A chuva encharca meus sapatos enquanto caminho pela calçada de uma das avenidas mais movimentadas da cidade, rezando para que, desta vez, eu não chegue atrasada. O som do meu estômago roncando me faz soltar uma das mãos da sombrinha e apertar o próprio corpo.Lidar com a chuva até que é fácil — eu poderia tentar secar o cabelo no secador de mãos do banheiro de novo. Mas hoje trabalhar será difícil, porque não conseguirei passar na padaria e gastar minhas últimas moedas. Nem chegamos à metade do mês, e meu salário já foi quase todo embora.Paro em frente ao semáforo e espero abrir para atravessar em direção ao prédio da Fiori Security, uma das filiais da maior empresa de segurança italiana. Por um milagre, depois de ter sido demitida do meu último emprego de babá, consegui uma vaga de secretária.Deus abençoe minha mãe no dia em que me obrigou a fazer aquele curso.Meu pé desliza dentro do salto molhado ao entrar no saguão de mármore branco e dourado. Chamo o elevador e subo para o vig
Esfrego os olhos, sentindo que estou prestes a enlouquecer.Meus dedos estão exaustos de tanto digitar as pautas que minha chefe precisa para as reuniões de amanhã. Pelo menos consegui almoçar no refeitório da empresa. A Fiori fornece almoço para todos os funcionários e isso ajuda a economizar.Levando em consideração que minhas opções de culinária são limitadas no fogão de duas bocas que cabe na minha cozinha.Não reclamo de ficar um pouco depois, as horas extras sempre me ajudam.Às vezes sinto falta do meu antigo emprego.Trabalhei por cinco anos como babá para uma família rica e foram ótimos anos de trabalho. Recebia um salário adequado que me ajudou a pagar a faculdade de secretariado e convivendo com as duas crianças mais fofas e amáveis desse mundo.Era muito bem tratada pela família, que pagou meus cursos de idioma e me levou em algumas viagens.Sempre serei grata por tudo o que fizeram por mim.Infelizmente, o pai foi transferido para Londres, para uma das filiais da empresa
Estou tão cansada que desmaiaria ali mesmo, então decido fazer o que qualquer pessoa lascada de dinheiro faz em um dia de chuva.— Eu mereço voltar para casa confortável... Só hoje.Abro o aplicativo de Uber e começo a procurar um motorista, ciente de que vou me arrepender.Esse é um problema para a Stella de amanhã.Percebo um veículo preto e luxuoso diminuir a velocidade pela rua do prédio e estacionar devagar bem na minha frente. Agarro a bolsa, pronta para correr; se alguém vai me sequestrar, então terá que me pegar primeiro.Já estou fodida demais, ninguém pagaria meu resgate.O vidro abaixa devagar, e no banco do motorista vejo o mesmo par de olhos azuis do elevador.— Ei, nova amiga de trabalho. Quer uma carona?O sorriso dele me desconcerta, e por um instante, fico hesitante. A chuva fina que começa a cair sobre a calçada me faz pensar rapidamente. Não quero esperar mais um segundo para pegar um Uber, e a grana está tão curta que, sinceramente, vou deixar a minha preocupação c
Tranco a porta me certificando de dar duas voltas.Não quero ser acordada pelo meu vizinho bêbado entrando no apartamento errado novamente.Fico em pé encarando a mansão de um cômodo em que moro. O apartamento é formado apenas por um banheiro e na parte onde estou ficam o meu sofá cama, a televisão sobre o móvel de madeira gasta e ao lado da porta, a cozinha com apenas um balcão e um armário superior.Não posso esquecer do meu incrível fogão de duas bocas.Deixo a bolsa sobre a bancada e em dois passos estou sentada no sofá.Tenho vontade de chorar ao imaginar que mal consigo andar sozinha nesse apartamento, quem dirá com um bebê.— Ninguém descobriu sobre você ainda — deslizo a mão pelo volume inexistente na minha barriga — Ainda temos um tempinho.Descobri que estou grávida de três semanas há alguns dias.A notícia fez com que o meu mundo desabasse um pouco mais. Eu preciso daquele emprego, e preciso muito mais agora. Não tenho ajuda, o pai dele ou dela é um cara com quem saí apenas
O alarme tocou às cinco da manhã.O som era discreto, quase gentil, mas foi suficiente para me arrancar do sono. Eu abri os olhos e encarei o teto do quarto por um momento, deixando minha mente se ajustar. Dormir mais um pouco? Nem pensar. Esse tipo de indulgência era reservado para outros, não para mim.Levantei e troquei de roupa sem pensar muito.Calça de treino, camiseta básica, tênis.Tudo funcional, sem firulas.A academia do prédio era no térreo, então o elevador se tornou meu primeiro companheiro do dia. Dentro dele, observei meu reflexo no painel metálico. O cabelo estava uma bagunça, os olhos meio sonolentos, mas não importava. Eu não estava ali para agradar ninguém.A academia estava deserta quando cheguei, como sempre. Perfeito. Comecei o aquecimento na esteira, aumentando gradativamente o ritmo até sentir o coração acelerar e a mente clarear. Depois vieram os pesos. Rotina é uma coisa estranha: parece tediosa para quem vê de fora, mas para mim, é um alicerce. Quando tudo
As vozes ao meu redor se acumulavam, buscando qualquer resquício da minha atenção.E eu deveria mesmo estar entretido no assunto que os investidores insistem em debater comigo no meio do corredor. Todos em busca de mais uma fatia do nosso império familiar. Minha irmã decidiu que esse era um ótimo momento para desaparecer e me deixar lidar com os problemas dos quais fugi todos esses meses.— Acho poderíamos expandir para outras cidades, talvez uma ou duas filiais — o homem ao meu lado sugere, ajeitando a gravata torta no pescoço.— Claro, é uma ideia que poderia ser estudar.Respondo sem nem ao menos desviar os olhos para ele.Eu tentava me concentrar na conversa, mas as palavras deles se misturavam em um borrão. Concordei com um sorriso educado aqui, um aceno ali, enquanto minha atenção estava em outro lugar.Melhor dizendo, em outra pessoa.Através das portas de vidro do escritório da Fiorella, eu conseguia vê-la.Stella.Sentada à mesa, inclinada sobre alguns papéis, seus dedos desl
O relógio na parede indicava que o dia tinha se estendido mais do que o previsto.Suspirei, ajeitando os papéis na mesa com movimentos rápidos, mas visivelmente cansados. Os relatórios e as pautas das reuniões de Fiorella estavam por toda parte, espalhados como folhas após uma tempestade. Desde que ela chegou pela manhã, entrando e saindo de reuniões com os investidores ao lado do irmão, minha mesa parecia uma zona de guerra.Eu sabia que precisava deixar tudo organizado antes de ir embora.Deveria ter levantado para esticar as pernas ao menos uma vez, mas até esses poucos minutos pareciam luxo. Mesmo recebendo horas extras por continuar ali, sentia falta de um pouco mais de tempo em casa. Principalmente agora.Um ronco repentino ecoou no silêncio, me arrancando de meus pensamentos. Foi só então que percebi o quão vazia minha barriga estava. Instintivamente, levei a mão ao ventre, acariciando a pequena curva que começava a se formar.— Calma, meu amor — murmurei baixinho, como se pude
O trajeto no carro até o restaurante é silencioso.Matteo parece concentrado no caminho, com os olhos fixos na estrada, apenas movendo a mão vez ou outra para ajustar o ar condicionado ou a música baixa que toca entre nós. Eu gostaria de me virar um pouco mais, apenas para estudar seu rosto e descobrir se é realmente tão assustados agora estando tão perto.As luzes amareladas do restaurante projetavam sombras suaves na calçada, e eu me perguntava pela milésima vez o que estava fazendo ali. Meu coração estava dividido entre o receio de ser vista com Matteo — meu chefe, e não apenas um cara qualquer — e a inesperada sensação de conforto que sua presença me trazia.Já fazia tanto tempo desde a última vez em que alguém me perguntou como eu estava, ou ao menos se importou com o meu bem estar.Mordo o lábio ao folhear as páginas do cárdapio, tentando não arregalar os olhos ao ler os preços dos pratos italianos. Nunca em toda a minha vida tive a oportunidade de comer um macarrão que custasse