia? — pergunto depois de cumprimentar Nania, sua colega no restaurante.Ela me olha de um jeito estranho. Me lembra pena.— Oh menina! Não sabe ainda? Foi um choque.— O que houve? — já começo a pensar em várias tragédias.— Ela foi demitida antes mesmo de terminamos o almoço. Achei que tivesse te contado.Demitida? Não pode ser.Aquele f
FelipaDepois de deixar meu tio consolando minha tia, fui para o quarto que dividia no alojamento. Onde tive que esperar meia hora do lado de fora porque o sinal com marca de batom estava no trinco. Quando minha colega decidia trazer alguém era assim que ela marcava. Eu podia fazer o mesmo, mas nunca fiz. Não sinto desejo nem interesse romântico por ninguém. Talvez nunca sinta.Assim que o cara se foi, tomei um banho e me troquei e fui para a aula. Que eu espero não ter tido nada importante porque não consegui absorver nada.Quando finalmente coloquei a cabeça no travesseiro, mal dormi. Passei a noite em claro me questionando se estava agindo certo ao planejar enfrentar um homem poderoso como o senhor Escobar. No fim, aceitei que tinha que fazer isso. Homens como ele precisam entender que as pessoas não são seus brinquedos. Ele está brincando com a minha vida, com a vida da minha tia, como se não fosse nada.Às cinco da manhã me levanto e me arrumo. Faço tudo como um dia qualquer.Vou
AquilesA porta aberta nos dá uma visão dos seguranças levando Felipa. Ela não briga com os seguranças, se deixa levar.Caminho até o batente e fecho a porta, trancando antes que Bruna venha com sua preocupação exagerada. Talvez eu deva trocar de secretária, ela já está começando a se achar minha namorada.Jordan bate palmas como se tivesse assistido a um show.— Que furacão foi esse? Agora consigo imaginar a pequena Baker enfrentando um pitbull para salvar você. — Ele ri. — E agora, pretende fazer o que? Ela parece decidida a não ceder.— Garantir que nenhuma delas consiga outro emprego. Ela vai voltar e pedir perdão.— Cara, aquela mulher tem fogo e tem garra. Se não fosse pela tia dela você não teria chance.Eu sei. Todo mundo tem um ponto fraco. E o de Felipa são os tios.— Foi por isso que demiti a tia e não ela.— O Demônio Implacável ataca novamente.Reviro os olhos com seu comentário.— Vamos voltar ao trabalho? Pode ser?Ele dá de ombros e senta, pegando os papéis que estava
FelipaEu preferia morar debaixo de uma ponte que voltar aqui e pedir algo a ele, mas não sou só eu nesse barco afundando. Minha tia não consegue emprego, assim como eu, porém ela está cada dia mais abatida. Sempre pergunta sobre a volta do desgraçado, com esperança que se falar com ele tudo será resolvido.Se ela soubesse que foi demitida por maldade dele.Eu queria dizer, mas não posso. Eu não consigo magoar minha tia assim. Ela e meu tio Felix são tudo para mim. Por eles eu entrego meu orgulho em uma bandeja de prata a qualquer miserável da família Escobar, ou outra qualquer. E foi o que fiz.Tive que engolir todo orgulho e responder o e-mail que ele enviou com o contrato pedindo para conversarmos. Ele demorou dois dias para responder de volta. E aposto que viu antes e só queria me fazer esperar.“Esteja na empresa às nove. É sua última chance.”Essa foi a resposta.Sem nenhuma escolha, acordei cedo e cheguei na empresa às oito. Fiquei na recepção esperando ele passar para me anunc
FelipaNo intervalo do almoço, que fiz mais tarde pelo meu “atraso”, resolvi ligar para tia Joyce.“Oi, querida. Aconteceu alguma coisa?”Ela sempre me atende assim quando não está esperando uma ligação minha.— Tia, o senhor Escobar voltou e falei com ele. A senhora pode voltar a trabalhar.Ela fica alguns instantes em silêncio. Só ouço sua respiração meio pesada.“Eu não quero mais.”Sua resposta me surpreende. Eu sei que ela quer. Todos os dias ela dizia o quanto sentia falta e queria voltar.— Por que? Achei que era o seu sonho.“E qual foi o preço que pagou pelo meu sonho? Eu não sou boba, Lipa. E apesar de ter saído da empresa tenho muitos amigos ali. Você não estava trabalhando depois que fui demitida, e hoje foi lá e conseguiu meu emprego de volta. Como?”Sou muito idiota por acreditar que ela não descobriria. Ainda bem que ninguém me viu ajoelhando e beijando os pés daquele miserável.Suspiro.Não adianta mentir.— Ele não vai permitir que trabalhemos em outro lugar. Já mandei