Felipa
Eu não fui até a sala dele. Me fiz de desentendida, esperando que ele acorde para a realidade e esqueça essa loucura.
Não quero ser barriga de aluguel de ninguém.
Agora estou aqui, limpando esse lugar sem nem um pouco de concentração.
Ele não manda me chamar. Graças a Deus. Entendo isso como um sinal de que caiu na real.
Ainda assim passo o expediente todo pensando que ele pode me chamar. Na hora de sair vejo que passou do horário que minha tia aparece para irmos juntas. O que é estranho. Ela nunca se atrasa.
Vou até o restaurante no segundo andar e não a vejo. O lugar está quase vazio, apenas alguns funcionários trabalhando.
— Você viu minha tia? — pergunto depois de cumprimentar Nania, sua colega no restaurante.
Ela me olha de um jeito estranho. Me lembra pena.
— Oh menina! Não sabe ainda? Foi um choque.
— O que houve? — já começo a pensar em várias tragédias.
— Ela foi demitida antes mesmo de terminamos o almoço. Achei que tivesse te contado.
Demitida? Não pode ser.
Aquele filho da puta.
— Ela não disse nada. Eu tenho que ir. — Não espero resposta.
Saio correndo em direção ao ponto de ônibus. Nem mesmo cumprimento as pessoas que costumo me despedir.
Quando chego em casa meu tio está fazendo brigadeiro. Ele me olha com uma expressão triste e preocupada.
— Cadê ela?
— Está no quarto desde que chegou.
— Vou falar com ela.
Ele assente e eu corro em direção ao quarto da minha tia. A casa é térrea, tem dois quartos, sala conjugada com a cozinha e um banheiro. Um dos quartos foi meu durante anos. Agora se tornou seu quarto de costura e meio que uma biblioteca do meu tio. Eles fizeram a mudança depois que decidi dividir um quarto mais perto da faculdade.
Abro a porta e a vejo.
— Tia? — chamo e me aproximo. Ela está deitada e coberta. Parece tão pequena encolhida.
— Oi, querida. Desculpe ter te deixado sem avisar. Eu me senti tão desnorteada.
— Tudo bem. Como aconteceu? O que eles alegaram?
— Parece que pretendem fazer parceria com um restaurante e deixar de servir na empresa.
Que mentira. Aquele desgraçado está fazendo isso porque não aceitei a porra do contrato. Tenho certeza. Havia ameaça em cada uma de suas palavras. Eu devia saber que pessoas como ele não se importam em ferir quem estiver no caminho. E ele usou minha tia para me atingir, sem se importar com o que isso causaria nela.
— Sinto muito, tia. — Minha voz sai como um sussurro.
— Meu coração está doendo como se eu tivesse perdido minha família. Eu sou uma tola.
Acaricio seus cabelos macios.
— Não é. Ele que são de perder alguém tão perfeita.
— Sabe, eu pensei em ir conversar com o CEO. Ele parece ser uma pessoa boa. Quando me deu o presente e me cumprimentou se mostrou satisfeito com o meu trabalho. Em nenhum momento pareceu que me jogaria na rua.
Suspiro.
Desculpa, tia. Era o que eu queria dizer. Mas não tenho coragem de confessar que o meu não foi o que causou sua demissão.
— Mas foi ele que te demitiu. Por que quer falar com ele?
— Acho que não. Essas empresas grandes às vezes os donos nem sabem quem são contratados e demitidos. Não acho que ele faria isso no dia seguinte a me presentear.
— Tia...
— Mesmo assim, mesmo que tenha sido ordem dele, quero falar com ele. — Ela começa a chorar. Eu a abraço, deitando na cama com ela.
— Deixa que eu falo, está bem? Tenho que conversar com ele sobre o tal contrato.
— É mesmo. O que ele te falou? Lembro que conversariam às nove da manhã.
— Foi adiado para amanhã.
— Ele deve te escutar. Deve ter algum apreço por você ou não faria a proposta que fez.
Ah, sim. Ele vai me escutar, mas não do jeito que ela está pensando. O quanto eu vou xingar o filho da puta não está escrito.
Minha tia vai superar e vai achar um emprego melhor. Eu também vou. Amanhã será meu último dia naquele trabalho. Amanhã será o dia que vou dizer a Aquiles Vincent Escobar tudo que penso a respeito da sua pessoa.
FelipaDepois de deixar meu tio consolando minha tia, fui para o quarto que dividia no alojamento. Onde tive que esperar meia hora do lado de fora porque o sinal com marca de batom estava no trinco. Quando minha colega decidia trazer alguém era assim que ela marcava. Eu podia fazer o mesmo, mas nunca fiz. Não sinto desejo nem interesse romântico por ninguém. Talvez nunca sinta.Assim que o cara se foi, tomei um banho e me troquei e fui para a aula. Que eu espero não ter tido nada importante porque não consegui absorver nada.Quando finalmente coloquei a cabeça no travesseiro, mal dormi. Passei a noite em claro me questionando se estava agindo certo ao planejar enfrentar um homem poderoso como o senhor Escobar. No fim, aceitei que tinha que fazer isso. Homens como ele precisam entender que as pessoas não são seus brinquedos. Ele está brincando com a minha vida, com a vida da minha tia, como se não fosse nada.Às cinco da manhã me levanto e me arrumo. Faço tudo como um dia qualquer.Vou
AquilesA porta aberta nos dá uma visão dos seguranças levando Felipa. Ela não briga com os seguranças, se deixa levar.Caminho até o batente e fecho a porta, trancando antes que Bruna venha com sua preocupação exagerada. Talvez eu deva trocar de secretária, ela já está começando a se achar minha namorada.Jordan bate palmas como se tivesse assistido a um show.— Que furacão foi esse? Agora consigo imaginar a pequena Baker enfrentando um pitbull para salvar você. — Ele ri. — E agora, pretende fazer o que? Ela parece decidida a não ceder.— Garantir que nenhuma delas consiga outro emprego. Ela vai voltar e pedir perdão.— Cara, aquela mulher tem fogo e tem garra. Se não fosse pela tia dela você não teria chance.Eu sei. Todo mundo tem um ponto fraco. E o de Felipa são os tios.— Foi por isso que demiti a tia e não ela.— O Demônio Implacável ataca novamente.Reviro os olhos com seu comentário.— Vamos voltar ao trabalho? Pode ser?Ele dá de ombros e senta, pegando os papéis que estava
FelipaEu preferia morar debaixo de uma ponte que voltar aqui e pedir algo a ele, mas não sou só eu nesse barco afundando. Minha tia não consegue emprego, assim como eu, porém ela está cada dia mais abatida. Sempre pergunta sobre a volta do desgraçado, com esperança que se falar com ele tudo será resolvido.Se ela soubesse que foi demitida por maldade dele.Eu queria dizer, mas não posso. Eu não consigo magoar minha tia assim. Ela e meu tio Felix são tudo para mim. Por eles eu entrego meu orgulho em uma bandeja de prata a qualquer miserável da família Escobar, ou outra qualquer. E foi o que fiz.Tive que engolir todo orgulho e responder o e-mail que ele enviou com o contrato pedindo para conversarmos. Ele demorou dois dias para responder de volta. E aposto que viu antes e só queria me fazer esperar.“Esteja na empresa às nove. É sua última chance.”Essa foi a resposta.Sem nenhuma escolha, acordei cedo e cheguei na empresa às oito. Fiquei na recepção esperando ele passar para me anunc
FelipaNo intervalo do almoço, que fiz mais tarde pelo meu “atraso”, resolvi ligar para tia Joyce.“Oi, querida. Aconteceu alguma coisa?”Ela sempre me atende assim quando não está esperando uma ligação minha.— Tia, o senhor Escobar voltou e falei com ele. A senhora pode voltar a trabalhar.Ela fica alguns instantes em silêncio. Só ouço sua respiração meio pesada.“Eu não quero mais.”Sua resposta me surpreende. Eu sei que ela quer. Todos os dias ela dizia o quanto sentia falta e queria voltar.— Por que? Achei que era o seu sonho.“E qual foi o preço que pagou pelo meu sonho? Eu não sou boba, Lipa. E apesar de ter saído da empresa tenho muitos amigos ali. Você não estava trabalhando depois que fui demitida, e hoje foi lá e conseguiu meu emprego de volta. Como?”Sou muito idiota por acreditar que ela não descobriria. Ainda bem que ninguém me viu ajoelhando e beijando os pés daquele miserável.Suspiro.Não adianta mentir.— Ele não vai permitir que trabalhemos em outro lugar. Já mandei
Aquiles— Puta que pariu! Você fez ela ajoelhar? — o idiota do Jordan chega a se levantar da cadeira quando conto o que houve minutos atrás.Ele chegou já dizendo que viu Felipa e queria saber como foi o retorno dela. Contei, e agora estou pagando pelo meu erro de abrir a boca.— E implorar — completo sem emoção, escorado em minha cadeira.— Ela deve te odiar.Ele anda de um lado para o outro da sala.Não posso dizer que me senti bem com o que fiz, mas precisava ser feito. As pessoas não aprendem com carinho e consideração. Eu aprendi isso desde muito cedo.— É o que quero. Ela precisa saber que ter um filho comigo é um acordo, assim como o casamento. Não quero que tenha ideias erradas. Eu sou seu chefe, não seu namorado.— Mesmo assim acho que exagerou. Cadê o cara que procurou a garota para pagar uma dívida de vida?— Você não entende de mulher, acho que nem de homem. — Jordan me mostra a língua e volta a se sentar. — Se eu simplesmente devolvesse o emprego da tia dela, a garota ter
FelipaQuinze minutos depois de me encontrar com a senhora Mendes, estou na sala dela, sentada à sua frente.Ela coloca o papel na minha frente. Na verdade, duas cópias.— Aqui diz que é pelas suas faltas injustificadas — explica.Então, ele não colocou mais nada. Pelo menos isso.Leio rapidamente.— Tudo bem. Pode me emprestar uma caneta para assinar?Primeiro Iara franze o rosto por eu não questionar nada, depois ela pega uma caneta e me entrega.Assino e empurro os papéis para ela.— Está tudo bem mesmo? Se tiver algo que eu possa fazer...— Tudo bem — respondo.— Se você diz.Seu olhar em minha direção é de desconfiança. Tenho quase certeza que é ela a pessoa que se comunica com minha tia. Assim como deve ter outros. Todos amam a tia Joyce, duvido que tenham ficado feliz com a demissão dela. Aquele babaca escroto...— Tudo bem mesmo? — pergunta.Percebo que me perdi em pensamentos assassinos envolvendo o CEO.— Sim. Tive alguns problemas pessoais que me tiraram o rumo, mas já re
Aquiles“Posso saber por que mandou me chamar dessa vez?”Quanto atrevimento dessa morena.As palavras ficam ecoando na minha cabeça enquanto os olhos como um lago verde e sereno me encaram com certa revolta e medo.Nesse momento, todos ao meu redor desaparecem. Tudo que quero é fazer essa mulher atrevida sucumbir diante de minhas ordens.— Ao que parece a senhorita gosta de fazer um show. — Cruzo meus braços e apoio o corpo no encosto da cadeira. — Perdeu o medo das consequências?— Ainda não, mas estou quase lá. — Ela continua atrevida.Se pensa que com isso irei desistir dos meus planos, se engana. Aquiles Vincent nunca muda de ideia.Mordo o lábio inferior. Felipa está muito gostosa nessa pose rebelde. Sempre reparei em como suas curvas ganham destaque no uniforme e como seus olhos se destacam com o cabelo preso em um coque. É uma mulher linda, não posso negar. E isso não significa que esteja apaixonado por ela, como o lesado do Jordan diz.Ouço alguém limpar a garganta e aviso a
FelipaTalentos?“Dois escrotos”. Falo sem som, mas pela sobrancelha levantada dele sei que entendeu.Estou pouco me fodendo se entendeu ou não. Esse cara vem e faz de tudo para me obrigar a assinar esse contrato maluco sem nenhum motivo e vem dizer que aquela vaca tem talentos. Que ele enfie o talento dela no rabo.— Tanto faz, continue lendo. — Sua voz me tira dos pensamentos assassinos, onde o torturo com ferro quente.Irritada, me sento.Leio todo o contrato sob o olhar dos quatro homens.Resumindo, tenho que me casar com ele na data em que ele escolher, ter um filho homem e agir como sua esposa apaixonada não importa a ocasião. No final receberei uma pensão mensal pelo resto da vida que me garantiria nunca mais precisar trabalhar, e nem meus tios. Ainda não entendi muito a parte de se vier meninas. Mas acredito que eu ficarei com elas e ele não vai fazer mais do que ajudar financeiramente, nem deve ter contato.Eu nem me assusto. Estou calejada de saber o quão mau um pai e uma mã