02

— Trocar de dentista? — Perguntei para Clara, assim que ela entrou feito tempestade em minha casa.

As bochechas vermelhas e os olhos inchados indicavam que ela havia chorado.

— O Alessandro é gay! Gay!

— Sério? Tem certeza? — Gritei da cozinha, estava ocupada lavando os pratos.

Ela veio em minha direção e sentou-se no banco vermelho, atrás da bancada de azulejo branco.

— Zoe, eu estava lá naquela m*****a cadeira, com a boca escancarada, e o cara simplesmente me fala que, caso eu tivesse algum amigo para apresentar para ele, que não me acanhasse.

— Que merda!

Clara soltou um gemido e debruçou a cabeça sobre os braços.

— Amiga, não fica assim — aconselhei —, vá à minha dentista se quiser. Maria Eduarda é uma das melhores da cidade, ela foi aprendiz do senhor Aristeu, pelo que eu pesquisei, o cara é foda.

— É, vou pensar. E o seu dia, como foi?

Fechei a torneira, peguei o rodinho de pia e comecei a secá-la.

— Uma merda — respondi, concentrada em minha tarefa —, além de o Pedro ter me chutado, minha mãe veio aqui.

— Aposto que falou bem da vaca da Anelise.

— Não seria ela se não falasse — eu disse com ironia. — Você tinha razão, Clara, eu preciso de um porre.

— Oba! — Pulou da cadeira e me abraçou por trás. — Vamos beber tanto até fazer uma besteira enorme.

— Nem vem — falei, sorrindo —, eu não vou fazer besteira nenhuma.

— Veremos, Zoe. Veremos.

Depois de tudo feito, fizemos pipoca, fomos para a sala, ligamos a TV e colocamos num filme de terror. Embora eu tivesse medo — e ficasse o tempo inteiro colocando a almofada na cara — não iria nem a pau assistir um romance quando minha vida amorosa estava um verdadeiro desastre.

Nem morta e enterrada!

— Eu sabia que essa idiota ia morrer! — Clara exclamou, enfiando um punhado de pipoca na boca, assim que o filme terminou. — E aí, Zoe, nenhuma empresa entrou em contato com você?

— Não — respondi num muxoxo —, já mandei currículo pra tudo que é canto, Clara. A coisa tá feia.

— Não desista — meio que pediu, meio que ordenou —, vai pintar um trampo bacana logo.

— Tomara. E aí, como anda lá no emprego?

Clara trabalhava como gerente numa loja de conveniências. Nos conhecemos lá, há cinco anos, quando o local foi assaltado e nós ficamos a mercê dos bandidos por longas duas horas.

Passou até no Jornal Nacional.

A amizade surgiu instantaneamente, quando dei por mim, já estávamos desabafando uma para outra, chorando nossas pitangas e rindo dos nossos problemas.

Amiga como ela não tinha.

— Ah, sabe como é, meio estressante, mas o salário no fim do mês acaba compensando.

— No fim, tudo vale a pena.

— É — concordou. — Qual a programação pra essa noite de sábado além de encher a cara?

— Muita pizza! — Exclamei e Clara riu.

— Você é tão previsível, Zoe.

— Talvez seja por isso que eu tenha levado um pé na bunda.

— Para! — Ela me repreendeu, dando um tapa em minha perna. — Te proíbo de pensar assim.

Deitei em seu colo e ela começou a acariciar minhas tranças, enrolando-as em seus dedos. As lágrimas caíram silenciosamente.

— Vai passar — Clara prometeu —, vai passar, Zoe.

Mais tarde, por volta das oito da noite, pedi pizza na minha pizzaria favorita — desde que a encontrei, nunca mais pedi em outra. Clara não foi embora, como tinha roupas e escova de dente aqui, acabou ficando.

Juntas, entornamos cinco garrafas de vinho. Eu já estava tonta, rindo à toa e com uma imensa vontade de chorar.

E cantar.

E dançar.

E cantar ainda mais.

O mundo girava. Eu estava triste e feliz ao mesmo tempo.

Eu tinha sido largada.

Hahahahahaha.

Eu tinha uma prima linda que minha mãe adorava e que iria para o altar com o cara dos sonhos.

Hahahahahaha.

Ninguém, além de Clara, sabia do meu término. Eu almoçaria amanhã com minha família materna e nada sairia como eu planejei.

Ah, e meu pai se foi. Pra sempre.

Chega, acabou a graça.

— Caralho, como eu tô tonta — Falou minha amiga, jogando-se no sofá.

Eu estava em pé, tentando rebolar ao som de um funk aleatório, algo como: “Empina, trava e desce, desce, desce”. Então a campainha tocou.

Fui atender, eu sabia que era o Pedro, arrependido, e me pedindo para voltar. Só que eu não cederia tão fácil.

Nem a pau!

Eu o faria suar.

No caminho, acabei tropeçando em algo — o controle remoto, percebi depois — e acabei tombando para a frente.

Ri.

— Se segura — falei para mim mesma, ainda rindo. — Boa garota.

E abri.

Não, não era meu ex-namorado. Mas por que seria? Ele nem devia lembrar de mim.

Do outro lado da porta estava o motoboy, segurando minhas duas pizzas.

Vou ser bem sincera, o cara era um deus grego. Pele negra, olhos verdes, cabelo cortado bem ralinho, boca rosada, lábios fartos e um porte bonito.

Vestia uma camiseta vermelha, com o nome Boa Pizza gravado em letra amarela, uma calça social preta e jaqueta da mesma cor.

Puta merda, que homem lindo!

— Eu te conheço? — Perguntei, franzindo o cenho. Ele riu, exibindo dentes brancos e perfeitamente alinhados.

— Sou seu entregador há um ano, Zoe — respondeu. — Sei que sua pizza preferida é a portuguesa, sem azeitona, e de uns tempos pra cá pede uma Coca gelada para acompanhar, desde que venha com limão, porque seu namorado prefere assim.

— Eu... Eu... Eu... — e caí no choro compulsivamente.

— Ei, o que houve? Eu disse algo de errado? — Perguntou, todo preocupado.

Chorei ainda mais. Solucei. Me joguei nos braços dele, que cambaleou, mas conseguiu me aparar, ainda com as caixas de papelão nas mãos.

— Ele te agrediu? — Havia ira em seu tom de voz.

— N-não — consegui responder. — Ele me deixou. Me abandonou. Deu um chute no meu traseiro. Terminou.

— Eu sinto muit...

— Por que vocês são assim? — Eu o interrompi, magoada. — Aparecem, prometem o mundo e caem fora. Me diz, motoboy, por quê?

— Alex — ele falou.

Me desvencilhei de seus braços — fortes por sinal —, e o encarei.

— O que disse?

Ele sorriu.

— Meu nome. — Explicou. — Me chamo Alex.

— É um nome bonito. Desculpa, Alex, eu enchi a cara e...

— Tá tudo bem. Acontece.

— Entra, por favor. Eu vou pegar o dinheiro, tá fazendo frio aqui fora.

Alex aquiesceu e foi andando atrás de mim, todo educado.

— Eu até diria pra você se sentar no sofá, mas... — apontei para Clara, que já estava roncando. — Ela sempre foi fraca pra bebida.

— Eu entendo, também não costumo beber.

— Você é tão certinho — e ri, eu estava tão sorridente.

— Sou um bom garoto — brincou.

Abri minha carteira e peguei o dinheiro, eu o entreguei e ele me passou as pizzas. Nossos olhos se encontraram por alguns instantes, e houve uma espécie de ligação, não entendi direito o que era aquilo, mas eu tinha certeza que era algo perigoso.

Coração partido + homem lindo + vinho = sexo selvagem.

Combinação perfeita, mas que seria um desastre no dia seguinte.

— Você está melhor? — Ele quis saber, já do lado de fora.

Talvez tivesse sido o efeito da bebida agindo em meu organismo e me deixando vulnerável, carente e triste pra caramba, de modo que, mais uma vez, comecei a chorar.

— Não chora, Zoe. Ele não merece.

— Eu sou feia? Burra?

— Você é a mulher mais linda que eu já vi — Alex disse, com ternura —, e com certeza é inteligente pra caralho. Não deixe esse babaca te fazer pensar o contrário.

Ele deu as costas, mas eu o chamei. Alex virou para mim, e eu não acreditei quando me vi pedindo:

— Depois que acabar o expediente, você volta pra cá?

Seus lindos olhos verdes cintilaram, e um pequeno sorriso se distendeu em seus lábios carnudos.

— Volto — assegurou.

E eu não soube bem o porquê, mas eu tinha certeza que ele cumpriria aquela promessa.

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