Eu só podia estar doida.
Só isso justificava o que eu estava fazendo naquele instante; deitada no ombro de Alex, comendo minha pizza favorita com ele, enquanto assistíamos uma comédia romântica, sentados no tapete da sala.É, eu estava doidona. — Lindo filme — falei enquanto rolava os créditos finais —, pena que não é assim na realidade. — Poderia ser — Alex afirmou, acarinhando minhas tranças.Eu ri. — Não consigo acreditar nisso. Pelo menos não agora quando meu coração está partido. — Sinto muito, Zoe — ele disse, consternado.Soltei um suspiro. — Tudo bem. Vai passar. — Claro que vai — Alex me encorajou —, não deixe um idiota te fazer perder a fé no amor. Ainda existem pessoas boas no mundo.Ergui a cabeça e o encarei. — Me diz quem?Seus lindos olhos verdes me escrutinaram, a pupila dilatou e ele desviou o olhar para o chão. — Não consigo pensar em ninguém agora. Mas quem sabe um dia você não encontre alguém que te faça ver fogos de artifícios. Que te faça tão feliz a ponto de você se perguntar se é mesmo real. — É, quem sabe. — falei apenas, não acreditando nadinha naquilo. O clima ficou tenso de repente, então resolvi mudar de assunto. — Há quanto tempo você trabalha na pizzaria? — Há pouco mais de um ano — ele respondeu —, gosto de lá, mas estou batalhando muito para realizar meus sonhos e fazer minha mãe feliz, dar à ela tudo o que ela merece.Segurei em sua mão e o encarei com sinceridade. — Tenho certeza que ela já é muito feliz por te ter como filho, motoboy.Um brilho de satisfação e orgulho cruzou suas írises claras. — Obrigado. Por falar nela, preciso ir. Não costumo demorar tanto para chegar em casa.Levantou-se e me puxou pela mão também, nossos corpos acabaram se colidindo. Sua respiração ficou curta e o coração batia rápido demais. Queria dizer que comigo foi diferente, mas estaria mentindo na cara dura.Por um ínfimo instante, eu senti vontade de beijá-lo. — Você precisa ir — murmurei, atordoada. — É — ele disse baixinho —, eu sei.Me afastei de seus braços e o guiei até a porta, quando Alex desceu os três degraus, eu o chamei. Ele virou-se para trás, meio ansioso. — A garota por quem você é apaixonado sabe disso? — Não, Zoe. Ela nem desconfia.Me encostei no batente da porta e cruzei os braços para me proteger do frio. — Por que não conta? — Tenho medo — ele confessou. — Você é um bom rapaz, Alex. Qualquer garota se jogaria aos seus pés.Sorriu, aproximou-se de mim e, ao chegar perto, falou: — Este é o problema, Zoe. Ela não é qualquer uma. Alex plantou um beijo casto em minha testa e foi embora, fiquei observando-o por alguns segundos. Depois entrei, meio confusa, e fui deitar.Quando estava na cama, o rosto de Alex foi se formando em minha cabeça. A pele negra, reluzente, os olhos verdes, a boca farta, os cabelos bem cortados.Lindo! Alex era tão lindo!E foi com essa imagem dele em minha mente que eu adormeci de vez. *** — Então você topou minha ideia? — Clara perguntou do outro lado da linha, na segunda-feira, lá pro meio-dia, quando eu liguei para ela. — É, acho que sim — respondi e coloquei o prato com macarronada em cima da bancada branca. Me sentei numa das cadeiras giratórias, pronta para almoçar. — E sua mãe está mesmo firme e forte com esse boy gostoso, hein? — Nem me fale — resmunguei —, me ligou toda empolgada. E você sabe que ela não tem o costume de me ligar tanto. — É, eu sei. Mas é sua mãe, Zoe, ela precisa do seu apoio, mesmo não sendo tão presente, ela só tem a você. — Você reparou que ela e a tia Marta nem competiram pra ver quem tem a melhor filha? — Perguntei, enrolando o macarrão no garfo. — Acredita que eu ia te dizer isso agora? O namorado da sua mãe roubou a cena.Eu ri. — Ele é um gato — opinei —, mas algo me diz que tem alguma coisa de errado nisso tudo. Minha mãe estava solteira até pouco tempo! — Deixa de coisa, Zoe — Clara me repreendeu. — E por falar em gato, tem um cliente que vem aqui direto, acho que já te falei dele, e adivinha? — O quê? — Eu quis saber, com expectativa. — Ele sorriu pra mim — contou, toda empolgada. — Não vai começar, Clara. — Zoe, o cara faz o tipo fechadão, e hoje abriu um sorriso de orelha à orelha pra mim. Isso só pode ser um sinal. — Ou ele pode ter transado ontem e acordou felizão. — Veremos. Agora preciso desligar, minha hora de almoço está acabando e eu nem almocei. Me lembre de pedir demissão mês que vem.Eu ri novamente. — Lembro. Mas os boletos não se pagam sozinhos. — Inferno — e encerrou a ligação.Assim que terminei de almoçar, fui escovar os dentes. Me sentia tão... Entediada. Vivendo de seguro-desemprego, fingindo ter um namorado, colocando Alex no meio dessa merda toda.Saco.Eu já estava secando o rosto quando minha campainha tocou. Para ser sincera, eu não fazia ideia de quem era, então fui, me arrastando, para atender.Toda desajeitada, vestindo um pijama de estrelinhas, e com as tranças emaranhadas, foi assim que eu o vi pela primeira vez depois do término.E, pra piorar minha situação, Pedro estava um tremendo gato. — Como você está? — Ele perguntou.“Um caco”, tive vontade de responder. — Bem — foi o que eu disse —, e você? — Bem também. Você deixou essas coisas lá no meu apartamento, vim te entregar.Olhei para a caixa que ele segurava e, automaticamente, peguei-a de suas mãos.Mãos que me tocaram.Que me conheceram intimamente.Que me acariciaram por exatos seis meses.Então era isso. O ponto final de uma história que um dia foi bonita. O fim de um ciclo. — Você não deixou nada aqui — consegui, por fim, falar. — Acho que agora não temos mais nada pra conversar. — Não queria que fosse assim — Pedro disse —, entenda, Zoe, o problema não é você.Revirei os olhos. — Por mais clichê que pareça, não é. Eu... Eu conheci outra pessoa.Isso, Pedro, acabe com meu coração de vez. — Quando? — Inquiri, tentando conter a raiva que crescia dentro de mim.Ele ficou em silêncio. — Ah, meu Deus! Você a conheceu antes de mim? Antes de nós? Você... Você me traiu? — Não te traí — ele assegurou —, mas sim, eu a conheci quando ainda estávamos juntos. E, bem, eu me apaixonei por ela. Não queria que acontecesse, mas aconteceu. Ninguém manda no coração. — Vá embora, Pedro — ordenei. — Agora.E ele foi.E eu fiquei em casa, desempregada, sozinha, e com o coração partido em mil caquinhos.Se um dia eu iria conseguir colá-lo?Bem, eu duvidava bastante.Fiquei no sofá da sala, observando meus pertences. Tinha um conjunto de moletom, Perdidos no amor — meu livro favorito da vida —, e cinco calcinhas limpinhas, que eu costumava lavar debaixo do chuveiro.Duas, eu sabia, estavam rasgadas de tão usadas.Prometi para mim mesma que iria costurá-las depois.Qual é! Elas ainda serviam.E, de qualquer modo, eu não iria transar tão cedo mesmo.Diferente de Pedro, que já estava em outra, certamente fazendo o Kama Sutra com a garota.Não me permiti chorar, eu não lhe daria essa ousadia, então, tudo o que fiz foi pegar meu livro, me deitar no sofá, e o ler pela, sei lá, milésima vez.Ele era meu porto-seguro, meu bote salva-vidas.Estava triste?Lia Perdidos no amor.Feliz?Lia Perdidos no amor.Doente?Perdidos no amor me curava.A história de Elisa Sabeth e Gilbert Navarro me fazia ter fé, mesmo minha vida amorosa estando um caos, como agora.Ali, naquele amontoado de palavras bonitas, eu encontrava conforto.Nada é tão ruim que não possa melhorar com um bom livro.Estava com o olho inchado de tanto chorar. Eu podia ler mil vezes aquele livro, e em todas elas eu me derramaria de lágrimas.Fungando, peguei meu celular.Tinha algumas mensagens de Clara e uma de um número desconhecido. Optei por responder minha amiga primeiro.“Oi, Clara, eu tô bem. Acabei de ler Perdidos no amor.” “Ah, não, você sempre chora quando lê esse livro.”“É que eu não me conformo com o final. Ei, adivinha quem veio aqui.”“Quem??”“Pedro.”“Não acredito! O que ele queria?”“Me entregar algumas coisas, inclusive meu livro. Ele me disse que conheceu outra pessoa. Tá apaixonado.”“Como assim? Há três dias vocês eram um casal cheio de planos.”“Tudo muda muito rápido pelo visto.”“Sinto muito, Zoe.”“Tudo bem.”Clara mandou alguns emojis de coração e disse que ia estender umas roupas, então eu abri a mensagem do tal número desconhecido, sem ter a mínima ideia de quem era.“Oi, Zoe. É o Alex.”Acabei sorrindo.“Oi, motoboy.”“Como você está?”“Bem.”, menti
Durante a semana, eu nem precisei chamar Alex para vir, assim que terminava seu expediente, ele vinha, mesmo sem eu pedir pizza — voltei à dieta, e também iria à falência se torrasse a pouca grana que tinha.Fazíamos o de sempre, sentávamos no tapete da sala, conversávamos sobre coisas aleatórias e assistíamos qualquer programação na TV.Era bom assim.Era muito bom, para ser sincera.Na noite de sexta, entretanto, ele chegou mais cedo. Eu tinha acabado de sair do banho, estava com meu roupão, quando Alex tocou a campainha. — Oi — eu disse, surpresa —, não era pra você estar na pizzaria? — Pedi folga, um amigo me substituiu. Desculpe vir sem avisar, se quiser vou embo... — Entra — pedi, interrompendo-o —, vou me trocar, pode ficar à vontade e... Ei, o que é isso? — Perguntei ao notar uma sacola grande em suas mãos. — Faz parte da surpresa. — E piscou pra mim.Corei.Sério? Eu corei mesmo?Puta merda! — Já volto — sem esperar resposta, segui até meu quarto, fechei
Alex veio nos buscar por volta das onze e meia da manhã, chegou na porta de minha casa, dirigindo um Celta prateado.Desceu, abriu a porta para nós e sorriu para mim. Fiquei meio desconcertada, mas acabei sorrindo de volta. — Oi — ele balbuciou, tinha carinho em seu tom de voz. — Oi, motoboy — respondi, um pouco melosa.Deus, o que estava acontecendo comigo? — Oi, Clara — saudou minha amiga, todo simpático —, como você está? — Estou bem — ela respondeu —, e você? — Pra ser sincero, com fome. Entrem, eu juro que sou um bom motorista.Eu ri.Sentei no banco da frente e afivelei o cinto. Clara fez o mesmo, sentada no banco de trás. — Minha família é um pouco... Como vou explicar? Barulhenta...?Ri novamente. — Estou preparada — assegurei, apertando sua mão.Alex olhou para mim de soslaio e abriu um sorriso que aqueceu meu coração, me fazendo, a contragosto, suspirar.Sério, alguém me explica o que está acontecendo comigo?Como ele mesmo dissera no sábado (o
Alex veio nos buscar por volta das onze e meia da manhã, chegou na porta de minha casa, dirigindo um Celta prateado.Desceu, abriu a porta para nós e sorriu para mim. Fiquei meio desconcertada, mas acabei sorrindo de volta. — Oi — ele balbuciou, tinha carinho em seu tom de voz. — Oi, motoboy — respondi, um pouco melosa.Deus, o que estava acontecendo comigo? — Oi, Clara — saudou minha amiga, todo simpático —, como você está? — Estou bem — ela respondeu —, e você? — Pra ser sincero, com fome. Entrem, eu juro que sou um bom motorista.Eu ri.Sentei no banco da frente e afivelei o cinto. Clara fez o mesmo, sentada no banco de trás. — Minha família é um pouco... Como vou explicar? Barulhenta...?Ri novamente. — Estou preparada — assegurei, apertando sua mão.Alex olhou para mim de soslaio e abriu um sorriso que aqueceu meu coração, me fazendo, a contragosto, suspirar.Sério, alguém me explica o que está acontecendo comigo?Como ele mesmo dissera no sábado (o
— Uau! — Eu exclamei, boquiaberta, ao ver o local especial que Alex me levara naquele domingo. Em minha cabeça, pensei que fosse um parque, lago ou algo do tipo. Nunca imaginei que Alex me levaria para um asilo para ser sincera.Não que a ideia me parecesse ruim, eu só não esperava mesmo. Ele fez suspense o caminho todo, deu até dicas falsas, mas quando estacionou de frente para a casa de repouso, abriu um sorriso para mim e disse: — Seja bem-vinda ao Recanto Feliz, Zoe. Quero que conheça um pouco mais do meu mundo. Eu não soube o que dizer, então sorri em resposta e nós descemos do carro. No trajeto, Alex segurou minha mão, e meu coração disparou de imediato. Ele é apaixonado pela Laura, Zoe. Pelo amor de Deus!, era o que eu repetia para mim mesma enquanto entrávamos na enorme casa azul bebê. Estávamos, nesse momento, no Hall, onde eu admirava os quadros pintados pelos moradores dali.Um, em especial, me chamou a atenção.Era a imagem de uma senhora, sentada num ba
— Faltam menos de vinte dias pro casamento da Anelise — Clara apontou, enquanto despachava um cliente —, vai mesmo levar o Alex? Manter a farsa e tudo mais? Soltei um longo e pesaroso suspiro. — Não tem outro jeito — falei, encostada no balcão. — Zoe — ela chamou, preocupada —, desde que fomos assaltadas aqui, você tomou trauma desse lugar. E agora me aparece em plena segunda-feira, antes das oito da manhã. O que tá pegando? — Não sei — respondi, sincera —, eu realmente não sei. — Então descubra. — E se eu não gostar da resposta? Clara me encarou por alguns segundos, em seguida, também suspirou. — Então você conta uma mentira pro seu coração, até ele acreditar que é verdade. Eu ri. — Amanhã é sua folga? — É — respondeu —, a gente pode combinar alguma coisa. Mas primeiro você tem que fazer minha sobrancelha. Você tem mãos de fada. — Vou começar a cobrar — brinquei. Quando olhei para minha amiga, percebi que seu semblante estava iluminado, como se
— E aí, Alex, Zoe me contou que você é apaixonado por uma garota. — Clara! — Eu a repreendi, cutucando-a. — Assim Alex vai pensar que sou fofoqueira. Ele riu, sem graça, ao meu lado. — Conta pra gente quem é, Ruan — ela pediu e eu senti vontade de esganá-la. — Ih, Clarinha, isso é segredo de estado — falou Ruan, com a cabeça deitada no colo da fuxiqueira da minha amiga. Estávamos sentados no chão da sala, tínhamos acabado de assistir Feel The Beat e agora comíamos comida japonesa que pedimos no Ifood. — Ela deve ser muito especial — eu comentei, enciumada. — Pena que ela é cega — falou Ruan e recebeu um olhar furioso do amigo. Fiquei sem entender nada. — Eu nunca me apaixonei de verdade — Clara disse, de repente. — Como você se sente, Alex? — Clara, hoje você está impossível — resmunguei, não queria ouvir resposta. — Bem, eu sinto vontade de estar com ela todos os dias se assim fosse possível. É possível, afinal ela é sua chefe!Pensei em falar,
Os dias seguintes foram normais. Alex, sempre vinha para minha casa depois do expediente. Como era época de prova, ele trazia o material e eu o ajudava nas questões. Na verdade, eu fazia uma garrafa de café e alguma coisa para comer e ficava do seu lado, observando-o estudar, todo concentrado. Lindo, Alex era lindo! Me senti mal pela farsa que eu e Clara criamos, sobre ele ser meu namorado e tal. Mas tudo ficaria bem, eu sabia. Alex tinha o coração de ouro, se porventura descobrisse tudo, ele me perdoaria. Ele tinha que me perdoar, pois eu já não sabia bem como era ter a vida sem ele. Então chegou sábado, Alex tinha ido para o asilo, até me convidou, mas era o dia da promoção no salão de beleza de sua irmã, e hoje, pela manhã, eu já tinha marcado com minha mãe. Metida à rica do jeito que era, obviamente me perguntou se o bairro onde iríamos era seguro e se a cabeleireira usava produtos bons. Soltei um: “Mãe, por favor!”, e ela me deixou em paz e concordou me acompanhar.