Estou tão cansada que desmaiaria ali mesmo, então decido fazer o que qualquer pessoa lascada de dinheiro faz em um dia de chuva.
— Eu mereço voltar para casa confortável... Só hoje.
Abro o aplicativo de Uber e começo a procurar um motorista, ciente de que vou me arrepender.
Esse é um problema para a Stella de amanhã.
Percebo um veículo preto e luxuoso diminuir a velocidade pela rua do prédio e estacionar devagar bem na minha frente. Agarro a bolsa, pronta para correr; se alguém vai me sequestrar, então terá que me pegar primeiro.
Já estou fodida demais, ninguém pagaria meu resgate.
O vidro abaixa devagar, e no banco do motorista vejo o mesmo par de olhos azuis do elevador.
— Ei, nova amiga de trabalho. Quer uma carona?
O sorriso dele me desconcerta, e por um instante, fico hesitante. A chuva fina que começa a cair sobre a calçada me faz pensar rapidamente. Não quero esperar mais um segundo para pegar um Uber, e a grana está tão curta que, sinceramente, vou deixar a minha preocupação com o orçamento para outro dia.
Olho para o carro e, depois, para ele, ainda tentando processar o que está acontecendo. Ele me observava com os olhos azuis brilhando na luz fraca da rua, com um olhar curioso, quase travesso.
— Você... você tem certeza? — pergunto, desconfortável, mas já colocando a mão na maçaneta da porta do passageiro.
Ele ri de leve, com um toque de diversão na voz, como se estivesse acostumado a ter esse tipo de resposta de pessoas que hesitam.
— Claro, sem problema. Só não vou te deixar na chuva. — Ele puxa o banco do passageiro para frente, fazendo um gesto para que eu entre. — Vai ser rápido, prometo.
Olho uma última vez para a rua deserta e, finalmente, desisto do dilema. Se vou ser sequestrada, pelo menos vou estar confortável para isso.
Entro no carro, fechando a porta com cuidado e me sentando no banco, ainda me perguntando se fiz a escolha certa. O interior do carro é elegante, com um cheiro leve de couro novo e algo mais, como uma mistura de frescor e um toque masculino.
Ele me entrega o celular para que digite o endereço.
Olho de soslaio para ele, que parece completamente à vontade, como se estivesse fazendo isso o tempo todo.
— Então, como foi o seu dia? — ele pergunta, quebrando o silêncio, enquanto a rua vai ficando cada vez mais vazia.
Eu respiro fundo e tento relaxar, me jogando contra o encosto do banco.
— Ah, você sabe, um dia normal. O escritório estava mais calmo, então foi até tranquilo. A parte difícil foi terminar o trabalho a tempo — respondo, tentando não parecer tão exausta.
Ele me olha de relance, antes de voltar a focar na estrada.
— Parece que não foi um dia fácil. Você gosta de trabalhar lá? Na Fiori?
A pergunta me pega um pouco desprevenida, e eu dou de ombros, olhando pela janela para tentar disfarçar um pouco a minha resposta.
— É... é um trabalho, né? Eu gosto de ter meu salário no final do mês, então, em geral, não tenho do que reclamar. Você trabalha aqui há muito tempo?
Ele sorri, como se esperasse que eu fizesse uma pergunta, mas sua expressão continua séria.
— Não, na verdade, estou por aqui há pouco tempo — ele diz, dando uma olhada rápida para mim. — Mas tenho que dizer, o ambiente parece... diferente do que eu esperava.
A curiosidade dele me faz levantar uma sobrancelha.
— De que maneira "diferente"? — Pergunto, desconfiada, mas também interessada. Afinal, ele parece ser novo por ali, então deve ter algumas impressões, assim como eu tive quando comecei.
Ele hesita por um momento, olhando pela janela como se ponderasse como responder.
— Ah, você sabe, é uma grande empresa. E eu imagino que, por ser uma empresa de prestígio, tudo aqui tenha um ritmo um pouco... acelerado demais, digamos. Mas ainda estou me acostumando com isso — ele dá uma risadinha, a voz dele mais suave, quase convidativa para uma conversa mais aberta.
Sinto uma pontada de curiosidade, mas também desconforto. Não sei se deveria dar muito papo para ele. No entanto, há algo na forma como ele fala que me faz querer saber mais.
— Sim, o ritmo aqui é um pouco... implacável. A chefe, a senhora Bianchi, é exigente, mas é o tipo de chefe que, se você fizer o seu trabalho direito, você acaba ganhando a confiança dela. — Comento, sem muito entusiasmo, mais por obrigação de manter a conversa fluindo.
Ele balança a cabeça, com um sorriso ainda mais profundo, como se estivesse absorvendo tudo.
— Isso é bom. — Ele dá um suspiro. — Às vezes, parece que as pessoas tentam impressionar demais. Acho que estou mais acostumado com um ambiente mais descontraído, sabe?
— Eu entendo. Aqui é tudo muito formal. — Concordo, e comento, olhando pela janela. — Eu costumava trabalhar em uma família, antes de entrar aqui. Era muito mais tranquilo.
Ele parece interessado, mais do que eu esperava.
— Ah, uma família? Como foi essa experiência? — pergunta, visivelmente curioso.
— Foi ótimo. Eu era babá de duas meninas. O trabalho era simples, mas muito recompensador. Eles foram muito bons comigo.
Ele observa o meu rosto por um segundo, como se estivesse tentando entender algo mais, mas rapidamente se volta para a estrada.
— Parece que foi uma boa época. — Ele comenta, mais para si mesmo. — Mas você parece feliz com sua escolha atual. Não é?
Eu dou de ombros, tentando me convencer de que estou.
— Eu estou. Só... tem dias que são mais difíceis que outros, sabe?
Ele assente e um minuto de silêncio se instala sobre nós.
E uso esse tempo para perceber que estou completamente maluca. Estou dentro de um carro, com um completo estranho que conheci a cinco minutos e dei meu endereço para ele. Tudo o que minha mãe tinha me ensinado a não fazer.
— A-acabei de perceber que não sei seu nome — agarro minha bolsa junto ao peito.
— Giovanni — até o nome soa bem na sua voz — E o seu?
Estreito os olhos levemente desconfiados.
— Não se preocupe, não vou te sequestrar. Trabalhamos na mesma empresa, esqueceu? Têm câmeras por todos os lados.
Giovanni estaciona em frente ao meu prédio, analisando com estranheza o bairro que não combina nenhum pouco com o seu carro.
— Obrigada pela carona, foi muito gentil — coloco a mão na maçaneta pronta para descer — Acho que nos vemos amanhã então.
Seus dedos envolvem meu braço antes que eu consiga descer.
— Preciso saber seu nome, como vou encontrar minha amiga?
Desço os olhos até onde seus dedos estão, como se minha pele queimasse.
— Stella. Meu nome é Stella.
— Stella — ele repete fazendo soa aveludado — Ótimo, te vejo amanhã, Stella.
Preciso juntar todas as minhas forças para sair daquele carro.
Fico alguns segundos parada entre a porta e a calçada tentando entender como meu cérebro não derreteu.
Tranco a porta me certificando de dar duas voltas.Não quero ser acordada pelo meu vizinho bêbado entrando no apartamento errado novamente.Fico em pé encarando a mansão de um cômodo em que moro. O apartamento é formado apenas por um banheiro e na parte onde estou ficam o meu sofá cama, a televisão sobre o móvel de madeira gasta e ao lado da porta, a cozinha com apenas um balcão e um armário superior.Não posso esquecer do meu incrível fogão de duas bocas.Deixo a bolsa sobre a bancada e em dois passos estou sentada no sofá.Tenho vontade de chorar ao imaginar que mal consigo andar sozinha nesse apartamento, quem dirá com um bebê.— Ninguém descobriu sobre você ainda — deslizo a mão pelo volume inexistente na minha barriga — Ainda temos um tempinho.Descobri que estou grávida de três semanas há alguns dias.A notícia fez com que o meu mundo desabasse um pouco mais. Eu preciso daquele emprego, e preciso muito mais agora. Não tenho ajuda, o pai dele ou dela é um cara com quem saí apenas
O alarme tocou às cinco da manhã.O som era discreto, quase gentil, mas foi suficiente para me arrancar do sono. Eu abri os olhos e encarei o teto do quarto por um momento, deixando minha mente se ajustar. Dormir mais um pouco? Nem pensar. Esse tipo de indulgência era reservado para outros, não para mim.Levantei e troquei de roupa sem pensar muito.Calça de treino, camiseta básica, tênis.Tudo funcional, sem firulas.A academia do prédio era no térreo, então o elevador se tornou meu primeiro companheiro do dia. Dentro dele, observei meu reflexo no painel metálico. O cabelo estava uma bagunça, os olhos meio sonolentos, mas não importava. Eu não estava ali para agradar ninguém.A academia estava deserta quando cheguei, como sempre. Perfeito. Comecei o aquecimento na esteira, aumentando gradativamente o ritmo até sentir o coração acelerar e a mente clarear. Depois vieram os pesos. Rotina é uma coisa estranha: parece tediosa para quem vê de fora, mas para mim, é um alicerce. Quando tudo
As vozes ao meu redor se acumulavam, buscando qualquer resquício da minha atenção.E eu deveria mesmo estar entretido no assunto que os investidores insistem em debater comigo no meio do corredor. Todos em busca de mais uma fatia do nosso império familiar. Minha irmã decidiu que esse era um ótimo momento para desaparecer e me deixar lidar com os problemas dos quais fugi todos esses meses.— Acho poderíamos expandir para outras cidades, talvez uma ou duas filiais — o homem ao meu lado sugere, ajeitando a gravata torta no pescoço.— Claro, é uma ideia que poderia ser estudar.Respondo sem nem ao menos desviar os olhos para ele.Eu tentava me concentrar na conversa, mas as palavras deles se misturavam em um borrão. Concordei com um sorriso educado aqui, um aceno ali, enquanto minha atenção estava em outro lugar.Melhor dizendo, em outra pessoa.Através das portas de vidro do escritório da Fiorella, eu conseguia vê-la.Stella.Sentada à mesa, inclinada sobre alguns papéis, seus dedos desl
O relógio na parede indicava que o dia tinha se estendido mais do que o previsto.Suspirei, ajeitando os papéis na mesa com movimentos rápidos, mas visivelmente cansados. Os relatórios e as pautas das reuniões de Fiorella estavam por toda parte, espalhados como folhas após uma tempestade. Desde que ela chegou pela manhã, entrando e saindo de reuniões com os investidores ao lado do irmão, minha mesa parecia uma zona de guerra.Eu sabia que precisava deixar tudo organizado antes de ir embora.Deveria ter levantado para esticar as pernas ao menos uma vez, mas até esses poucos minutos pareciam luxo. Mesmo recebendo horas extras por continuar ali, sentia falta de um pouco mais de tempo em casa. Principalmente agora.Um ronco repentino ecoou no silêncio, me arrancando de meus pensamentos. Foi só então que percebi o quão vazia minha barriga estava. Instintivamente, levei a mão ao ventre, acariciando a pequena curva que começava a se formar.— Calma, meu amor — murmurei baixinho, como se pude
O trajeto no carro até o restaurante é silencioso.Matteo parece concentrado no caminho, com os olhos fixos na estrada, apenas movendo a mão vez ou outra para ajustar o ar condicionado ou a música baixa que toca entre nós. Eu gostaria de me virar um pouco mais, apenas para estudar seu rosto e descobrir se é realmente tão assustados agora estando tão perto.As luzes amareladas do restaurante projetavam sombras suaves na calçada, e eu me perguntava pela milésima vez o que estava fazendo ali. Meu coração estava dividido entre o receio de ser vista com Matteo — meu chefe, e não apenas um cara qualquer — e a inesperada sensação de conforto que sua presença me trazia.Já fazia tanto tempo desde a última vez em que alguém me perguntou como eu estava, ou ao menos se importou com o meu bem estar.Mordo o lábio ao folhear as páginas do cárdapio, tentando não arregalar os olhos ao ler os preços dos pratos italianos. Nunca em toda a minha vida tive a oportunidade de comer um macarrão que custasse
O cheiro estéril do hospital me sufoca. Minha cabeça lateja pela pancada, mas graças a Deus não sofri nada grave.Mistura-se com o latejar constante na minha cabeça, uma lembrança cruel do impacto, do som metálico da batida e do grito dela que ainda ecoa nos meus ouvidos. Estou sentado em uma das cadeiras desconfortáveis da recepção, mas não consigo ficar parado. Levanto, começo a andar de um lado para o outro, com as mãos nos bolsos do casaco, tentando conter a agonia que cresce a cada minuto de espera.Stella.É o único nome que consigo pensar. A garota que conheci há poucos dias, que entrou na minha vida de um jeito tão improvável, agora está atrás de portas duplas, inconsciente, enquanto eu não tenho a menor ideia do que está acontecendo com ela.Lembro do som do impacto, do estalo do vidro se partindo, do silêncio que veio logo depois, mais apavorante do que qualquer barulho. Eu a chamei pelo nome, sacudi o ombro dela, mas Stella não respondeu. O lado dela foi o mais atingido. E e
A dor de cabeça era a primeira coisa que senti. Uma pontada lenta e insistente, como se alguém estivesse batendo levemente contra minha têmpora. O segundo pensamento foi: Onde estou?Abri os olhos, piscando contra a luz suave do quarto. O teto branco e limpo me deu uma resposta parcial. Hospital. Mas não qualquer hospital. O lugar era silencioso, com móveis de madeira polida e cortinas delicadas, muito diferente de qualquer hospital público que já tinha visto. O ar tinha cheiro de desinfetante caro e... lavanda?Lavanda... por quê lavanda?Tentei me mexer, mas o corpo protestou. Uma leve fisgada no braço revelou o acesso de um soro preso à minha pele. Meus dedos se moveram instintivamente, checando a presença do tubo fino.E então veio. Um flash. Faróis brilhantes, vozes misturadas, o som de metal rasgando o ar. A batida. Minha respiração acelerou. Outro fragmento. Matteo segurando meu rosto, gritando algo que eu não conseguia entender. Dor. Depois... escuridão.O bebê.Minha mão voou
Matteo Bianchi estava completamente maluco.Talvez seja coisa de italiano achar que alguém que conheceu há apenas uma semana se torne algum tipo de posse. Meu chefe me ignorou e saiu para o corredor com a minha médica, fingindo ser meu marido! Entendo que ela não daria qualquer informação a ele se não tivessemos algum tipo de relacionamento, mas fingir que somos casados é demais.Casados sem o meu consentimento.A luz fria do hospital parecia zombar de mim, iluminando cada canto do quarto com uma claridade irritante. Eu ajustei o travesseiro atrás de mim, tentando encontrar uma posição minimamente confortável, mas o gesso na minha perna e a dor constante não ajudavam em nada.Do outro lado da porta, Matteo estava no corredor, conversando com a médica. O tom de voz dele era calmo e controlado, como se ele fosse um marido preocupado. Meu marido. Que piada! Só porque ele decidiu fingir ser meu marido para... sei lá, facilitar as coisas? O que ele estava pensando?Observei a silhueta dele