Eu estava sozinha no escritório de Matteo, a luz suave do meio da manhã entrando pelas grandes janelas enquanto eu tentava me concentrar no relatório da minha chefe. Era um daqueles dias em que a cabeça não queria colaborar, e o clique do teclado parecia mais um som distante do que uma tarefa a ser cumprida. A cada linha que eu tentava escrever, minha mente voltava a passear pelos últimos dias, pela rotina que, mesmo estranha, tinha se formado aqui no apartamento.Matteo havia saído cedo para uma reunião da empresa. Ele garantiu que voltaria logo, mas, como sempre, a promessa soava mais como um lembrete de que nada aqui duraria para sempre. Dois meses. Apenas dois meses. Eu não podia esquecer isso. Mesmo que os dias tivessem se passado sem grandes surpresas, a sensação de estar sendo cuidada, como se tudo tivesse voltado a fazer algum sentido, me fazia questionar o tempo que ainda tinha aqui.Havia algo tranquilo e até reconfortante em nossa rotina. Matteo parecia estar sempre por pert
Sento-me à mesa da Fiorella, tentando manter minha expressão neutra enquanto ela me observa com aqueles olhos penetrantes que ela herdou da nossa avó. Uma habilidade peculiar de perceber quando algo não está certo, uma habilidade que sempre me irritou. Ela não diz nada de imediato, mas a forma como seus olhos se fixam em mim diz tudo.— Você está escondendo alguma coisa. — ela diz, com a mesma voz afiada de sempre.Reviro os olhos e tento manter a calma.— Você está louca, Fiorella. Estou apenas doente, nada demais.Ela não desvia o olhar.— Você não parece doente. Parece mais... preocupado. Como se tivesse algo em mente que não quer dividir.Me sinto tenso. Não posso contar a verdade. Não posso contar sobre Stella e a situação que estou criando para nós dois. Ela nunca entenderia, e na minha cabeça, é melhor manter as coisas no campo das mentiras do que abrir uma porta para um julgamento que eu não quero ouvir. Então, faço o que qualquer pessoa normal faria quando tenta evitar um con
Quando entro em casa, o apartamento parece mais silencioso do que o normal. Coloco as sacolas com o almoço na bancada da cozinha e sigo pelo corredor em direção à sala de TV. O cheiro da comida começa a preencher o ar, e eu já me imagino sentado ao lado dela, compartilhando uma refeição.Chego à sala e encontro Stella encolhida no sofá gigante, com uma coberta cobrindo seu corpo. Ela parece confortável, mas a TV exibe um filme qualquer, sem muito foco. Me aproximo com cautela, sem querer assustá-la, e a vejo apenas mexer os olhos na direção da tela.— Está tudo bem? — Pergunto, me sentando no canto do sofá, preocupado. A última coisa que eu quero é que ela esteja se sentindo mal, ainda mais depois de tudo que aconteceu.Ela vira os olhos para mim e dá um pequeno sorriso, embora seu rosto esteja pálido.— Estou bem. — diz ela com uma leveza na voz, mas eu consigo ver que algo não está certo. — Só que há algumas horas comecei a me sentir muito enjoada, então deitei. Não queria fazer nad
Eu acordo lentamente, o som baixo da TV ainda ecoando na sala, mas tudo parece suavizado, quase como se o mundo lá fora estivesse distante. Estou confortável, muito mais do que imaginava que estaria. Sinto uma leve pressão ao meu redor, um abraço firme, mas suave, que me mantém segura. Tento me mover, mas o braço de Matteo está sobre mim, e não posso negar que, mesmo sem querer, me sinto... bem.A luz suave da sala ilumina seu rosto, e eu o vejo dormindo tranquilamente. Seu rosto, normalmente tão sério e focado, agora está em paz. Ele respira devagar, o queixo repousando contra a minha testa, os fios de cabelo caindo levemente sobre sua testa. Eu não sei em que momento ele me abraçou, mas agora que estou assim, não tenho vontade de sair. Não quero me mover. Não quero que nada mude.Eu fecho os olhos por um momento e deixo que a sensação me envolva. Às vezes, desde que descobri que estava grávida, o medo tem sido meu companheiro constante. O medo do futuro, o medo de não ser capaz, o me
Acordei com o som suave dos raios de sol entrando pelas janelas, mas a sensação era diferente. Era como se o peso de alguns dias tivesse se dissipado um pouco. A conversa de ontem ainda estava fresca na minha mente, mas de uma maneira mais leve, quase tranquila. Havia algo em dividir aquela parte do meu passado com Stella, algo que não acontecia há muito tempo. Ela não me julgou, não se afastou. Apenas ouviu, e por mais simples que fosse, isso fez toda a diferença.Olhei ao redor e percebi que não estava mais no sofá. Levantei-me e caminhei até o corredor, seguindo o som da voz dela. Ela estava falando ao telefone, a conversa tranquila e animada, como se fosse o dia mais normal do mundo. Parei um pouco à distância, observando, sem querer interromper. Algo nela me trazia uma sensação de paz que eu não sabia que precisava até encontrar.Ela desligou a chamada e me percebeu, virando-se rapidamente com um sorriso que, embora discreto, iluminava o ambiente.— Como você está? — perguntou ela
Eu estava sentada no carro, observando as ruas movimentadas de São Paulo passarem pela janela, quando a notificação do meu celular vibrou. A tela iluminada mostrava uma mensagem do banco: o meu pagamento havia caído. Suspirei, aliviada. Era sempre um conforto ver aquele número aparecer, saber que pelo menos as contas do mês estavam garantidas.Mas algo estava errado. Franzi a testa ao perceber que o valor era maior do que deveria. Bem maior.Virei para Matteo, que dirigia com uma calma irritantemente natural.— Matteo, o que é isso? — perguntei, levantando o celular para ele dar uma olhada. — Por que meu pagamento veio tão alto esse mês?Ele desviou os olhos da estrada por um segundo, arqueando uma sobrancelha.— Ah, isso? É o aumento de final de ano para todos os funcionários. Um tipo de bônus.Pisquei, desconfiada.— Desde quando temos bônus de final de ano? Isso nunca aconteceu antes.Matteo deu de ombros, mantendo o olhar fixo na estrada.— Desde este ano. Decidi que seria uma boa
A pilha de papéis à minha frente parecia crescer cada vez que eu piscava. Contratos, relatórios, números... Tudo isso deveria ser fácil para mim. Sempre foi. Mas hoje, minha concentração estava em outra parte da sala.Ou melhor, em outra pessoa.Stella estava no sofá, com as pernas cruzadas debaixo do corpo, um livro aberto nas mãos, imaginando que não estou vendo o tablet sobre ele e seus dedos rolando pela caixa de email. Pela primeira vez em dias, ela estava quieta. Finalmente. Depois de tanta insistência da médica — e minha —, ela aceitou descansar. Era quase um milagre.Quase.Porque, mesmo assim, ela conseguia fazer o ambiente parecer menos calmo. Talvez fosse a forma como mordia o lábio inferior enquanto lia, ou como mexia no cabelo a cada duas páginas. Eu não sabia como algo tão pequeno podia roubar tanto a minha atenção.Devolvi os olhos aos papéis, forçando-me a focar. Mas minha mente já estava longe.Antes dela, minha vida era perfeitamente organizada. Cada coisa no seu lug
Ela tentou afastar a mão, mas eu segurei firme. Não para prendê-la, mas para mostrar que não iria a lugar algum. Não quando ela parecia tão frágil e ao mesmo tempo tão determinada a se diminuir."Você não entende, Stella," murmurei."Entender o quê?" Ela inclinou a cabeça, o olhar cheio de uma mistura de desafio e dúvida. "Você me conhece há poucos dias, Matteo. Poucos dias. E, ainda assim, você me acolhe na sua casa, insiste em me ajudar com uma gravidez que nem é sua responsabilidade..."Ela balançou a cabeça, como se tentasse entender as próprias palavras. "Isso é uma loucura.""Talvez seja," admiti, a voz baixa, mas carregada de sinceridade.Ela continuou me olhando, seus olhos escuros faiscando, como se desafiasse minha resposta. Eu deveria ter recuado, deveria ter dito algo mais racional, mas em vez dis