O relógio na parede indicava que o dia tinha se estendido mais do que o previsto.
Suspirei, ajeitando os papéis na mesa com movimentos rápidos, mas visivelmente cansados. Os relatórios e as pautas das reuniões de Fiorella estavam por toda parte, espalhados como folhas após uma tempestade. Desde que ela chegou pela manhã, entrando e saindo de reuniões com os investidores ao lado do irmão, minha mesa parecia uma zona de guerra.
Eu sabia que precisava deixar tudo organizado antes de ir embora.
Deveria ter levantado para esticar as pernas ao menos uma vez, mas até esses poucos minutos pareciam luxo. Mesmo recebendo horas extras por continuar ali, sentia falta de um pouco mais de tempo em casa. Principalmente agora.
Um ronco repentino ecoou no silêncio, me arrancando de meus pensamentos. Foi só então que percebi o quão vazia minha barriga estava. Instintivamente, levei a mão ao ventre, acariciando a pequena curva que começava a se formar.
— Calma, meu amor — murmurei baixinho, como se pudesse tranquilizá-lo. — Já vamos comer.
Suspirei de novo, tentando ignorar a fome enquanto empilhava os papéis em pequenas pilhas. Mais cinco minutos não fariam diferença, certo? Talvez pudesse sair um pouco mais cedo, passar na padaria no caminho e garantir algo que matasse minha fome antes que o enjoo começasse.
Desliguei o computador, decidida a terminar tudo amanhã.
— Um dia. Somente um dia, eu mereço sair no meu horário — murmurei para mim mesma.
Meu olhar caiu sobre o post-it preso ao monitor: "Você é forte." Escrevi isso numa manhã otimista, mas agora parecia o lembrete de que precisava para fechar o escritório e cuidar do que realmente importava.
Puxei minha bolsa da cadeira, pendurando-a no ombro com cuidado. Um enjoo mais forte subiu de repente, e precisei fechar os olhos por um instante, respirando fundo para controlar a náusea. Precisava comer logo.
O corredor estava silencioso, iluminado apenas pelas luzes automáticas. Era sexta-feira, e a maioria dos funcionários tinha saído mais cedo para o happy hour. Poucos ficavam até tarde.
Caminhei devagar em direção ao elevador, uma mão segurando a alça da bolsa e a outra pousada levemente na barriga. Por mais que tentasse, minha cabeça continuava a fazer contas. Enquanto andava, abri a bolsa e comecei a vasculhar o pouco dinheiro que sabia estar lá dentro. Será que dava para algo mais decente no mercado? Talvez uma fruta e um pãozinho.
Era sexta, dia oficial do "descanso merecido". Talvez pudesse me permitir um hambúrguer gigante e batatas fritas. Só de imaginar a comida gordurosa, mas aconchegante, meu estômago roncou mais alto.
Quando as portas do elevador se abriram, minha concentração nos trocados se dissolveu.
Meu coração parou por um segundo e, quando voltou a bater, foi em um ritmo que me deixou ainda mais tonta.
Matteo.
Ele estava ali, alto e inconfundível, parado como se tivesse esperado exatamente por aquele momento. Por mim.
Os olhos dele, intensos como sempre, correram por mim rapidamente, e eu quase me encolhi sob o peso daquele olhar.
— Stella — ele disse, o nome saindo firme, mas com um toque de algo que não soube decifrar.
Eu não conseguia me mover. Passei o dia todo fugindo dele, inventando compromissos e tarefas, me escondendo atrás da pilha de papéis na minha mesa. E agora, no último minuto, o destino decidiu me pregar essa peça.
Segurei mais firme a bolsa e tentei não demonstrar como meu corpo inteiro parecia lutar entre fugir e ficar.
— Matteo — murmurei, hesitante. — Você ainda está aqui?
O olhar dele suavizou, mas não perdeu a intensidade.
— Podia perguntar o mesmo para você. Achei que já tinha ido embora.
Eu queria responder, mas meu enjoo parecia competir com minha capacidade de raciocinar. Tudo o que consegui foi me segurar no pequeno fio de coragem que restava.
Sem saber o que mais fazer, entrei no elevador. Matteo deu um passo para trás, mas não o suficiente para que sua presença parecesse menos... dominante. A porta se fechou, e o silêncio no pequeno espaço tornou-se quase palpável.
— Então... — ele começou, a voz grave quebrando o constrangimento. — Como foi seu dia?
— Bem corrido — respondi, tentando soar casual. Apoiei a mão na parede do elevador para me equilibrar, enquanto a outra segurava a bolsa. O enjoo parecia piorar, mas forcei um sorriso. — Nada fora do normal.
— Você parece cansada.
Olhei de relance para ele, mas desviei o olhar imediatamente. Ele não parecia crítico, mas sua atenção era desconcertante.
— Só o ritmo de sempre — desconversei, ajeitando a alça da bolsa no ombro.
Ele ficou em silêncio por um momento, mas percebi que me observava. Meu estômago roncou de novo, alto o suficiente para não passar despercebido. Tapando a boca, engoli em seco ao sentir que o vazio quase me venceu.
— Stella — ele disse, a voz firme e direta. — Quando foi a última vez que você comeu?
Pisquei algumas vezes, tentando ganhar tempo.
— Eu almocei... — comecei, mas ele levantou uma sobrancelha, esperando que continuasse. Suspirei, derrotada. — Mas não consegui parar depois disso. Tinha muito o que fazer.
— Não conseguiu ou não quis?
A franqueza dele me fez encará-lo de verdade pela primeira vez.
— Não é tão simples assim — murmurei, olhando para a porta do elevador como se fosse minha saída.
— Simples ou não, você vai jantar agora.
— Vou, assim que chegar em casa.
Matteo balançou a cabeça, decidido.
— Estou indo comer também. Vamos juntos.
— Ficou maluco — murmurei, engolindo uma risada nervosa.
— Não estou perguntando. — Ele apertou o botão para o térreo. — Você está pálida e, pelo visto, prestes a desmaiar. Ou me deixa te levar para jantar ou eu carrego você até lá. Considere uma oferta de paz.
Suspirei, derrotada e cansada demais para discutir.
— Tudo bem — cedi, minha voz quase um sussurro. — Mas não precisa ficar.
— Isso não está em discussão.
As portas do elevador se abriram, e ele fez um gesto para que eu saísse primeiro.
Não havia espaço para recusar. Apesar do orgulho gritar, talvez fosse bom ter alguém insistindo em cuidar de mim por uma vez.
O trajeto no carro até o restaurante é silencioso.Matteo parece concentrado no caminho, com os olhos fixos na estrada, apenas movendo a mão vez ou outra para ajustar o ar condicionado ou a música baixa que toca entre nós. Eu gostaria de me virar um pouco mais, apenas para estudar seu rosto e descobrir se é realmente tão assustados agora estando tão perto.As luzes amareladas do restaurante projetavam sombras suaves na calçada, e eu me perguntava pela milésima vez o que estava fazendo ali. Meu coração estava dividido entre o receio de ser vista com Matteo — meu chefe, e não apenas um cara qualquer — e a inesperada sensação de conforto que sua presença me trazia.Já fazia tanto tempo desde a última vez em que alguém me perguntou como eu estava, ou ao menos se importou com o meu bem estar.Mordo o lábio ao folhear as páginas do cárdapio, tentando não arregalar os olhos ao ler os preços dos pratos italianos. Nunca em toda a minha vida tive a oportunidade de comer um macarrão que custasse
O cheiro estéril do hospital me sufoca. Minha cabeça lateja pela pancada, mas graças a Deus não sofri nada grave.Mistura-se com o latejar constante na minha cabeça, uma lembrança cruel do impacto, do som metálico da batida e do grito dela que ainda ecoa nos meus ouvidos. Estou sentado em uma das cadeiras desconfortáveis da recepção, mas não consigo ficar parado. Levanto, começo a andar de um lado para o outro, com as mãos nos bolsos do casaco, tentando conter a agonia que cresce a cada minuto de espera.Stella.É o único nome que consigo pensar. A garota que conheci há poucos dias, que entrou na minha vida de um jeito tão improvável, agora está atrás de portas duplas, inconsciente, enquanto eu não tenho a menor ideia do que está acontecendo com ela.Lembro do som do impacto, do estalo do vidro se partindo, do silêncio que veio logo depois, mais apavorante do que qualquer barulho. Eu a chamei pelo nome, sacudi o ombro dela, mas Stella não respondeu. O lado dela foi o mais atingido. E e
A dor de cabeça era a primeira coisa que senti. Uma pontada lenta e insistente, como se alguém estivesse batendo levemente contra minha têmpora. O segundo pensamento foi: Onde estou?Abri os olhos, piscando contra a luz suave do quarto. O teto branco e limpo me deu uma resposta parcial. Hospital. Mas não qualquer hospital. O lugar era silencioso, com móveis de madeira polida e cortinas delicadas, muito diferente de qualquer hospital público que já tinha visto. O ar tinha cheiro de desinfetante caro e... lavanda?Lavanda... por quê lavanda?Tentei me mexer, mas o corpo protestou. Uma leve fisgada no braço revelou o acesso de um soro preso à minha pele. Meus dedos se moveram instintivamente, checando a presença do tubo fino.E então veio. Um flash. Faróis brilhantes, vozes misturadas, o som de metal rasgando o ar. A batida. Minha respiração acelerou. Outro fragmento. Matteo segurando meu rosto, gritando algo que eu não conseguia entender. Dor. Depois... escuridão.O bebê.Minha mão voou
Matteo Bianchi estava completamente maluco.Talvez seja coisa de italiano achar que alguém que conheceu há apenas uma semana se torne algum tipo de posse. Meu chefe me ignorou e saiu para o corredor com a minha médica, fingindo ser meu marido! Entendo que ela não daria qualquer informação a ele se não tivessemos algum tipo de relacionamento, mas fingir que somos casados é demais.Casados sem o meu consentimento.A luz fria do hospital parecia zombar de mim, iluminando cada canto do quarto com uma claridade irritante. Eu ajustei o travesseiro atrás de mim, tentando encontrar uma posição minimamente confortável, mas o gesso na minha perna e a dor constante não ajudavam em nada.Do outro lado da porta, Matteo estava no corredor, conversando com a médica. O tom de voz dele era calmo e controlado, como se ele fosse um marido preocupado. Meu marido. Que piada! Só porque ele decidiu fingir ser meu marido para... sei lá, facilitar as coisas? O que ele estava pensando?Observei a silhueta dele
O cheiro do hospital era algo que eu nunca me acostumaria. Antisséptico, frio, uma memória que eu insistia em tentar apagar, mas que continuava impregnada em minha mente, obrigando-me a reviver momentos que desejei enterrar por muitos anos. Caminhava pelo corredor com passos lentos, sentindo o leve peso do buquê na minha mão direita.Flores. Quem compra flores para alguém que mal conhece?Passei a mão livre pelos cabelos, soltando um suspiro pesado. A ideia parecia estúpida agora, mas já era tarde para voltar atrás. Minha mãe sempre dizia que era educado levar flores para uma mulher doente, que pequenos gestos importavam. E, bem... foi por isso que comprei. Só por isso. Não tinha nenhum significado maior.Respirei fundo, tentando afastar a sensação de nervosismo que subia pelo meu peito. Era só um buquê de lírios brancos. Algo simples, delicado, nada que pudesse ser interpretado de forma errada. Stella já era desconfiada o suficiente comigo; a última coisa que eu precisava era que ela
Eu estava sentado no sofá, a mão direita repousando sobre o celular enquanto a outra descansava no meu joelho. Olhava pela janela para a cidade lá fora, observando as luzes começando a se acender enquanto a noite se aproximava. O silêncio no apartamento era um alívio, mas também um pouco pesado. Stella estava no quarto de hóspedes, descansando. Eu sabia que ela estava precisando de tempo para se recuperar, mas o espaço ainda me fazia sentir como se estivesse faltando alguma coisa.Quando o telefone tocou, reconheci imediatamente o número da minha avó. Não pude evitar o sorriso que apareceu instantaneamente.— Ciao, Nonna. — Falei no tom mais descontraído que consegui, deixando a tensão do dia um pouco de lado.— Ciao, bambino. Esqueceu que tem avó? Como você está, querido? — a voz dela veio, sempre calorosa e cheia de amor. — E como vão as coisas na empresa? Está tudo bem? Eu já ouvi alguns rumores por aí, mas você sabe como é, não é?Suspirei, afastando um pouco os pensamentos sobre
Eu estava sentada na banqueta, o peso do dia começando a sumir à medida que o cheiro do molho começava a se espalhar pela cozinha. Matteo estava ali, trabalhando com concentração. Seus braços, fortes e definidos, se moviam com precisão enquanto ele abria a massa, cortando as tiras de macarrão. O movimento fluido e hábil me fez perceber o quanto ele era diferente naquele ambiente. Não havia mais aquela tensão, o olhar de alguém sempre pronto para resolver um problema ou lidar com algo urgente. Agora, ele parecia... tranquilo.Como se estivesse em seu próprio território, fazendo algo que realmente gostava.Não pude evitar observá-lo.O jeito como seus músculos se flexionavam sob a camiseta cinza, o sorriso discreto nos lábios enquanto ele se concentrava no prato, me fez perceber uma faceta dele que eu ainda não tinha visto. No escritório, Matteo era o chefe, sempre com o semblante sério, de quem tinha o mundo nos ombros. Mas ali, na cozinha, ele parecia leve, como se estivesse se entreg
Enquanto nós dois nos acomodávamos à mesa, a sala de jantar estava iluminada pela suave luz do entardecer que entrava pelas grandes janelas. Eu me recostei na cadeira, sentindo o calor da comida no estômago, uma sensação reconfortante depois de um dia tão agitado. Não era só o cheiro da comida ou o gosto da massa fresca que me trazia essa sensação, mas o ambiente ao redor — a leveza que Stella trouxe sem nem perceber.Ela estava em silêncio, saboreando cada pedaço de massa com molho vermelho e o filé grelhado. Eu podia ver o prazer no rosto dela, e isso fazia minha mente descansar por um momento, afastando os pensamentos sobre as coisas que eu sabia que precisava resolver. Enquanto ela comia, eu me perdi por um instante, observando-a com a mente vagando. A forma como ela parecia tão absorvida na refeição, como se tivesse se desconectado do mundo, me fez pensar no quanto a vida dela, até aquele ponto, tinha sido solitária.Eu dei um gole no vinho e continuei a falar, um pouco perdido n