— Trocar de dentista? — Perguntei para Clara, assim que ela entrou feito tempestade em minha casa.
As bochechas vermelhas e os olhos inchados indicavam que ela havia chorado. — O Alessandro é gay! Gay! — Sério? Tem certeza? — Gritei da cozinha, estava ocupada lavando os pratos.Ela veio em minha direção e sentou-se no banco vermelho, atrás da bancada de azulejo branco. — Zoe, eu estava lá naquela m*****a cadeira, com a boca escancarada, e o cara simplesmente me fala que, caso eu tivesse algum amigo para apresentar para ele, que não me acanhasse. — Que merda! Clara soltou um gemido e debruçou a cabeça sobre os braços. — Amiga, não fica assim — aconselhei —, vá à minha dentista se quiser. Maria Eduarda é uma das melhores da cidade, ela foi aprendiz do senhor Aristeu, pelo que eu pesquisei, o cara é foda. — É, vou pensar. E o seu dia, como foi?Fechei a torneira, peguei o rodinho de pia e comecei a secá-la. — Uma merda — respondi, concentrada em minha tarefa —, além de o Pedro ter me chutado, minha mãe veio aqui. — Aposto que falou bem da vaca da Anelise. — Não seria ela se não falasse — eu disse com ironia. — Você tinha razão, Clara, eu preciso de um porre. — Oba! — Pulou da cadeira e me abraçou por trás. — Vamos beber tanto até fazer uma besteira enorme. — Nem vem — falei, sorrindo —, eu não vou fazer besteira nenhuma. — Veremos, Zoe. Veremos.Depois de tudo feito, fizemos pipoca, fomos para a sala, ligamos a TV e colocamos num filme de terror. Embora eu tivesse medo — e ficasse o tempo inteiro colocando a almofada na cara — não iria nem a pau assistir um romance quando minha vida amorosa estava um verdadeiro desastre.Nem morta e enterrada! — Eu sabia que essa idiota ia morrer! — Clara exclamou, enfiando um punhado de pipoca na boca, assim que o filme terminou. — E aí, Zoe, nenhuma empresa entrou em contato com você? — Não — respondi num muxoxo —, já mandei currículo pra tudo que é canto, Clara. A coisa tá feia. — Não desista — meio que pediu, meio que ordenou —, vai pintar um trampo bacana logo. — Tomara. E aí, como anda lá no emprego?Clara trabalhava como gerente numa loja de conveniências. Nos conhecemos lá, há cinco anos, quando o local foi assaltado e nós ficamos a mercê dos bandidos por longas duas horas.Passou até no Jornal Nacional.A amizade surgiu instantaneamente, quando dei por mim, já estávamos desabafando uma para outra, chorando nossas pitangas e rindo dos nossos problemas.Amiga como ela não tinha. — Ah, sabe como é, meio estressante, mas o salário no fim do mês acaba compensando. — No fim, tudo vale a pena. — É — concordou. — Qual a programação pra essa noite de sábado além de encher a cara? — Muita pizza! — Exclamei e Clara riu. — Você é tão previsível, Zoe. — Talvez seja por isso que eu tenha levado um pé na bunda. — Para! — Ela me repreendeu, dando um tapa em minha perna. — Te proíbo de pensar assim.Deitei em seu colo e ela começou a acariciar minhas tranças, enrolando-as em seus dedos. As lágrimas caíram silenciosamente. — Vai passar — Clara prometeu —, vai passar, Zoe.Mais tarde, por volta das oito da noite, pedi pizza na minha pizzaria favorita — desde que a encontrei, nunca mais pedi em outra. Clara não foi embora, como tinha roupas e escova de dente aqui, acabou ficando.Juntas, entornamos cinco garrafas de vinho. Eu já estava tonta, rindo à toa e com uma imensa vontade de chorar.E cantar.E dançar.E cantar ainda mais.O mundo girava. Eu estava triste e feliz ao mesmo tempo.Eu tinha sido largada.Hahahahahaha.Eu tinha uma prima linda que minha mãe adorava e que iria para o altar com o cara dos sonhos.Hahahahahaha.Ninguém, além de Clara, sabia do meu término. Eu almoçaria amanhã com minha família materna e nada sairia como eu planejei.Ah, e meu pai se foi. Pra sempre.Chega, acabou a graça. — Caralho, como eu tô tonta — Falou minha amiga, jogando-se no sofá.Eu estava em pé, tentando rebolar ao som de um funk aleatório, algo como: “Empina, trava e desce, desce, desce”. Então a campainha tocou.Fui atender, eu sabia que era o Pedro, arrependido, e me pedindo para voltar. Só que eu não cederia tão fácil.Nem a pau!Eu o faria suar.No caminho, acabei tropeçando em algo — o controle remoto, percebi depois — e acabei tombando para a frente.Ri. — Se segura — falei para mim mesma, ainda rindo. — Boa garota.E abri.Não, não era meu ex-namorado. Mas por que seria? Ele nem devia lembrar de mim.Do outro lado da porta estava o motoboy, segurando minhas duas pizzas.Vou ser bem sincera, o cara era um deus grego. Pele negra, olhos verdes, cabelo cortado bem ralinho, boca rosada, lábios fartos e um porte bonito.Vestia uma camiseta vermelha, com o nome Boa Pizza gravado em letra amarela, uma calça social preta e jaqueta da mesma cor.Puta merda, que homem lindo! — Eu te conheço? — Perguntei, franzindo o cenho. Ele riu, exibindo dentes brancos e perfeitamente alinhados. — Sou seu entregador há um ano, Zoe — respondeu. — Sei que sua pizza preferida é a portuguesa, sem azeitona, e de uns tempos pra cá pede uma Coca gelada para acompanhar, desde que venha com limão, porque seu namorado prefere assim. — Eu... Eu... Eu... — e caí no choro compulsivamente. — Ei, o que houve? Eu disse algo de errado? — Perguntou, todo preocupado.Chorei ainda mais. Solucei. Me joguei nos braços dele, que cambaleou, mas conseguiu me aparar, ainda com as caixas de papelão nas mãos. — Ele te agrediu? — Havia ira em seu tom de voz. — N-não — consegui responder. — Ele me deixou. Me abandonou. Deu um chute no meu traseiro. Terminou. — Eu sinto muit... — Por que vocês são assim? — Eu o interrompi, magoada. — Aparecem, prometem o mundo e caem fora. Me diz, motoboy, por quê? — Alex — ele falou.Me desvencilhei de seus braços — fortes por sinal —, e o encarei. — O que disse?Ele sorriu. — Meu nome. — Explicou. — Me chamo Alex. — É um nome bonito. Desculpa, Alex, eu enchi a cara e... — Tá tudo bem. Acontece. — Entra, por favor. Eu vou pegar o dinheiro, tá fazendo frio aqui fora.Alex aquiesceu e foi andando atrás de mim, todo educado. — Eu até diria pra você se sentar no sofá, mas... — apontei para Clara, que já estava roncando. — Ela sempre foi fraca pra bebida. — Eu entendo, também não costumo beber. — Você é tão certinho — e ri, eu estava tão sorridente. — Sou um bom garoto — brincou.Abri minha carteira e peguei o dinheiro, eu o entreguei e ele me passou as pizzas. Nossos olhos se encontraram por alguns instantes, e houve uma espécie de ligação, não entendi direito o que era aquilo, mas eu tinha certeza que era algo perigoso.Coração partido + homem lindo + vinho = sexo selvagem.Combinação perfeita, mas que seria um desastre no dia seguinte. — Você está melhor? — Ele quis saber, já do lado de fora.Talvez tivesse sido o efeito da bebida agindo em meu organismo e me deixando vulnerável, carente e triste pra caramba, de modo que, mais uma vez, comecei a chorar. — Não chora, Zoe. Ele não merece. — Eu sou feia? Burra? — Você é a mulher mais linda que eu já vi — Alex disse, com ternura —, e com certeza é inteligente pra caralho. Não deixe esse babaca te fazer pensar o contrário.Ele deu as costas, mas eu o chamei. Alex virou para mim, e eu não acreditei quando me vi pedindo: — Depois que acabar o expediente, você volta pra cá?Seus lindos olhos verdes cintilaram, e um pequeno sorriso se distendeu em seus lábios carnudos. — Volto — assegurou.E eu não soube bem o porquê, mas eu tinha certeza que ele cumpriria aquela promessa.— Corta essa, nem todos são assim — Alex contrapôs, aceitando a taça de vinho que eu lhe entregava. Mas antes, prometeu que só tomaria uma garrafa, para me acompanhar. — São sim — discordei, sorvendo mais um gole da bebida —, uns verdadeiros pilantras, safados, sem coração.Estávamos no tapete da sala, dividindo uma pizza de calabresa — a favorita da Clara que, nos braços de Alex, foi levada ainda dormindo para o quarto ao lado do meu. — Você só diz isso porque... — Fui largada — completei. — Desculpa, eu não tive a intenção de te magoar. — Tudo bem, Alex, uma hora eu tenho que aceitar. — Você consegue. — Obrigada. E você, tem namorada? — Tive. Mas não durou muito tempo.Me virei para ele. — Por quê?Alex coçou a cabeça, meio sem jeito, e desviou o olhar para o chão. — Eu sempre fui apaixonado por outra — contou baixinho. — Ela corresponde?Então ele olhou para mim e sorriu. — Não tenho tanta sorte, Zoe.Não soube o que dizer, só fiquei ali
Vovó e vovô tiveram três filhos: Tia Marta, minha mãe e tio Alfredo.Tia Marta se casou com Osvaldo; um empresário rico, dono de uma rede de eletrodomésticos e completamente babaca. Com ele, teve Anelise e Júnior. Júnior se casou com uma dondoca chamada Martina, eles estavam juntos desde o colegial.Minha mãe conheceu meu pai num baile dos anos 80. Ele era músico e ela; professora. Só tiveram a mim como filha.Tio Alfredo — Deus sabe como — era um tremendo galinha, não casou nem teve filhos, e, mesmo com quarenta e nove anos, não saiu da casa dos pais.Vovô faleceu quando eu tinha dezesseis anos. Vovó seguia intacta, com seus oitenta e dois anos de idade, vivia sob os cuidados de tio Alfredo e sua namorada da vez — uma stripper mega loira, magra e peituda, que abeirava os quarenta e cinco anos.E, falando sério, tio Alfredo era feio de doer. Como conseguia essas namoradas? Tá aí um grande mistério.Resumindo, essa era a minha família materna.Bati na porta, inquieta. Para minha
— Você enlouqueceu, Clara! Você enlouqueceu! — Exclamei, indo de um lado para o outro, assim que chegamos em casa.Porque era o que tinha acontecido, não?Digo, inventar um namorado para mim quando, na verdade, eu havia acabado de sair de um relacionamento.Loucura total! — Eu não podia deixar aquela gente te humilhar, Zoe — Clara justificou. — Nem sua mãe te defendeu. Me sentei no sofá, o coração acelerado, as mãos suadas, uma sensação de sufocamento dentro de mim.Eu odiava mentiras, muito. Elas têm pernas curtas e te jogam numa teia complicada demais, que te impedem de sair de lá tão cedo.Nada de bom acontece quando há mentiras pelo meio.Aprendi isso com os livros da Carina Rissi. — Clara, eles querem que eu o leve para o casamento da Anelise. Você não percebe onde me meteu? Foi isso que aconteceu quando Clara inventou essa lorota toda, minha tia praticamente intimou que eu levasse o tal de Alex para o casamento da filha, que, por sua vez, ainda não engolira a his
Eu só podia estar doida.Só isso justificava o que eu estava fazendo naquele instante; deitada no ombro de Alex, comendo minha pizza favorita com ele, enquanto assistíamos uma comédia romântica, sentados no tapete da sala.É, eu estava doidona. — Lindo filme — falei enquanto rolava os créditos finais —, pena que não é assim na realidade. — Poderia ser — Alex afirmou, acarinhando minhas tranças.Eu ri. — Não consigo acreditar nisso. Pelo menos não agora quando meu coração está partido. — Sinto muito, Zoe — ele disse, consternado.Soltei um suspiro. — Tudo bem. Vai passar. — Claro que vai — Alex me encorajou —, não deixe um idiota te fazer perder a fé no amor. Ainda existem pessoas boas no mundo.Ergui a cabeça e o encarei. — Me diz quem?Seus lindos olhos verdes me escrutinaram, a pupila dilatou e ele desviou o olhar para o chão. — Não consigo pensar em ninguém agora. Mas quem sabe um dia você não encontre alguém que te faça ver fogos de artifícios. Que te
Estava com o olho inchado de tanto chorar. Eu podia ler mil vezes aquele livro, e em todas elas eu me derramaria de lágrimas.Fungando, peguei meu celular.Tinha algumas mensagens de Clara e uma de um número desconhecido. Optei por responder minha amiga primeiro.“Oi, Clara, eu tô bem. Acabei de ler Perdidos no amor.” “Ah, não, você sempre chora quando lê esse livro.”“É que eu não me conformo com o final. Ei, adivinha quem veio aqui.”“Quem??”“Pedro.”“Não acredito! O que ele queria?”“Me entregar algumas coisas, inclusive meu livro. Ele me disse que conheceu outra pessoa. Tá apaixonado.”“Como assim? Há três dias vocês eram um casal cheio de planos.”“Tudo muda muito rápido pelo visto.”“Sinto muito, Zoe.”“Tudo bem.”Clara mandou alguns emojis de coração e disse que ia estender umas roupas, então eu abri a mensagem do tal número desconhecido, sem ter a mínima ideia de quem era.“Oi, Zoe. É o Alex.”Acabei sorrindo.“Oi, motoboy.”“Como você está?”“Bem.”, menti
Durante a semana, eu nem precisei chamar Alex para vir, assim que terminava seu expediente, ele vinha, mesmo sem eu pedir pizza — voltei à dieta, e também iria à falência se torrasse a pouca grana que tinha.Fazíamos o de sempre, sentávamos no tapete da sala, conversávamos sobre coisas aleatórias e assistíamos qualquer programação na TV.Era bom assim.Era muito bom, para ser sincera.Na noite de sexta, entretanto, ele chegou mais cedo. Eu tinha acabado de sair do banho, estava com meu roupão, quando Alex tocou a campainha. — Oi — eu disse, surpresa —, não era pra você estar na pizzaria? — Pedi folga, um amigo me substituiu. Desculpe vir sem avisar, se quiser vou embo... — Entra — pedi, interrompendo-o —, vou me trocar, pode ficar à vontade e... Ei, o que é isso? — Perguntei ao notar uma sacola grande em suas mãos. — Faz parte da surpresa. — E piscou pra mim.Corei.Sério? Eu corei mesmo?Puta merda! — Já volto — sem esperar resposta, segui até meu quarto, fechei
Alex veio nos buscar por volta das onze e meia da manhã, chegou na porta de minha casa, dirigindo um Celta prateado.Desceu, abriu a porta para nós e sorriu para mim. Fiquei meio desconcertada, mas acabei sorrindo de volta. — Oi — ele balbuciou, tinha carinho em seu tom de voz. — Oi, motoboy — respondi, um pouco melosa.Deus, o que estava acontecendo comigo? — Oi, Clara — saudou minha amiga, todo simpático —, como você está? — Estou bem — ela respondeu —, e você? — Pra ser sincero, com fome. Entrem, eu juro que sou um bom motorista.Eu ri.Sentei no banco da frente e afivelei o cinto. Clara fez o mesmo, sentada no banco de trás. — Minha família é um pouco... Como vou explicar? Barulhenta...?Ri novamente. — Estou preparada — assegurei, apertando sua mão.Alex olhou para mim de soslaio e abriu um sorriso que aqueceu meu coração, me fazendo, a contragosto, suspirar.Sério, alguém me explica o que está acontecendo comigo?Como ele mesmo dissera no sábado (o
Alex veio nos buscar por volta das onze e meia da manhã, chegou na porta de minha casa, dirigindo um Celta prateado.Desceu, abriu a porta para nós e sorriu para mim. Fiquei meio desconcertada, mas acabei sorrindo de volta. — Oi — ele balbuciou, tinha carinho em seu tom de voz. — Oi, motoboy — respondi, um pouco melosa.Deus, o que estava acontecendo comigo? — Oi, Clara — saudou minha amiga, todo simpático —, como você está? — Estou bem — ela respondeu —, e você? — Pra ser sincero, com fome. Entrem, eu juro que sou um bom motorista.Eu ri.Sentei no banco da frente e afivelei o cinto. Clara fez o mesmo, sentada no banco de trás. — Minha família é um pouco... Como vou explicar? Barulhenta...?Ri novamente. — Estou preparada — assegurei, apertando sua mão.Alex olhou para mim de soslaio e abriu um sorriso que aqueceu meu coração, me fazendo, a contragosto, suspirar.Sério, alguém me explica o que está acontecendo comigo?Como ele mesmo dissera no sábado (o