O alarme tocou às cinco da manhã.
O som era discreto, quase gentil, mas foi suficiente para me arrancar do sono. Eu abri os olhos e encarei o teto do quarto por um momento, deixando minha mente se ajustar. Dormir mais um pouco? Nem pensar. Esse tipo de indulgência era reservado para outros, não para mim.
Levantei e troquei de roupa sem pensar muito.
Calça de treino, camiseta básica, tênis.
Tudo funcional, sem firulas.
A academia do prédio era no térreo, então o elevador se tornou meu primeiro companheiro do dia. Dentro dele, observei meu reflexo no painel metálico. O cabelo estava uma bagunça, os olhos meio sonolentos, mas não importava. Eu não estava ali para agradar ninguém.
A academia estava deserta quando cheguei, como sempre. Perfeito. Comecei o aquecimento na esteira, aumentando gradativamente o ritmo até sentir o coração acelerar e a mente clarear. Depois vieram os pesos. Rotina é uma coisa estranha: parece tediosa para quem vê de fora, mas para mim, é um alicerce. Quando tudo ao redor é incerto, a disciplina é a única constante.
Terminei o treino uma hora depois, o corpo cansado, mas em alerta. Subi para a cobertura sentindo o suor escorrer pela pele e pensando em como o dia seria longo. Meu apartamento era espaçoso e impecável, mas parecia vazio.
No fundo, eu sabia que faltava algo, ou talvez alguém.
Não podia falar sobre isso com a minha irmã e muito menos com a minha mãe. Depois de tudo o que aconteceu, sei que elas vão despejar um caminhão de esperanças e promessas para que eu me case de novo.
Minha irmã saiu na frente e já deu aos meus pais dois netos.
Eu permaneço no titulo de melhor tio do mundo e por enquanto é o mais seguro.
No chuveiro, a água quente relaxou meus músculos enquanto minha mente já trabalhava. Hoje seria mais um dia supervisionando a filial no Brasil, analisando relatórios, lidando com problemas e decisões que não podiam esperar. Mas enquanto me enxugava e me preparava, percebi um pensamento que não conseguia afastar: sentia falta de casa.
Tudo o que preciso é terminar minha estadia por aqui e voltar para casa.
Minha casa.
Um carro da empresa me esperava quando desci, com um motorista pronto para me levar. Assim que entrei e a cidade começou a passar pela janela, não pude deixar de notar. Aqui, todos pareciam correr. Rostos tensos, passos apressados, buzinas constantes. Na Itália, as pessoas valorizam o tempo, eu pensei, olhando para o horizonte de prédios.
Elas sabem quando desacelerar, quando simplesmente viver.
Inclinei a cabeça contra o encosto do banco, observando o caos lá fora. Gostava do Brasil, mas era impossível não sentir saudade da minha terra. As ruas de pedra, o cheiro de café forte, o som das conversas animadas nas praças. Era uma vida que fazia mais sentido para mim.
Suspirei. Por agora, meu lugar era aqui. E como sempre, eu faria o que fosse necessário.
Cheguei na sede da filial faltando cinco minutos para a reunião. O prédio era imponente, mas não mais do que a expectativa de todos ali. Funcionários me aguardavam, em sua maioria, com olhares curiosos e respeitosos, como se esperassem a chegada.
Entrei no lobby, onde uma recepcionista me cumprimentou com um sorriso cortês. Ela me guiou até o elevador, onde um dos gerentes da filial já estava à minha espera. Cumprimentei-o com um aperto de mão firme e, ao caminhar pelos corredores, recebi mais olhares discretos de quem estava trabalhando.
Às vezes me perguntava como seria se, em vez de ser o “Bianchi” por trás da gigante de segurança que dominava mercados, fosse apenas um Matteo qualquer. Mas logo abandonei esse pensamento. Era quem eu era, e nada iria mudar isso.
Quando cheguei à sala de reuniões, minha irmã, já estava à porta, esperando.
— Matteo! — ela exclamou, me abraçando rapidamente antes de se afastar com um sorriso afiado. — Pronto para impressionar a todos?
Eu sorri, Ela sempre tinha essa energia de quem controla o ambiente, e naquele momento, estava claramente no comando.
Entramos juntos no auditório, a equipe inteira da filial nos aguardava, todos em seus lugares. Eu sabia que, apesar da formalidade da situação, todos ali estavam pensando a mesma coisa: “O que o CEO da matriz tem a dizer sobre nossa filial?”
Queriam que eu trouxesse boas notícias, seus empregos dependiam disso.
A primeira coisa que eu notei, assim que a porta se fechou atrás de nós, foi o olhar de todos se voltando para mim, a sala silenciosa, à espera de algo grandioso. Meu discurso estava ensaiado, mas o que me chamou a atenção de verdade foi a primeira fileira de bancos.
Eu a reconheci imediatamente.
Não era difícil, ela tinha uma presença, algo único, mesmo entre tantos rostos desconhecidos.
Stella...
Ela estava ali, tão discreta, mas com uma energia que eu não conseguia ignorar. Ela me olhou diretamente, e quase que instintivamente, senti um peso nos ombros. Não era só curiosidade em seus olhos, havia algo mais profundo ali.
Uma tensão no ar que eu não soube explicar naquele momento.
Eu estava começando a falar sobre o futuro da empresa, meus objetivos e como esperava que todos colaborassem para crescer juntos, mas era impossível não sentir o peso daquela troca de olhares com Stella.
Foi só quando minha irmã me chamou, interrompendo meus pensamentos, que percebi o que estava acontecendo.
— Matteo! — Valentina disse, puxando-me para o centro da sala.
Eu me virei para ela, forçando um sorriso. “Foco”, me lembrei. Meus olhos se afastaram de Stella por um momento, mas meu cérebro não parava de voltar àquela cena. Ela não sabia que eu era o chefe, e no fundo, isso me causava uma certa ansiedade.
E então, foi como se o tempo tivesse desacelerado. Ela não parecia surpresa. Pelo contrário, sua expressão parecia carregada de raiva contida, algo que eu sentia como se fosse palpável.
Será que ela sabia, mesmo antes de eu falar?
Não podia ser. Claro que não. Como poderia saber? Mas ali, no fundo dos olhos dela, havia algo mais do que a simples surpresa de encontrar seu chefe na mesma sala. A raiva, a frustração... era quase visível.
Eu me mantive firme, mas o que começou como um encontro casual no elevador, uma conexão genuína que senti com ela, agora se transformava em algo completamente diferente. Algo tenso.
Ela não estava apenas chocada por me ver ali. Ela estava magoada. E o pior de tudo: eu não sabia como lidar com isso.
As vozes ao meu redor se acumulavam, buscando qualquer resquício da minha atenção.E eu deveria mesmo estar entretido no assunto que os investidores insistem em debater comigo no meio do corredor. Todos em busca de mais uma fatia do nosso império familiar. Minha irmã decidiu que esse era um ótimo momento para desaparecer e me deixar lidar com os problemas dos quais fugi todos esses meses.— Acho poderíamos expandir para outras cidades, talvez uma ou duas filiais — o homem ao meu lado sugere, ajeitando a gravata torta no pescoço.— Claro, é uma ideia que poderia ser estudar.Respondo sem nem ao menos desviar os olhos para ele.Eu tentava me concentrar na conversa, mas as palavras deles se misturavam em um borrão. Concordei com um sorriso educado aqui, um aceno ali, enquanto minha atenção estava em outro lugar.Melhor dizendo, em outra pessoa.Através das portas de vidro do escritório da Fiorella, eu conseguia vê-la.Stella.Sentada à mesa, inclinada sobre alguns papéis, seus dedos desl
O relógio na parede indicava que o dia tinha se estendido mais do que o previsto.Suspirei, ajeitando os papéis na mesa com movimentos rápidos, mas visivelmente cansados. Os relatórios e as pautas das reuniões de Fiorella estavam por toda parte, espalhados como folhas após uma tempestade. Desde que ela chegou pela manhã, entrando e saindo de reuniões com os investidores ao lado do irmão, minha mesa parecia uma zona de guerra.Eu sabia que precisava deixar tudo organizado antes de ir embora.Deveria ter levantado para esticar as pernas ao menos uma vez, mas até esses poucos minutos pareciam luxo. Mesmo recebendo horas extras por continuar ali, sentia falta de um pouco mais de tempo em casa. Principalmente agora.Um ronco repentino ecoou no silêncio, me arrancando de meus pensamentos. Foi só então que percebi o quão vazia minha barriga estava. Instintivamente, levei a mão ao ventre, acariciando a pequena curva que começava a se formar.— Calma, meu amor — murmurei baixinho, como se pude
O trajeto no carro até o restaurante é silencioso.Matteo parece concentrado no caminho, com os olhos fixos na estrada, apenas movendo a mão vez ou outra para ajustar o ar condicionado ou a música baixa que toca entre nós. Eu gostaria de me virar um pouco mais, apenas para estudar seu rosto e descobrir se é realmente tão assustados agora estando tão perto.As luzes amareladas do restaurante projetavam sombras suaves na calçada, e eu me perguntava pela milésima vez o que estava fazendo ali. Meu coração estava dividido entre o receio de ser vista com Matteo — meu chefe, e não apenas um cara qualquer — e a inesperada sensação de conforto que sua presença me trazia.Já fazia tanto tempo desde a última vez em que alguém me perguntou como eu estava, ou ao menos se importou com o meu bem estar.Mordo o lábio ao folhear as páginas do cárdapio, tentando não arregalar os olhos ao ler os preços dos pratos italianos. Nunca em toda a minha vida tive a oportunidade de comer um macarrão que custasse
O cheiro estéril do hospital me sufoca. Minha cabeça lateja pela pancada, mas graças a Deus não sofri nada grave.Mistura-se com o latejar constante na minha cabeça, uma lembrança cruel do impacto, do som metálico da batida e do grito dela que ainda ecoa nos meus ouvidos. Estou sentado em uma das cadeiras desconfortáveis da recepção, mas não consigo ficar parado. Levanto, começo a andar de um lado para o outro, com as mãos nos bolsos do casaco, tentando conter a agonia que cresce a cada minuto de espera.Stella.É o único nome que consigo pensar. A garota que conheci há poucos dias, que entrou na minha vida de um jeito tão improvável, agora está atrás de portas duplas, inconsciente, enquanto eu não tenho a menor ideia do que está acontecendo com ela.Lembro do som do impacto, do estalo do vidro se partindo, do silêncio que veio logo depois, mais apavorante do que qualquer barulho. Eu a chamei pelo nome, sacudi o ombro dela, mas Stella não respondeu. O lado dela foi o mais atingido. E e
A dor de cabeça era a primeira coisa que senti. Uma pontada lenta e insistente, como se alguém estivesse batendo levemente contra minha têmpora. O segundo pensamento foi: Onde estou?Abri os olhos, piscando contra a luz suave do quarto. O teto branco e limpo me deu uma resposta parcial. Hospital. Mas não qualquer hospital. O lugar era silencioso, com móveis de madeira polida e cortinas delicadas, muito diferente de qualquer hospital público que já tinha visto. O ar tinha cheiro de desinfetante caro e... lavanda?Lavanda... por quê lavanda?Tentei me mexer, mas o corpo protestou. Uma leve fisgada no braço revelou o acesso de um soro preso à minha pele. Meus dedos se moveram instintivamente, checando a presença do tubo fino.E então veio. Um flash. Faróis brilhantes, vozes misturadas, o som de metal rasgando o ar. A batida. Minha respiração acelerou. Outro fragmento. Matteo segurando meu rosto, gritando algo que eu não conseguia entender. Dor. Depois... escuridão.O bebê.Minha mão voou
Matteo Bianchi estava completamente maluco.Talvez seja coisa de italiano achar que alguém que conheceu há apenas uma semana se torne algum tipo de posse. Meu chefe me ignorou e saiu para o corredor com a minha médica, fingindo ser meu marido! Entendo que ela não daria qualquer informação a ele se não tivessemos algum tipo de relacionamento, mas fingir que somos casados é demais.Casados sem o meu consentimento.A luz fria do hospital parecia zombar de mim, iluminando cada canto do quarto com uma claridade irritante. Eu ajustei o travesseiro atrás de mim, tentando encontrar uma posição minimamente confortável, mas o gesso na minha perna e a dor constante não ajudavam em nada.Do outro lado da porta, Matteo estava no corredor, conversando com a médica. O tom de voz dele era calmo e controlado, como se ele fosse um marido preocupado. Meu marido. Que piada! Só porque ele decidiu fingir ser meu marido para... sei lá, facilitar as coisas? O que ele estava pensando?Observei a silhueta dele
O cheiro do hospital era algo que eu nunca me acostumaria. Antisséptico, frio, uma memória que eu insistia em tentar apagar, mas que continuava impregnada em minha mente, obrigando-me a reviver momentos que desejei enterrar por muitos anos. Caminhava pelo corredor com passos lentos, sentindo o leve peso do buquê na minha mão direita.Flores. Quem compra flores para alguém que mal conhece?Passei a mão livre pelos cabelos, soltando um suspiro pesado. A ideia parecia estúpida agora, mas já era tarde para voltar atrás. Minha mãe sempre dizia que era educado levar flores para uma mulher doente, que pequenos gestos importavam. E, bem... foi por isso que comprei. Só por isso. Não tinha nenhum significado maior.Respirei fundo, tentando afastar a sensação de nervosismo que subia pelo meu peito. Era só um buquê de lírios brancos. Algo simples, delicado, nada que pudesse ser interpretado de forma errada. Stella já era desconfiada o suficiente comigo; a última coisa que eu precisava era que ela
Eu estava sentado no sofá, a mão direita repousando sobre o celular enquanto a outra descansava no meu joelho. Olhava pela janela para a cidade lá fora, observando as luzes começando a se acender enquanto a noite se aproximava. O silêncio no apartamento era um alívio, mas também um pouco pesado. Stella estava no quarto de hóspedes, descansando. Eu sabia que ela estava precisando de tempo para se recuperar, mas o espaço ainda me fazia sentir como se estivesse faltando alguma coisa.Quando o telefone tocou, reconheci imediatamente o número da minha avó. Não pude evitar o sorriso que apareceu instantaneamente.— Ciao, Nonna. — Falei no tom mais descontraído que consegui, deixando a tensão do dia um pouco de lado.— Ciao, bambino. Esqueceu que tem avó? Como você está, querido? — a voz dela veio, sempre calorosa e cheia de amor. — E como vão as coisas na empresa? Está tudo bem? Eu já ouvi alguns rumores por aí, mas você sabe como é, não é?Suspirei, afastando um pouco os pensamentos sobre