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Capítulo 8: Stella Conti

O trajeto no carro até o restaurante é silencioso.

Matteo parece concentrado no caminho, com os olhos fixos na estrada, apenas movendo a mão vez ou outra para ajustar o ar condicionado ou a música baixa que toca entre nós. Eu gostaria de me virar um pouco mais, apenas para estudar seu rosto e descobrir se é realmente tão assustados agora estando tão perto.

As luzes amareladas do restaurante projetavam sombras suaves na calçada, e eu me perguntava pela milésima vez o que estava fazendo ali. Meu coração estava dividido entre o receio de ser vista com Matteo — meu chefe, e não apenas um cara qualquer — e a inesperada sensação de conforto que sua presença me trazia.

Já fazia tanto tempo desde a última vez em que alguém me perguntou como eu estava, ou ao menos se importou com o meu bem estar.

Mordo o lábio ao folhear as páginas do cárdapio, tentando não arregalar os olhos ao ler os preços dos pratos italianos. Nunca em toda a minha vida tive a oportunidade de comer um macarrão que custasse uma semana do meu salário.

— Está tudo bem? — A voz dele, grave e baixa, cortou meus devaneios.

Matteo me encarava por cima do seu menu. Ele não parecia ter pressa, nem estava nervoso. Pelo contrário, parecia à vontade, como se aquilo fosse normal. Como se jantares improvisados com subordinadas fossem parte da sua rotina.

— Sim, claro. — Minha resposta saiu mais aguda do que eu esperava. Com um aceno educado, passei para a próxima página, tentando ignorar a proximidade de seus olhos atentos.

O restaurante tinha um ar intimista, com mesas espaçadas e uma música suave ao fundo. O ambiente era tão acolhedor quanto Matteo parecia querer que eu me sentisse. Ele me conduziu até uma mesa próxima à janela, longe do burburinho das poucas pessoas que preenchiam o salão.

— Stella. — Matteo inclinou-se ligeiramente para frente, apoiando os braços na mesa. Sua expressão era séria, mas havia algo de genuinamente preocupado em seu olhar. — Se está desconfortável com isso, podemos ir a outro lugar. Não quero que pense que... bom, que estou ultrapassando limites. Apenas quero que saiba que gostaria de manter a nossa amizade.

Ultrapassando limites? A ironia me fez quase rir, mas segurei. Se alguém estava fora de linha aqui, provavelmente era eu. Ele era meu chefe, e eu estava sentada ali, tentando ignorar a tensão no ar e a sensação de que estava traindo a memória da minha mãe, como se permitisse que outra pessoa cuidasse de mim.

— Não. — Respirei fundo. — Não é isso. — Eu apertei os lábios, sentindo a garganta fechar. Olhei para fora da janela, para as luzes da cidade, enquanto as palavras vinham devagar. — Só... faz muito tempo que alguém se importa se estou bem ou não.

Minha voz saiu baixa, quase inaudível. Quando voltei a olhar para ele, Matteo parecia surpreso, mas não desconfortável. Seus olhos, fixos nos meus, tinham algo que eu não sabia descrever. Compaixão, talvez.

— Acho que assim como eu, talvez te faltasse um amigo. — Ele disse, sem hesitar.

Simples, direto. Como se fosse óbvio, como se fosse uma questão de fato, e não algo que dependesse de mim. Senti meus olhos arderem e me odiei por isso. Olhar para ele era difícil, então foquei nas minhas mãos entrelaçadas sobre a mesa.

— Então somos amigos?

Ele sorri, fechando o menu que segurava.

— Bom, a empresa não tem nenhuma política que impede a amizade entre os funcionários. E pensando bem, você foi uma das poucas pessoas lá dentro que ainda não tentou puxar minha atenção.

— Não teria motivos — apoio os cotovelos sobre a mesa — Vai embora em algumas semanas, não é?

Um certo brilho de desanimo parece dançar em seus olhos.

— Irei.

Suspiro profundamente deixando os ombros caírem.

— Então, acho que pode ter uma amiga para esses dias. — Eu não sabia o que mais dizer, mas aquelas palavras pareciam importantes.

— Eu que agradeço por confiar em mim. —  Matteo recostou-se na cadeira, relaxando um pouco. — Vamos pedir algo? Tenho certeza de que o risoto daqui vai te fazer esquecer o dia que teve.

Ele não insistiu no assunto, não pressionou. Apenas sorriu, como se tivesse todo o tempo do mundo para me fazer sentir à vontade. E, pela primeira vez em muito tempo, a ideia de aceitar um pouco de cuidado não parecia tão assustadora assim.

O aroma do risoto de cogumelos misturava-se ao perfume amadeirado que parecia acompanhar Matteo onde quer que ele fosse. A primeira garfada confirmou o que ele havia prometido — o sabor era incrível, cremoso e delicado, como um abraço caloroso em um prato.

— Você está sorrindo. — A voz dele interrompeu meus pensamentos, e eu percebi que, de fato, estava.

— É bom demais. — Balancei a cabeça, um pouco sem graça. — Acho que eu estava mesmo precisando de algo assim.

Ele assentiu, satisfeito, como se tivesse cumprido uma missão pessoal. Matteo parecia tão relaxado agora, recostado na cadeira, mexendo distraidamente na borda da taça de vinho.

— Você sabe que esse prato me lembra casa, não é? — Ele começou, o olhar ficando mais distante por um momento.

— Casa?

— A Itália. — Seu tom era suave, quase nostálgico.  — Cresci em uma pequena vila no interior, cercada por vinhedos. Minha família tinha um, na verdade. Produzíamos vinho. Bem pequeno, nada que você encontraria em restaurantes sofisticados como este. — Ele riu de leve.

Eu o observei enquanto ele falava, cada palavra carregada de um carinho tão palpável que parecia impossível não me envolver. Era como se eu pudesse ver o lugar pelos olhos dele — as colinas ondulantes, as vinhas se espalhando pelo horizonte, o sol dourado caindo sobre tudo aquilo.

— Era uma casa simples, mas cheia de vida. Meus pais faziam questão de manter as tradições. Nos finais de semana, a família inteira se reunia. Minha mãe cozinhava, meu pai tocava acordeão... — Ele fez uma pausa, rindo de si mesmo. — Sim, acordeão. Era um pouco cafona, mas, na época, parecia a coisa mais bonita do mundo."

— Isso soa... mágico. — Eu disse, sem perceber que ainda estava sorrindo.

— Era. Até hoje, quando fecho os olhos, consigo sentir o cheiro das uvas amadurecendo ao sol. O som do vento passando pelas folhas. É algo que carrego comigo, sabe? Não importa onde eu vá, é como se a Itália nunca me deixasse.

Sua voz tinha um tom quase reverente. Ele olhava para mim, mas parecia ver algo muito além.

— Deve estar sentindof alta da sua casa, agora que está enfiado em uma cidade tão caótica como São Paulo — Minha resposta saiu sem pensar.

— Todos os dias. — Matteo passou a mão pelo queixo, pensativo. — A cidade é linda, claro. Vibrante, cheia de possibilidades. Mas nada se compara à paz que sinto quando estou lá, entre as vinhas, ouvindo apenas o silêncio e o som da natureza.

Eu podia jurar que ele estava longe agora, em pensamento. E eu, curiosamente, sentia que estava lá com ele. A ideia de uma vida tranquila, em um lugar onde o tempo parecia andar mais devagar, soava irresistivelmente atraente.

— Você fala disso de um jeito que quase me faz sentir como se eu já tivesse estado lá. — Comentei, brincando, mas sem esconder a sinceridade.

Matteo sorriu, um sorriso genuíno, que iluminou os olhos escuros.

— Então você precisa ir um dia. Prometo que seria uma experiência inesquecível.

Eu ri, balançando a cabeça.

— Acho difícil imaginar isso acontecendo.

— Não diga isso, Stella. A vida tem maneiras engraçadas de nos levar onde menos esperamos.

Havia algo em seu tom, em seu olhar, que me fez acreditar por um instante. Talvez ele tivesse razão. Talvez, mesmo em meio às incertezas que me cercavam, a vida pudesse me surpreender.

Eu voltei a comer, e Matteo fez o mesmo, mas o silêncio que se seguiu não era desconfortável. Era preenchido pelo peso das palavras que ele havia compartilhado, pelas imagens que eu continuava vendo na minha mente — um lugar onde a vida parecia mais simples e, quem sabe, mais feliz. Até quando voltamos para o carro o clima seguiu o mesmo.

Conversar com ele era algo natural, como se nos conhecessemos há anos. 

A noite parecia ter se tornado mais leve enquanto estávamos no carro, Matteo dirigindo com uma facilidade descontraída, e eu relaxada no banco ao lado dele. As luzes da rua passavam rápidas pelas janelas, e o som do rádio preenchia o espaço entre nós.

— Essa música... sério? — Perguntei, rindo. Era um clássico italiano exagerado, com instrumentos animados e uma letra que parecia sair direto de um filme antigo.

— Qual o problema? — Matteo perguntou, levantando uma sobrancelha, mas o sorriso em seu rosto o entregava. — Isso é um hino! Todo italiano sabe a letra de cor.

— Você sabe?

— Claro — ele piscou galanteador — Talvez um dia eu te mostre, não agora quando acabei de ganhar sua amizade.

Era como se por um momento, todos os meus medos e preocupações tivessem desaparecido. Matteo tinha essa capacidade estranha de me fazer esquecer quem ele era — meu chefe, alguém que eu conhecia há tão pouco tempo. Ali, ele era só um homem divertido, cantando sem vergonha no volante.

Mas o riso morreu nos meus lábios num instante.

O impacto foi repentino, uma força esmagadora que veio do lado direito, me jogando contra o banco com violência. O som metálico da colisão ressoou nos meus ouvidos, alto e aterrorizante. Tudo ao nosso redor pareceu se despedaçar ao mesmo tempo. 

O carro rodopiou na pista, os pneus gritando contra o asfalto. Minha cabeça foi jogada para frente e para trás, os cintos nos segurando, mas sem aliviar o pânico crescente. Quando o movimento finalmente parou, percebi que estava segurando o braço de Matteo com força, meus dedos cravados na manga da camisa dele.

Ele virou-se para mim imediatamente, os olhos cheios de preocupação.

— Stella? — ele segura meu rosto, mas estou tonta mal consigo mater os olhos abertos — Fique acordada, por favor!

Eu tento. 

Tento obedecer sua voz, mas a dor em meu corpo pelos movimentos bruscos, é maior e me deixo ser acalentada pela escuridão.

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