As vozes ao meu redor se acumulavam, buscando qualquer resquício da minha atenção.
E eu deveria mesmo estar entretido no assunto que os investidores insistem em debater comigo no meio do corredor. Todos em busca de mais uma fatia do nosso império familiar. Minha irmã decidiu que esse era um ótimo momento para desaparecer e me deixar lidar com os problemas dos quais fugi todos esses meses.
— Acho poderíamos expandir para outras cidades, talvez uma ou duas filiais — o homem ao meu lado sugere, ajeitando a gravata torta no pescoço.
— Claro, é uma ideia que poderia ser estudar.
Respondo sem nem ao menos desviar os olhos para ele.
Eu tentava me concentrar na conversa, mas as palavras deles se misturavam em um borrão. Concordei com um sorriso educado aqui, um aceno ali, enquanto minha atenção estava em outro lugar.
Melhor dizendo, em outra pessoa.
Através das portas de vidro do escritório da Fiorella, eu conseguia vê-la.
Stella.
Sentada à mesa, inclinada sobre alguns papéis, seus dedos deslizando pela página enquanto sua expressão permanecia concentrada. Havia algo quase hipnotizante em como ela mexia nos cabelos, afastando uma mecha do rosto.
Podia jurar que ela sabia que eu a estava observando.
Dessa distancia eu quase conseguia ver seu maxilar se contraindo em um movimento raivoso. Seus olhos pareciam desejar se fundir com a tela do computador, lutando com todas as forças para não encontrarem os meus.
Que merda está acontecendo?
Quando ela se levantou, ajeitando o vestido com um gesto rápido, senti meu peito apertar. Ela saiu do escritório e desapareceu pelo corredor, deixando para trás um rastro de inquietação que me fez perder o fio da conversa de vez.
— Com licença, senhores. — Minha voz soou firme, mas minha mente já estava longe.
Sem esperar por resposta, segui em direção à copa. Eu sabia que era uma péssima ideia, mas meu corpo parecia agir por conta própria, movido por algo que eu não estava pronto para nomear.
Quando cheguei à copa, Stella estava parada ao lado da bancada, tentando disfarçar o desconforto que parecia emanar dela. A cafeteira apitando enquanto se servia de uma xícara quase cheia.
Ela virou rapidamente quando me ouviu entrar, e pude ver a expressão dela se fechar, como se uma parede tivesse sido erguida entre nós.
— O que você está fazendo aqui? — A voz dela saiu mais baixa do que o normal, mas havia uma dureza nas palavras.
Eu hesitei antes de responder, ainda sem saber como começar.
Senti o peso do que acontecera, e o desejo de corrigir as coisas me dominava, mas tudo o que eu conseguia fazer era ficar ali, olhando para ela, tentando encontrar as palavras certas.
— Deve estar imaginando que eu sou algum tipo de filho da puta. Não queria te colocar em uma situação desconfortável.
— Não pensaria isso do meu chefe, senhor Bianchi.
Ela deu um passo atrás, cruzando os braços, e eu percebi a tensão na postura dela.
— Não precisamos dessas formalidades. Somos amigos, não somos?
— Não conhece as políticas de relacionamento da sua empresa?
— Conheço o suficiente a minha empresa.
— Então é algum fetiche em brincar com suas funcionárias?
Aquelas palavras me atingiram como um soco no estômago. Eu tentei me aproximar, mas ela levantou a mão, impedindo qualquer tentativa de aproximação.
— Não foi isso, Stella. Eu não... Não era minha intenção. Eu não sabia que você... estava ali, como minha funcionária, não até depois. Eu... — Meus pensamentos estavam embaralhados, minha voz falhando a cada palavra.
Porque estava tentando me justificar para uma estranha que só conhecia há dois dias?
Ela me olhou com uma intensidade que me fez questionar até onde poderia ir.
—Isso aqui — ela apontou para o escritório do lado, onde a equipe dela trabalhava — é meu trabalho. E eu não vou arriscar perdê-lo por causa de uma confusão idiota.
— Eu nunca pediria que te demitissem, eu apenas te ofereci uma carona.
Ela se vira e aperta a xícara entre os dedos parecendo agoniada.
— Sabe o que aconteceria se alguém me visse no carro do meu chefe? Eu preciso muito desse emprego, mais do que você imagina. Então por favor, finja que nunca me viu fora daqui.
Eu sentia que estava perdendo o controle da situação, mas eu não podia simplesmente desistir.
— Eu só queria me desculpar e explicar que não tinha intenções ruins com você. Apenas isso.
Ela soltou um suspiro pesado e passou as mãos pelos cabelos, exausta.
— Está explicado, aceito as suas desculpas — Stella se virou, pegou a xícara pronta para sair — Preciso voltar ao trabalho, com licença.
Aquilo me cortou profundamente, mais do que eu queria admitir.
Ela estava certa em muitas coisas, eu poderia ter causado a sua demissão apenas por ter oferecido uma carona.
— Claro, tenha um ótimo dia, Stella.
Seu nome reverberou pela minha boca enquanto a observava se afastar. Havia algo naquela garota que me puxava na sua direção, desde o dia em que trombei com ela no elevador, uma força estranha e atrativa.
***
Fiorella estava sentada à sua mesa, revisando alguns documentos, quando entrei na sala dela. Ela não levantou os olhos, mas o tom de sua voz foi suficiente para mostrar que sabia exatamente do que eu queria falar.
A última ligação com a nossa avó não foi fácil. Apesar de ser uma italiana forte e independente, e que manteve a família unida e sólida após a morte dos nossos pais, ela também preserva seu lado tradicional e conservador.
E esse lado está acabando com a minha vida.
Não é a primeira vez que ela me faz ameaças para que eu me case, principalmente depois que Fiorella se casou e eu me tornei o único solteiro da família.
— Não posso acreditar que você ainda está resistindo — minha irmã tirou os óculos e colocou sobre a mesa — Vovó está completamente certa sobre isso, Matteo. Você sabe o quanto é importante para a nossa família.
Revirei os olhos, nem parecia que eu era o mais velho.
Eu soltei um suspiro e me deixei cair na cadeira à frente dela. Ela ainda não havia parado de olhar para os papéis, mas sua atenção estava claramente em mim.
— Eu sei o que ela quer. Não é como se fosse novidade. Mas você sabe que casar por obrigação não é a solução. Não é assim que eu vejo as coisas.
— Já fazem cinco anos, Matteo — sua voz adquiriu um tom pesaroso — Precisa superar que Giulia nunca vai voltar.
— Não me importo com ela ou com o que fez da porra da vida.
Solto a gravata sentindo o tecido apertar meu pescoço. Aquele era um assunto proibido na família. O motivo pelo qual desejar casamentos não fazem mais parte da minha vida.
Ela finalmente levantou os olhos, o olhar dela fixando-se em mim com a frieza característica que ela sempre exibia quando falava de assuntos sérios.
— Vovó está disposta a vender as ações dela na empresa. Se você não se casar, ela não vai hesitar. E você sabe que isso pode mudar tudo. Não só para você, mas para todos nós.
Eu me recostei na cadeira, tentando manter a calma. A pressão estava apertando, mas eu não queria admitir que estava começando a me sentir preso.
— Você realmente acha que isso vai me fazer mudar de ideia? Casar com alguém só para agradar à vovó... Isso não resolve nada.
— Resolveria muita coisa. Já faz anos que você vive isolado de todos nós, das pessoas que te amam e isso não faz bem, Matteo — ela contorna a mesa e se senta na poltrona ao meu lado — Não pense nisso só pela empresa ou para evitarmos que um estranho se sente entre nós, mas por você também.
Fiorella levantou uma sobrancelha, como se já soubesse exatamente o que eu estava pensando. Ela fez uma pausa, e eu soube que ela estava pesando suas palavras. Fiorella sempre foi pragmática demais para entrar em debates emocionais.
Ela falava como se já tivesse tomado a decisão por mim.
— Eu sei que é difícil, mas você precisa fazer isso. O que está em jogo vai além do que você imagina. E eu não quero ver você perder tudo por causa de um capricho.
Eu engoli seco.
A sensação de estar sendo empurrado para algo que eu não queria fazer me consumia, mas não havia mais espaço para recusar.
O jogo estava armado, e eu já tinha perdido mais uma vez.
O relógio na parede indicava que o dia tinha se estendido mais do que o previsto.Suspirei, ajeitando os papéis na mesa com movimentos rápidos, mas visivelmente cansados. Os relatórios e as pautas das reuniões de Fiorella estavam por toda parte, espalhados como folhas após uma tempestade. Desde que ela chegou pela manhã, entrando e saindo de reuniões com os investidores ao lado do irmão, minha mesa parecia uma zona de guerra.Eu sabia que precisava deixar tudo organizado antes de ir embora.Deveria ter levantado para esticar as pernas ao menos uma vez, mas até esses poucos minutos pareciam luxo. Mesmo recebendo horas extras por continuar ali, sentia falta de um pouco mais de tempo em casa. Principalmente agora.Um ronco repentino ecoou no silêncio, me arrancando de meus pensamentos. Foi só então que percebi o quão vazia minha barriga estava. Instintivamente, levei a mão ao ventre, acariciando a pequena curva que começava a se formar.— Calma, meu amor — murmurei baixinho, como se pude
O trajeto no carro até o restaurante é silencioso.Matteo parece concentrado no caminho, com os olhos fixos na estrada, apenas movendo a mão vez ou outra para ajustar o ar condicionado ou a música baixa que toca entre nós. Eu gostaria de me virar um pouco mais, apenas para estudar seu rosto e descobrir se é realmente tão assustados agora estando tão perto.As luzes amareladas do restaurante projetavam sombras suaves na calçada, e eu me perguntava pela milésima vez o que estava fazendo ali. Meu coração estava dividido entre o receio de ser vista com Matteo — meu chefe, e não apenas um cara qualquer — e a inesperada sensação de conforto que sua presença me trazia.Já fazia tanto tempo desde a última vez em que alguém me perguntou como eu estava, ou ao menos se importou com o meu bem estar.Mordo o lábio ao folhear as páginas do cárdapio, tentando não arregalar os olhos ao ler os preços dos pratos italianos. Nunca em toda a minha vida tive a oportunidade de comer um macarrão que custasse
O cheiro estéril do hospital me sufoca. Minha cabeça lateja pela pancada, mas graças a Deus não sofri nada grave.Mistura-se com o latejar constante na minha cabeça, uma lembrança cruel do impacto, do som metálico da batida e do grito dela que ainda ecoa nos meus ouvidos. Estou sentado em uma das cadeiras desconfortáveis da recepção, mas não consigo ficar parado. Levanto, começo a andar de um lado para o outro, com as mãos nos bolsos do casaco, tentando conter a agonia que cresce a cada minuto de espera.Stella.É o único nome que consigo pensar. A garota que conheci há poucos dias, que entrou na minha vida de um jeito tão improvável, agora está atrás de portas duplas, inconsciente, enquanto eu não tenho a menor ideia do que está acontecendo com ela.Lembro do som do impacto, do estalo do vidro se partindo, do silêncio que veio logo depois, mais apavorante do que qualquer barulho. Eu a chamei pelo nome, sacudi o ombro dela, mas Stella não respondeu. O lado dela foi o mais atingido. E e
A dor de cabeça era a primeira coisa que senti. Uma pontada lenta e insistente, como se alguém estivesse batendo levemente contra minha têmpora. O segundo pensamento foi: Onde estou?Abri os olhos, piscando contra a luz suave do quarto. O teto branco e limpo me deu uma resposta parcial. Hospital. Mas não qualquer hospital. O lugar era silencioso, com móveis de madeira polida e cortinas delicadas, muito diferente de qualquer hospital público que já tinha visto. O ar tinha cheiro de desinfetante caro e... lavanda?Lavanda... por quê lavanda?Tentei me mexer, mas o corpo protestou. Uma leve fisgada no braço revelou o acesso de um soro preso à minha pele. Meus dedos se moveram instintivamente, checando a presença do tubo fino.E então veio. Um flash. Faróis brilhantes, vozes misturadas, o som de metal rasgando o ar. A batida. Minha respiração acelerou. Outro fragmento. Matteo segurando meu rosto, gritando algo que eu não conseguia entender. Dor. Depois... escuridão.O bebê.Minha mão voou
Matteo Bianchi estava completamente maluco.Talvez seja coisa de italiano achar que alguém que conheceu há apenas uma semana se torne algum tipo de posse. Meu chefe me ignorou e saiu para o corredor com a minha médica, fingindo ser meu marido! Entendo que ela não daria qualquer informação a ele se não tivessemos algum tipo de relacionamento, mas fingir que somos casados é demais.Casados sem o meu consentimento.A luz fria do hospital parecia zombar de mim, iluminando cada canto do quarto com uma claridade irritante. Eu ajustei o travesseiro atrás de mim, tentando encontrar uma posição minimamente confortável, mas o gesso na minha perna e a dor constante não ajudavam em nada.Do outro lado da porta, Matteo estava no corredor, conversando com a médica. O tom de voz dele era calmo e controlado, como se ele fosse um marido preocupado. Meu marido. Que piada! Só porque ele decidiu fingir ser meu marido para... sei lá, facilitar as coisas? O que ele estava pensando?Observei a silhueta dele
O cheiro do hospital era algo que eu nunca me acostumaria. Antisséptico, frio, uma memória que eu insistia em tentar apagar, mas que continuava impregnada em minha mente, obrigando-me a reviver momentos que desejei enterrar por muitos anos. Caminhava pelo corredor com passos lentos, sentindo o leve peso do buquê na minha mão direita.Flores. Quem compra flores para alguém que mal conhece?Passei a mão livre pelos cabelos, soltando um suspiro pesado. A ideia parecia estúpida agora, mas já era tarde para voltar atrás. Minha mãe sempre dizia que era educado levar flores para uma mulher doente, que pequenos gestos importavam. E, bem... foi por isso que comprei. Só por isso. Não tinha nenhum significado maior.Respirei fundo, tentando afastar a sensação de nervosismo que subia pelo meu peito. Era só um buquê de lírios brancos. Algo simples, delicado, nada que pudesse ser interpretado de forma errada. Stella já era desconfiada o suficiente comigo; a última coisa que eu precisava era que ela
Eu estava sentado no sofá, a mão direita repousando sobre o celular enquanto a outra descansava no meu joelho. Olhava pela janela para a cidade lá fora, observando as luzes começando a se acender enquanto a noite se aproximava. O silêncio no apartamento era um alívio, mas também um pouco pesado. Stella estava no quarto de hóspedes, descansando. Eu sabia que ela estava precisando de tempo para se recuperar, mas o espaço ainda me fazia sentir como se estivesse faltando alguma coisa.Quando o telefone tocou, reconheci imediatamente o número da minha avó. Não pude evitar o sorriso que apareceu instantaneamente.— Ciao, Nonna. — Falei no tom mais descontraído que consegui, deixando a tensão do dia um pouco de lado.— Ciao, bambino. Esqueceu que tem avó? Como você está, querido? — a voz dela veio, sempre calorosa e cheia de amor. — E como vão as coisas na empresa? Está tudo bem? Eu já ouvi alguns rumores por aí, mas você sabe como é, não é?Suspirei, afastando um pouco os pensamentos sobre
Eu estava sentada na banqueta, o peso do dia começando a sumir à medida que o cheiro do molho começava a se espalhar pela cozinha. Matteo estava ali, trabalhando com concentração. Seus braços, fortes e definidos, se moviam com precisão enquanto ele abria a massa, cortando as tiras de macarrão. O movimento fluido e hábil me fez perceber o quanto ele era diferente naquele ambiente. Não havia mais aquela tensão, o olhar de alguém sempre pronto para resolver um problema ou lidar com algo urgente. Agora, ele parecia... tranquilo.Como se estivesse em seu próprio território, fazendo algo que realmente gostava.Não pude evitar observá-lo.O jeito como seus músculos se flexionavam sob a camiseta cinza, o sorriso discreto nos lábios enquanto ele se concentrava no prato, me fez perceber uma faceta dele que eu ainda não tinha visto. No escritório, Matteo era o chefe, sempre com o semblante sério, de quem tinha o mundo nos ombros. Mas ali, na cozinha, ele parecia leve, como se estivesse se entreg