A pilha de papéis à minha frente parecia crescer cada vez que eu piscava. Contratos, relatórios, números... Tudo isso deveria ser fácil para mim. Sempre foi. Mas hoje, minha concentração estava em outra parte da sala.Ou melhor, em outra pessoa.Stella estava no sofá, com as pernas cruzadas debaixo do corpo, um livro aberto nas mãos, imaginando que não estou vendo o tablet sobre ele e seus dedos rolando pela caixa de email. Pela primeira vez em dias, ela estava quieta. Finalmente. Depois de tanta insistência da médica — e minha —, ela aceitou descansar. Era quase um milagre.Quase.Porque, mesmo assim, ela conseguia fazer o ambiente parecer menos calmo. Talvez fosse a forma como mordia o lábio inferior enquanto lia, ou como mexia no cabelo a cada duas páginas. Eu não sabia como algo tão pequeno podia roubar tanto a minha atenção.Devolvi os olhos aos papéis, forçando-me a focar. Mas minha mente já estava longe.Antes dela, minha vida era perfeitamente organizada. Cada coisa no seu lug
Ela tentou afastar a mão, mas eu segurei firme. Não para prendê-la, mas para mostrar que não iria a lugar algum. Não quando ela parecia tão frágil e ao mesmo tempo tão determinada a se diminuir."Você não entende, Stella," murmurei."Entender o quê?" Ela inclinou a cabeça, o olhar cheio de uma mistura de desafio e dúvida. "Você me conhece há poucos dias, Matteo. Poucos dias. E, ainda assim, você me acolhe na sua casa, insiste em me ajudar com uma gravidez que nem é sua responsabilidade..."Ela balançou a cabeça, como se tentasse entender as próprias palavras. "Isso é uma loucura.""Talvez seja," admiti, a voz baixa, mas carregada de sinceridade.Ela continuou me olhando, seus olhos escuros faiscando, como se desafiasse minha resposta. Eu deveria ter recuado, deveria ter dito algo mais racional, mas em vez dis
A luz que atravessava a cortina me acordou antes do despertador. Meu corpo ainda estava mergulhado no calor dos lençóis, mas minha mente disparava, ecoando a lembrança da noite passada. Matteo. Tão próximo. Sua respiração roçando minha pele, sua intenção clara, mas contida. Quase. Ele quase me beijou. E por um momento, eu queria que tivesse feito.Balancei a cabeça, tentando afastar o calor que subia pelo meu corpo. Era só cansaço, eu me convenci. Só exaustão acumulada e... talvez uma pitada de carência. Não era sobre ele. Não podia ser.Levantei-me e segui para o banheiro, lavando o rosto como se a água gelada pudesse dissolver a confusão que girava dentro de mim. Matteo não era uma opção. Ele era um ponto de apoio em um momento em que eu precisava de um, não um capítulo novo para minha bagunçada história. Eu não podia me permitir sonhar com algo que já tinha me ferido antes.Ao chegar à cozinha, o cheiro de café fresco invadiu meus sentidos, trazendo uma memória tão familiar e ao me
Eu estava sentado na sala, mas era como se o couro do sofá queimasse minha pele. Meu nervosismo era palpável, quase tão denso quanto o ar ao meu redor. As gêmeas estavam subindo, e o som das risadas delas ecoava pelo corredor como uma contagem regressiva. Contei a Stella sobre a visita, deixando claro que eram apenas duas crianças animadas e barulhentas, mas mesmo assim, a tensão permaneceu.Ouvi passos leves vindo do corredor, e virei a cabeça para o som. Stella apareceu, hesitante, vestindo um vestido florido azul que compramos juntos dias atrás. O tecido leve moldava seu corpo pequeno, destacando a pequena curva de sua barriga. Minha respiração parou por um momento. Eu deveria desviar o olhar, mas não consegui. Meu peito se apertou, não apenas pelo desejo, mas pela vontade instintiva de me aproximar e acariciar aquela pequena curva, como se fosse uma promessa de
Eu andava de um lado para o outro pela sala, tentando afastar a sensação de que ia fazer papel de idiota. A gravata ainda pendia solta ao redor do meu pescoço, mas não conseguia decidir se deveria apertá-la ou simplesmente arrancá-la de vez. Fazia anos que eu não saía para um encontro — e, se fosse honesto comigo mesmo, não fazia ideia de como agir.Desde que terminei meu noivado, me convenci de que aquilo não era para mim.Relacionamentos, compromissos… amar alguém. O peso de meus erros do passado ainda me assombrava, especialmente quando pensava em minha filha. Ou melhor, na falta dela. Uma pontada no peito me fez parar de andar. Perder a oportunidade de ser pai foi minha maior falha. E agora, o que eu tinha a oferecer para Stella?Stella. Só de pensar nela, senti meus ombros relaxarem, mas ao mesmo tempo meu coração disparava como louco. Ela era tão diferente de tudo que eu conhecia — tão teimosa, tão destemida, tão... viva. De algum jeito, Stella fazia a bagunça dentro de mim parec
Minha respiração estava descompassada. O coração martelava no peito, como se tentasse me lembrar que eu ainda estava viva. Ainda aqui. As mãos de Matteo rodeavam minha cintura, firmes, mas tão gentis que eu mal podia acreditar que algo tão simples pudesse me deixar tão... vulnerável.Ele ainda estava perto demais, seus olhos fixos nos meus, queimando como brasas acesas. A intensidade me fazia sentir exposta, como se Matteo enxergasse partes de mim que eu mesma tinha medo de olhar.Eu queria dizer alguma coisa, qualquer coisa, mas minha mente estava uma bagunça. O beijo dele ainda parecia estar gravado em minha pele, como se cada ponto de contato fosse impossível de apagar.Matteo sorriu, aquele sorriso que me desarmava e fazia meu estômago revirar.— Posso repetir? — perguntou, a voz rouca, carregada de algo que me fazia estremecer.Meus lábios se entreabriram, mas nenhuma palavra saiu. Eu não esperava por isso. Não esperava que ele fosse me beijar, muito menos que eu fosse gostar tan
A manhã estava ensolarada, mas o vento fresco de São Paulo ainda carregava aquele cheiro úmido de concreto molhado. Eu puxei a alça da bolsa mais para cima no ombro enquanto saía da clínica de fisioterapia, tentando ignorar a leve dor que insistia em latejar na base da minha coluna. Era uma daquelas coisas que eu tinha aprendido a conviver, mesmo sabendo que não deveria.O fisioterapeuta foi paciente, como sempre, me incentivando a continuar o tratamento com a mesma disciplina. Matteo insistia que eu tivesse o melhor atendimento, e, mesmo que isso fosse um alívio, eu ainda sentia um nó apertado no peito cada vez que pensava em quanto aquilo custava.Dinheiro nunca foi um assunto fácil para mim, especialmente depois de ver o que aconteceu com minha mãe. Dependência financeira significava abrir mão de escolhas, de liberdade. Significava que, em algum momento, você podia perder tudo. Matteo dizia que não era assim, que ele fazia porque queria, mas eu não podia evitar o peso da inseguranç
A sala de reuniões estava cheia, o ar pesado com a mistura de perfumes caros e a tensão de quem esperava uma resposta minha. Os acionistas se revezavam apresentando números, gráficos e estratégias para expandir nossas operações no Brasil. Era o tipo de reunião que eu normalmente apreciava, mas hoje minha mente insistia em vagar.Stella.Deixá-la sozinha pela primeira vez em semanas me parecia errado, mesmo que ela tivesse insistido que estava bem. Ela precisava de tempo para si, eu sabia disso, mas isso não significava que eu não me preocupava. Eu sei que ela não aceitaria que eu continuasse a seguindo pelo apartamento, garantindo que não estava rapido demais.A última vez que algo me tocou assim foi a notícia da minha filha. Georgia foi a última coisa que me tocou verdadeiramente, que mudou meu coração completamente. Agora Stella parecia ter sido enviada diante de todas orações da minha avó e agora meu coração pedia para conversar com ela.Contar