— Corta essa, nem todos são assim — Alex contrapôs, aceitando a taça de vinho que eu lhe entregava. Mas antes, prometeu que só tomaria uma garrafa, para me acompanhar.
— São sim — discordei, sorvendo mais um gole da bebida —, uns verdadeiros pilantras, safados, sem coração.Estávamos no tapete da sala, dividindo uma pizza de calabresa — a favorita da Clara que, nos braços de Alex, foi levada ainda dormindo para o quarto ao lado do meu. — Você só diz isso porque... — Fui largada — completei. — Desculpa, eu não tive a intenção de te magoar. — Tudo bem, Alex, uma hora eu tenho que aceitar. — Você consegue. — Obrigada. E você, tem namorada? — Tive. Mas não durou muito tempo.Me virei para ele. — Por quê?Alex coçou a cabeça, meio sem jeito, e desviou o olhar para o chão. — Eu sempre fui apaixonado por outra — contou baixinho. — Ela corresponde?Então ele olhou para mim e sorriu. — Não tenho tanta sorte, Zoe.Não soube o que dizer, só fiquei ali, em silêncio, enchendo meu organismo de álcool para afugentar a dor de ter sido abandonada. — Bem, acho melhor eu ir — ele quebrou o silêncio. — Fica — pedi. — Tá tarde, você bebeu. Tem o sofá, você pode dormir nele. — Minha casa fica um pouco longe — disse —, vou aceitar o convite. Só vou ligar para minha mãe para avisar. — Meu Deus, isso ainda existe? — Eu ri, incrédula. — Já falei, Zoe, sou um bom garoto. Além do mais, minha mãe se preocupa bastante comigo, não posso vacilar. — Queria poder dizer o mesmo — e virei o vinho de vez.Enchi a taça.Virei.Enchi mais uma.Virei de novo.O sono veio, de mansinho, o mundo era um borrão, todo desfocado, eu só queria que alguém fizesse as coisas pararem de girar de repente, tipo, apertando num botão ou coisa assim.Não sei em qual momento eu fui para a cama, mas tive a sensação de ter sido carregada por alguém, e, antes de cair na escuridão, ouvir um sussurro em meu ouvido: — Esquece esse cara, Zoe. Fique comigo. *** — Sai daqui, seu safado, tarado, sem vergonha!Os gritos de Clara reverberaram pela casa, invadindo meus ouvidos e me fazendo acordar. Dei um pulo da cama — péssima ideia. Minha cabeça doía, meu estômago dava piruetas e eu estava numa puta vontade de vomitar. — Calma, moça, eu posso explicar — falou Alex.Alex?Ai, meu Deus.Corri para a sala. Encontrei Clara com uma vassoura e uma frigideira na mão, Alex estava com as mãos para cima, em sinal de rendição. Os dois olharam para mim, minha amiga procurando explicação, ele procurando ajuda. — Clara, guarda isso. Alex é meu entregador de pizza há um ano, ontem a gente bebeu e conversou por algumas horas, ele acabou dormindo aqui. — Você convidou um estranho pra dormir aqui? — Ela perguntou, abismada. — Ele é um cara legal. — Ele poderia ser um assassino, Zoe! — Mas não é — contestei. — Não sei se vocês se lembram — Alex disse —, mas eu ainda estou aqui.Então eu o encarei. — Desculpa — pedi. — Tudo bem. Acho melhor eu ir nessa, tchau, Zoe. Tchau, maluca das vassouradas — e riu. — E das paneladas — acrescentei, rindo também. — Engraçadinhos — Clara resmungou.Eu o acompanhei até a porta. — Obrigada por ontem, Alex. Você foi uma ótima companhia. Eu estava no fundo do poço e você me estendeu a mão. — Não agradeça, Zoe. Precisando, sabe onde me encontrar.E foi embora.Fiquei ali, admirando aquele cara gentil, divertido e educado. A garota por quem ele estava apaixonado era tão sortuda e nem se dava conta.Quem era tão cega a esse ponto?Fechei a porta e voltei para a sala. Clara já havia guardado a vassoura e a frigideira, e, me encarando, com as mãos na cintura, perguntou: — Você ficou maluca, Zoe?Dei de ombros. — Alex foi muito bacana comigo, Clara. — Tá bom, não vou bancar a chata. Rolou pelo menos algum beijinho? — Quê? Claro que não. — Fui para o banheiro escovar os dentes, minha amiga me seguiu. — Convenhamos que ele é lindo, né? — É — concordei, colocando pasta na escova —, mas não rolou nada. — Por quê? — Ela quis saber, encostada no batente da porta. — Ele é apaixonado por outra — contei —, além do mais, eu ainda não superei o Pedro. Não sou cega, Clara, tenho consciência da beleza de Alex, mas já me fodi demais nesse lance de relacionamentos. Quero ficar sozinha por um tempo. — Você quem sabe. — Ah, depois do café vá pra sua casa se ajeitar. Vamos almoçar na tia Marta hoje, esqueci de te dizer. — E lá vamos nós para o ninho de cobras — Clara disse, revirando os olhos.Eu ri e comecei a escovar os dentes.Como combinado, Clara foi para sua casa se arrumar e eu fiquei aqui, me produzindo. Tomei um bom banho e, com muita paciência, fiz um belo penteado que tinha visto no P*******t.Peguei metade das tranças e fiz um coque lateral, deixando alguns fios soltos para dar um charme. Usei brincos redondos e dourados, uma jardineira jeans e por debaixo uma camiseta amarela, bem curta. Nos pés, calcei um par de rasteirinhas pretas.Bastante perfume para ficar cheirosa, batom nude e sombra dourada.Pronto, tudo ok para mais um almoço chique na casa da tia rica da família.Por volta das onze horas da manhã, minha amiga veio me buscar. De nós duas, ela era a única que tinha carro. — Pronta pra encarar a vaca da Anelise?Soltei um suspiro pesaroso. — Não — respondi —, mas vamos lá.Ela deu partida e nós seguimos rumo ao condomínio de luxo onde tia Marta morava, num bairro nobre da cidade.Aguenta firme, Zoe, aguenta firme.Vovó e vovô tiveram três filhos: Tia Marta, minha mãe e tio Alfredo.Tia Marta se casou com Osvaldo; um empresário rico, dono de uma rede de eletrodomésticos e completamente babaca. Com ele, teve Anelise e Júnior. Júnior se casou com uma dondoca chamada Martina, eles estavam juntos desde o colegial.Minha mãe conheceu meu pai num baile dos anos 80. Ele era músico e ela; professora. Só tiveram a mim como filha.Tio Alfredo — Deus sabe como — era um tremendo galinha, não casou nem teve filhos, e, mesmo com quarenta e nove anos, não saiu da casa dos pais.Vovô faleceu quando eu tinha dezesseis anos. Vovó seguia intacta, com seus oitenta e dois anos de idade, vivia sob os cuidados de tio Alfredo e sua namorada da vez — uma stripper mega loira, magra e peituda, que abeirava os quarenta e cinco anos.E, falando sério, tio Alfredo era feio de doer. Como conseguia essas namoradas? Tá aí um grande mistério.Resumindo, essa era a minha família materna.Bati na porta, inquieta. Para minha
— Você enlouqueceu, Clara! Você enlouqueceu! — Exclamei, indo de um lado para o outro, assim que chegamos em casa.Porque era o que tinha acontecido, não?Digo, inventar um namorado para mim quando, na verdade, eu havia acabado de sair de um relacionamento.Loucura total! — Eu não podia deixar aquela gente te humilhar, Zoe — Clara justificou. — Nem sua mãe te defendeu. Me sentei no sofá, o coração acelerado, as mãos suadas, uma sensação de sufocamento dentro de mim.Eu odiava mentiras, muito. Elas têm pernas curtas e te jogam numa teia complicada demais, que te impedem de sair de lá tão cedo.Nada de bom acontece quando há mentiras pelo meio.Aprendi isso com os livros da Carina Rissi. — Clara, eles querem que eu o leve para o casamento da Anelise. Você não percebe onde me meteu? Foi isso que aconteceu quando Clara inventou essa lorota toda, minha tia praticamente intimou que eu levasse o tal de Alex para o casamento da filha, que, por sua vez, ainda não engolira a his
Eu só podia estar doida.Só isso justificava o que eu estava fazendo naquele instante; deitada no ombro de Alex, comendo minha pizza favorita com ele, enquanto assistíamos uma comédia romântica, sentados no tapete da sala.É, eu estava doidona. — Lindo filme — falei enquanto rolava os créditos finais —, pena que não é assim na realidade. — Poderia ser — Alex afirmou, acarinhando minhas tranças.Eu ri. — Não consigo acreditar nisso. Pelo menos não agora quando meu coração está partido. — Sinto muito, Zoe — ele disse, consternado.Soltei um suspiro. — Tudo bem. Vai passar. — Claro que vai — Alex me encorajou —, não deixe um idiota te fazer perder a fé no amor. Ainda existem pessoas boas no mundo.Ergui a cabeça e o encarei. — Me diz quem?Seus lindos olhos verdes me escrutinaram, a pupila dilatou e ele desviou o olhar para o chão. — Não consigo pensar em ninguém agora. Mas quem sabe um dia você não encontre alguém que te faça ver fogos de artifícios. Que te
Estava com o olho inchado de tanto chorar. Eu podia ler mil vezes aquele livro, e em todas elas eu me derramaria de lágrimas.Fungando, peguei meu celular.Tinha algumas mensagens de Clara e uma de um número desconhecido. Optei por responder minha amiga primeiro.“Oi, Clara, eu tô bem. Acabei de ler Perdidos no amor.” “Ah, não, você sempre chora quando lê esse livro.”“É que eu não me conformo com o final. Ei, adivinha quem veio aqui.”“Quem??”“Pedro.”“Não acredito! O que ele queria?”“Me entregar algumas coisas, inclusive meu livro. Ele me disse que conheceu outra pessoa. Tá apaixonado.”“Como assim? Há três dias vocês eram um casal cheio de planos.”“Tudo muda muito rápido pelo visto.”“Sinto muito, Zoe.”“Tudo bem.”Clara mandou alguns emojis de coração e disse que ia estender umas roupas, então eu abri a mensagem do tal número desconhecido, sem ter a mínima ideia de quem era.“Oi, Zoe. É o Alex.”Acabei sorrindo.“Oi, motoboy.”“Como você está?”“Bem.”, menti
Durante a semana, eu nem precisei chamar Alex para vir, assim que terminava seu expediente, ele vinha, mesmo sem eu pedir pizza — voltei à dieta, e também iria à falência se torrasse a pouca grana que tinha.Fazíamos o de sempre, sentávamos no tapete da sala, conversávamos sobre coisas aleatórias e assistíamos qualquer programação na TV.Era bom assim.Era muito bom, para ser sincera.Na noite de sexta, entretanto, ele chegou mais cedo. Eu tinha acabado de sair do banho, estava com meu roupão, quando Alex tocou a campainha. — Oi — eu disse, surpresa —, não era pra você estar na pizzaria? — Pedi folga, um amigo me substituiu. Desculpe vir sem avisar, se quiser vou embo... — Entra — pedi, interrompendo-o —, vou me trocar, pode ficar à vontade e... Ei, o que é isso? — Perguntei ao notar uma sacola grande em suas mãos. — Faz parte da surpresa. — E piscou pra mim.Corei.Sério? Eu corei mesmo?Puta merda! — Já volto — sem esperar resposta, segui até meu quarto, fechei
Alex veio nos buscar por volta das onze e meia da manhã, chegou na porta de minha casa, dirigindo um Celta prateado.Desceu, abriu a porta para nós e sorriu para mim. Fiquei meio desconcertada, mas acabei sorrindo de volta. — Oi — ele balbuciou, tinha carinho em seu tom de voz. — Oi, motoboy — respondi, um pouco melosa.Deus, o que estava acontecendo comigo? — Oi, Clara — saudou minha amiga, todo simpático —, como você está? — Estou bem — ela respondeu —, e você? — Pra ser sincero, com fome. Entrem, eu juro que sou um bom motorista.Eu ri.Sentei no banco da frente e afivelei o cinto. Clara fez o mesmo, sentada no banco de trás. — Minha família é um pouco... Como vou explicar? Barulhenta...?Ri novamente. — Estou preparada — assegurei, apertando sua mão.Alex olhou para mim de soslaio e abriu um sorriso que aqueceu meu coração, me fazendo, a contragosto, suspirar.Sério, alguém me explica o que está acontecendo comigo?Como ele mesmo dissera no sábado (o
Alex veio nos buscar por volta das onze e meia da manhã, chegou na porta de minha casa, dirigindo um Celta prateado.Desceu, abriu a porta para nós e sorriu para mim. Fiquei meio desconcertada, mas acabei sorrindo de volta. — Oi — ele balbuciou, tinha carinho em seu tom de voz. — Oi, motoboy — respondi, um pouco melosa.Deus, o que estava acontecendo comigo? — Oi, Clara — saudou minha amiga, todo simpático —, como você está? — Estou bem — ela respondeu —, e você? — Pra ser sincero, com fome. Entrem, eu juro que sou um bom motorista.Eu ri.Sentei no banco da frente e afivelei o cinto. Clara fez o mesmo, sentada no banco de trás. — Minha família é um pouco... Como vou explicar? Barulhenta...?Ri novamente. — Estou preparada — assegurei, apertando sua mão.Alex olhou para mim de soslaio e abriu um sorriso que aqueceu meu coração, me fazendo, a contragosto, suspirar.Sério, alguém me explica o que está acontecendo comigo?Como ele mesmo dissera no sábado (o
— Uau! — Eu exclamei, boquiaberta, ao ver o local especial que Alex me levara naquele domingo. Em minha cabeça, pensei que fosse um parque, lago ou algo do tipo. Nunca imaginei que Alex me levaria para um asilo para ser sincera.Não que a ideia me parecesse ruim, eu só não esperava mesmo. Ele fez suspense o caminho todo, deu até dicas falsas, mas quando estacionou de frente para a casa de repouso, abriu um sorriso para mim e disse: — Seja bem-vinda ao Recanto Feliz, Zoe. Quero que conheça um pouco mais do meu mundo. Eu não soube o que dizer, então sorri em resposta e nós descemos do carro. No trajeto, Alex segurou minha mão, e meu coração disparou de imediato. Ele é apaixonado pela Laura, Zoe. Pelo amor de Deus!, era o que eu repetia para mim mesma enquanto entrávamos na enorme casa azul bebê. Estávamos, nesse momento, no Hall, onde eu admirava os quadros pintados pelos moradores dali.Um, em especial, me chamou a atenção.Era a imagem de uma senhora, sentada num ba