O trajeto no carro até o restaurante é silencioso.
Matteo parece concentrado no caminho, com os olhos fixos na estrada, apenas movendo a mão vez ou outra para ajustar o ar condicionado ou a música baixa que toca entre nós. Eu gostaria de me virar um pouco mais, apenas para estudar seu rosto e descobrir se é realmente tão assustados agora estando tão perto.
As luzes amareladas do restaurante projetavam sombras suaves na calçada, e eu me perguntava pela milésima vez o que estava fazendo ali. Meu coração estava dividido entre o receio de ser vista com Matteo — meu chefe, e não apenas um cara qualquer — e a inesperada sensação de conforto que sua presença me trazia.
Já fazia tanto tempo desde a última vez em que alguém me perguntou como eu estava, ou ao menos se importou com o meu bem estar.
Mordo o lábio ao folhear as páginas do cárdapio, tentando não arregalar os olhos ao ler os preços dos pratos italianos. Nunca em toda a minha vida tive a oportunidade de comer um macarrão que custasse uma semana do meu salário.
— Está tudo bem? — A voz dele, grave e baixa, cortou meus devaneios.
Matteo me encarava por cima do seu menu. Ele não parecia ter pressa, nem estava nervoso. Pelo contrário, parecia à vontade, como se aquilo fosse normal. Como se jantares improvisados com subordinadas fossem parte da sua rotina.
— Sim, claro. — Minha resposta saiu mais aguda do que eu esperava. Com um aceno educado, passei para a próxima página, tentando ignorar a proximidade de seus olhos atentos.
O restaurante tinha um ar intimista, com mesas espaçadas e uma música suave ao fundo. O ambiente era tão acolhedor quanto Matteo parecia querer que eu me sentisse. Ele me conduziu até uma mesa próxima à janela, longe do burburinho das poucas pessoas que preenchiam o salão.
— Stella. — Matteo inclinou-se ligeiramente para frente, apoiando os braços na mesa. Sua expressão era séria, mas havia algo de genuinamente preocupado em seu olhar. — Se está desconfortável com isso, podemos ir a outro lugar. Não quero que pense que... bom, que estou ultrapassando limites. Apenas quero que saiba que gostaria de manter a nossa amizade.
Ultrapassando limites? A ironia me fez quase rir, mas segurei. Se alguém estava fora de linha aqui, provavelmente era eu. Ele era meu chefe, e eu estava sentada ali, tentando ignorar a tensão no ar e a sensação de que estava traindo a memória da minha mãe, como se permitisse que outra pessoa cuidasse de mim.
— Não. — Respirei fundo. — Não é isso. — Eu apertei os lábios, sentindo a garganta fechar. Olhei para fora da janela, para as luzes da cidade, enquanto as palavras vinham devagar. — Só... faz muito tempo que alguém se importa se estou bem ou não.
Minha voz saiu baixa, quase inaudível. Quando voltei a olhar para ele, Matteo parecia surpreso, mas não desconfortável. Seus olhos, fixos nos meus, tinham algo que eu não sabia descrever. Compaixão, talvez.
— Acho que assim como eu, talvez te faltasse um amigo. — Ele disse, sem hesitar.
Simples, direto. Como se fosse óbvio, como se fosse uma questão de fato, e não algo que dependesse de mim. Senti meus olhos arderem e me odiei por isso. Olhar para ele era difícil, então foquei nas minhas mãos entrelaçadas sobre a mesa.
— Então somos amigos?
Ele sorri, fechando o menu que segurava.
— Bom, a empresa não tem nenhuma política que impede a amizade entre os funcionários. E pensando bem, você foi uma das poucas pessoas lá dentro que ainda não tentou puxar minha atenção.
— Não teria motivos — apoio os cotovelos sobre a mesa — Vai embora em algumas semanas, não é?
Um certo brilho de desanimo parece dançar em seus olhos.
— Irei.
Suspiro profundamente deixando os ombros caírem.
— Então, acho que pode ter uma amiga para esses dias. — Eu não sabia o que mais dizer, mas aquelas palavras pareciam importantes.
— Eu que agradeço por confiar em mim. — Matteo recostou-se na cadeira, relaxando um pouco. — Vamos pedir algo? Tenho certeza de que o risoto daqui vai te fazer esquecer o dia que teve.
Ele não insistiu no assunto, não pressionou. Apenas sorriu, como se tivesse todo o tempo do mundo para me fazer sentir à vontade. E, pela primeira vez em muito tempo, a ideia de aceitar um pouco de cuidado não parecia tão assustadora assim.
O aroma do risoto de cogumelos misturava-se ao perfume amadeirado que parecia acompanhar Matteo onde quer que ele fosse. A primeira garfada confirmou o que ele havia prometido — o sabor era incrível, cremoso e delicado, como um abraço caloroso em um prato.
O cheiro estéril do hospital me sufoca. Minha cabeça lateja pela pancada, mas graças a Deus não sofri nada grave.Mistura-se com o latejar constante na minha cabeça, uma lembrança cruel do impacto, do som metálico da batida e do grito dela que ainda ecoa nos meus ouvidos. Estou sentado em uma das cadeiras desconfortáveis da recepção, mas não consigo ficar parado. Levanto, começo a andar de um lado para o outro, com as mãos nos bolsos do casaco, tentando conter a agonia que cresce a cada minuto de espera.Stella.É o único nome que consigo pensar. A garota que conheci há poucos dias, que entrou na minha vida de um jeito tão improvável, agora está atrás de portas duplas, inconsciente, enquanto eu não tenho a menor ideia do que está acontecendo com ela.Lembro do som do impacto, do estalo do vidro se partindo, do silêncio que veio logo depois, mais apavorante do que qualquer barulho. Eu a chamei pelo nome, sacudi o ombro dela, mas Stella não respondeu. O lado dela foi o mais atingido. E e
A dor de cabeça era a primeira coisa que senti. Uma pontada lenta e insistente, como se alguém estivesse batendo levemente contra minha têmpora. O segundo pensamento foi: Onde estou?Abri os olhos, piscando contra a luz suave do quarto. O teto branco e limpo me deu uma resposta parcial. Hospital. Mas não qualquer hospital. O lugar era silencioso, com móveis de madeira polida e cortinas delicadas, muito diferente de qualquer hospital público que já tinha visto. O ar tinha cheiro de desinfetante caro e... lavanda?Lavanda... por quê lavanda?Tentei me mexer, mas o corpo protestou. Uma leve fisgada no braço revelou o acesso de um soro preso à minha pele. Meus dedos se moveram instintivamente, checando a presença do tubo fino.E então veio. Um flash. Faróis brilhantes, vozes misturadas, o som de metal rasgando o ar. A batida. Minha respiração acelerou. Outro fragmento. Matteo segurando meu rosto, gritando algo que eu não conseguia entender. Dor. Depois... escuridão.O bebê.Minha mão voou
Matteo Bianchi estava completamente maluco.Talvez seja coisa de italiano achar que alguém que conheceu há apenas uma semana se torne algum tipo de posse. Meu chefe me ignorou e saiu para o corredor com a minha médica, fingindo ser meu marido! Entendo que ela não daria qualquer informação a ele se não tivessemos algum tipo de relacionamento, mas fingir que somos casados é demais.Casados sem o meu consentimento.A luz fria do hospital parecia zombar de mim, iluminando cada canto do quarto com uma claridade irritante. Eu ajustei o travesseiro atrás de mim, tentando encontrar uma posição minimamente confortável, mas o gesso na minha perna e a dor constante não ajudavam em nada.Do outro lado da porta, Matteo estava no corredor, conversando com a médica. O tom de voz dele era calmo e controlado, como se ele fosse um marido preocupado. Meu marido. Que piada! Só porque ele decidiu fingir ser meu marido para... sei lá, facilitar as coisas? O que ele estava pensando?Observei a silhueta dele
O cheiro do hospital era algo que eu nunca me acostumaria. Antisséptico, frio, uma memória que eu insistia em tentar apagar, mas que continuava impregnada em minha mente, obrigando-me a reviver momentos que desejei enterrar por muitos anos. Caminhava pelo corredor com passos lentos, sentindo o leve peso do buquê na minha mão direita.Flores. Quem compra flores para alguém que mal conhece?Passei a mão livre pelos cabelos, soltando um suspiro pesado. A ideia parecia estúpida agora, mas já era tarde para voltar atrás. Minha mãe sempre dizia que era educado levar flores para uma mulher doente, que pequenos gestos importavam. E, bem... foi por isso que comprei. Só por isso. Não tinha nenhum significado maior.Respirei fundo, tentando afastar a sensação de nervosismo que subia pelo meu peito. Era só um buquê de lírios brancos. Algo simples, delicado, nada que pudesse ser interpretado de forma errada. Stella já era desconfiada o suficiente comigo; a última coisa que eu precisava era que ela
Eu estava sentado no sofá, a mão direita repousando sobre o celular enquanto a outra descansava no meu joelho. Olhava pela janela para a cidade lá fora, observando as luzes começando a se acender enquanto a noite se aproximava. O silêncio no apartamento era um alívio, mas também um pouco pesado. Stella estava no quarto de hóspedes, descansando. Eu sabia que ela estava precisando de tempo para se recuperar, mas o espaço ainda me fazia sentir como se estivesse faltando alguma coisa.Quando o telefone tocou, reconheci imediatamente o número da minha avó. Não pude evitar o sorriso que apareceu instantaneamente.— Ciao, Nonna. — Falei no tom mais descontraído que consegui, deixando a tensão do dia um pouco de lado.— Ciao, bambino. Esqueceu que tem avó? Como você está, querido? — a voz dela veio, sempre calorosa e cheia de amor. — E como vão as coisas na empresa? Está tudo bem? Eu já ouvi alguns rumores por aí, mas você sabe como é, não é?Suspirei, afastando um pouco os pensamentos sobre
Eu estava sentada na banqueta, o peso do dia começando a sumir à medida que o cheiro do molho começava a se espalhar pela cozinha. Matteo estava ali, trabalhando com concentração. Seus braços, fortes e definidos, se moviam com precisão enquanto ele abria a massa, cortando as tiras de macarrão. O movimento fluido e hábil me fez perceber o quanto ele era diferente naquele ambiente. Não havia mais aquela tensão, o olhar de alguém sempre pronto para resolver um problema ou lidar com algo urgente. Agora, ele parecia... tranquilo.Como se estivesse em seu próprio território, fazendo algo que realmente gostava.Não pude evitar observá-lo.O jeito como seus músculos se flexionavam sob a camiseta cinza, o sorriso discreto nos lábios enquanto ele se concentrava no prato, me fez perceber uma faceta dele que eu ainda não tinha visto. No escritório, Matteo era o chefe, sempre com o semblante sério, de quem tinha o mundo nos ombros. Mas ali, na cozinha, ele parecia leve, como se estivesse se entreg
Enquanto nós dois nos acomodávamos à mesa, a sala de jantar estava iluminada pela suave luz do entardecer que entrava pelas grandes janelas. Eu me recostei na cadeira, sentindo o calor da comida no estômago, uma sensação reconfortante depois de um dia tão agitado. Não era só o cheiro da comida ou o gosto da massa fresca que me trazia essa sensação, mas o ambiente ao redor — a leveza que Stella trouxe sem nem perceber.Ela estava em silêncio, saboreando cada pedaço de massa com molho vermelho e o filé grelhado. Eu podia ver o prazer no rosto dela, e isso fazia minha mente descansar por um momento, afastando os pensamentos sobre as coisas que eu sabia que precisava resolver. Enquanto ela comia, eu me perdi por um instante, observando-a com a mente vagando. A forma como ela parecia tão absorvida na refeição, como se tivesse se desconectado do mundo, me fez pensar no quanto a vida dela, até aquele ponto, tinha sido solitária.Eu dei um gole no vinho e continuei a falar, um pouco perdido n
Eu estava sentado no escritório, o computador à minha frente exibindo a janela de vídeo chamada com Fiorella. Minha irmã não demorou a aparecer na tela, com aquele olhar atento e preocupado, como sempre.— Matteo, o que está acontecendo? Você nunca falta ao trabalho. — Ela disse, cruzando os braços e me observando com desconfiança. — O que significa que tempestade está prestes a cair na nossa empresa?Eu tentei disfarçar a inquietação no meu olhar. Não queria preocupar a minha irmã mais do que o necessário. Era complicado, mas era o que eu tinha que fazer. Não podia dizer que ficaria em casa pois estava cuidando da sua assistente que por irônia também havia sido afastada pelo RH por motivos médicos.Mas Stella continuaria trabalhando de casa, essa foi uma condição que a garota não me deixou negociar.— Eu… não estou me sentindo muito bem. — Respondi, buscando a melhor desculpa que consegui pensar na hora. — O médico me pediu para descansar. Estresse, sabe? Estou realmente precisando d