Tranco a porta me certificando de dar duas voltas.
Não quero ser acordada pelo meu vizinho bêbado entrando no apartamento errado novamente.
Fico em pé encarando a mansão de um cômodo em que moro. O apartamento é formado apenas por um banheiro e na parte onde estou ficam o meu sofá cama, a televisão sobre o móvel de madeira gasta e ao lado da porta, a cozinha com apenas um balcão e um armário superior.
Não posso esquecer do meu incrível fogão de duas bocas.
Deixo a bolsa sobre a bancada e em dois passos estou sentada no sofá.
Tenho vontade de chorar ao imaginar que mal consigo andar sozinha nesse apartamento, quem dirá com um bebê.
— Ninguém descobriu sobre você ainda — deslizo a mão pelo volume inexistente na minha barriga — Ainda temos um tempinho.
Descobri que estou grávida de três semanas há alguns dias.
A notícia fez com que o meu mundo desabasse um pouco mais. Eu preciso daquele emprego, e preciso muito mais agora. Não tenho ajuda, o pai dele ou dela é um cara com quem saí apenas uma noite, depois de insistência da minha única amiga de trabalho para ir ao bar.
Sei que uma empresa daquele porte não me colocaria na rua, mas também não tenho garantia alguma. Existem dezenas de mulheres como eu que precisam do cargo.
— Eu vou cuidar de você, não importa o que acontecer. Vamos ficar bem.
Inspiro deixando o cansaço sair um pouco.
Não posso pensar nisso agora, no momento tenho que agradecer por ter o suficiente para quitar as contas e manter a casa. Levanto e abro as portas do pequeno armário multiuso ao lado da televisão. Foi a única coisa que coube aqui para guardar minhas roupas.
Pego o primeiro conjunto de pijamas e entro no banheiro.
O calor é quase insuportável, mas nada que um banho geladinho não resolva.
Paro diante do espelho para pentear o cabelo, viro de lado e aperto a camiseta solta do pijama contra a barriga que ainda não tinha mudado muito, mas já parecia um lembrete constante de que minha vida estava prestes a virar do avesso.
Como vou esconder isso no uniforme?
Eles vão perceber.
Claro que vão perceber.
E quando perceberem...
Bem, seria o meu fim.
Saí do banho com a mesma sensação de exaustão de antes, mas agora ao menos estava limpa e cheirosa, o que é quase tão bom quanto ser rica e sem problemas. Na cozinha, abri o armário e me deparei com um cardápio de possibilidades... bem limitado.
Um pacote de macarrão quase vazio, arroz, e para a minha felicidade, um sache de molho de tomate.
— Stella Gourmet, com vocês: alta gastronomia — murmurei, revirando os olhos.
Comecei a esquentar água para o macarrão.
Um dia de cada vez, Stella. Primeiro, coma. Depois, surte.
Fazia sentido, não fazia?
O macarrão ficou pronto em tempo recorde.
Um molho improvisado com o que tinha na geladeira – tomate meio murcho, alho que já estava gritando "me consuma" e azeite – e voilà: meu banquete estava servido. Peguei o prato e fui direto para o sofá.
Escolhi um filme de terror porque, sei lá, me parecia adequado. Um dia de trabalho na empresa já era praticamente um teste de sobrevivência, então por que não complementar a vibe?
Comi de pernas cruzadas no sofá, equilibrando o prato no joelho como se fosse uma atleta de circo. O filme começou com aquele clássico: casa velha, trovão e pessoas tomando decisões questionáveis.
— Não entra aí, sua anta! — reclamei, mastigando.
Claro que ela entrou. O barulho da trilha sonora subindo me fez rir. Minha vida podia estar uma bagunça, mas pelo menos eu sabia o que fazer: não ir para o porão.
Quando terminei o macarrão, larguei o prato no chão e puxei uma almofada para o colo, abraçando-a como se fosse um escudo contra os sustos. A tensão do filme era contagiante, mas ao mesmo tempo relaxante, de um jeito estranho.
A casa no filme explodiu de repente em gritos e sombras assustadoras, mas eu já não conseguia focar. Meus olhos começaram a pesar. Antes que me desse conta, estava com a cabeça apoiada no braço do sofá, a trilha sonora de terror ainda ecoando na TV.
Meu último pensamento antes de pegar no sono foi uma mistura estranha de cansaço e sarcasmo: “Se um assassino vier me pegar agora, espero que pelo menos lave a louça antes.”
O alarme tocou às cinco da manhã.O som era discreto, quase gentil, mas foi suficiente para me arrancar do sono. Eu abri os olhos e encarei o teto do quarto por um momento, deixando minha mente se ajustar. Dormir mais um pouco? Nem pensar. Esse tipo de indulgência era reservado para outros, não para mim.Levantei e troquei de roupa sem pensar muito.Calça de treino, camiseta básica, tênis.Tudo funcional, sem firulas.A academia do prédio era no térreo, então o elevador se tornou meu primeiro companheiro do dia. Dentro dele, observei meu reflexo no painel metálico. O cabelo estava uma bagunça, os olhos meio sonolentos, mas não importava. Eu não estava ali para agradar ninguém.A academia estava deserta quando cheguei, como sempre. Perfeito. Comecei o aquecimento na esteira, aumentando gradativamente o ritmo até sentir o coração acelerar e a mente clarear. Depois vieram os pesos. Rotina é uma coisa estranha: parece tediosa para quem vê de fora, mas para mim, é um alicerce. Quando tudo
As vozes ao meu redor se acumulavam, buscando qualquer resquício da minha atenção.E eu deveria mesmo estar entretido no assunto que os investidores insistem em debater comigo no meio do corredor. Todos em busca de mais uma fatia do nosso império familiar. Minha irmã decidiu que esse era um ótimo momento para desaparecer e me deixar lidar com os problemas dos quais fugi todos esses meses.— Acho poderíamos expandir para outras cidades, talvez uma ou duas filiais — o homem ao meu lado sugere, ajeitando a gravata torta no pescoço.— Claro, é uma ideia que poderia ser estudar.Respondo sem nem ao menos desviar os olhos para ele.Eu tentava me concentrar na conversa, mas as palavras deles se misturavam em um borrão. Concordei com um sorriso educado aqui, um aceno ali, enquanto minha atenção estava em outro lugar.Melhor dizendo, em outra pessoa.Através das portas de vidro do escritório da Fiorella, eu conseguia vê-la.Stella.Sentada à mesa, inclinada sobre alguns papéis, seus dedos desl
O relógio na parede indicava que o dia tinha se estendido mais do que o previsto.Suspirei, ajeitando os papéis na mesa com movimentos rápidos, mas visivelmente cansados. Os relatórios e as pautas das reuniões de Fiorella estavam por toda parte, espalhados como folhas após uma tempestade. Desde que ela chegou pela manhã, entrando e saindo de reuniões com os investidores ao lado do irmão, minha mesa parecia uma zona de guerra.Eu sabia que precisava deixar tudo organizado antes de ir embora.Deveria ter levantado para esticar as pernas ao menos uma vez, mas até esses poucos minutos pareciam luxo. Mesmo recebendo horas extras por continuar ali, sentia falta de um pouco mais de tempo em casa. Principalmente agora.Um ronco repentino ecoou no silêncio, me arrancando de meus pensamentos. Foi só então que percebi o quão vazia minha barriga estava. Instintivamente, levei a mão ao ventre, acariciando a pequena curva que começava a se formar.— Calma, meu amor — murmurei baixinho, como se pude
O trajeto no carro até o restaurante é silencioso.Matteo parece concentrado no caminho, com os olhos fixos na estrada, apenas movendo a mão vez ou outra para ajustar o ar condicionado ou a música baixa que toca entre nós. Eu gostaria de me virar um pouco mais, apenas para estudar seu rosto e descobrir se é realmente tão assustados agora estando tão perto.As luzes amareladas do restaurante projetavam sombras suaves na calçada, e eu me perguntava pela milésima vez o que estava fazendo ali. Meu coração estava dividido entre o receio de ser vista com Matteo — meu chefe, e não apenas um cara qualquer — e a inesperada sensação de conforto que sua presença me trazia.Já fazia tanto tempo desde a última vez em que alguém me perguntou como eu estava, ou ao menos se importou com o meu bem estar.Mordo o lábio ao folhear as páginas do cárdapio, tentando não arregalar os olhos ao ler os preços dos pratos italianos. Nunca em toda a minha vida tive a oportunidade de comer um macarrão que custasse
O cheiro estéril do hospital me sufoca. Minha cabeça lateja pela pancada, mas graças a Deus não sofri nada grave.Mistura-se com o latejar constante na minha cabeça, uma lembrança cruel do impacto, do som metálico da batida e do grito dela que ainda ecoa nos meus ouvidos. Estou sentado em uma das cadeiras desconfortáveis da recepção, mas não consigo ficar parado. Levanto, começo a andar de um lado para o outro, com as mãos nos bolsos do casaco, tentando conter a agonia que cresce a cada minuto de espera.Stella.É o único nome que consigo pensar. A garota que conheci há poucos dias, que entrou na minha vida de um jeito tão improvável, agora está atrás de portas duplas, inconsciente, enquanto eu não tenho a menor ideia do que está acontecendo com ela.Lembro do som do impacto, do estalo do vidro se partindo, do silêncio que veio logo depois, mais apavorante do que qualquer barulho. Eu a chamei pelo nome, sacudi o ombro dela, mas Stella não respondeu. O lado dela foi o mais atingido. E e
A dor de cabeça era a primeira coisa que senti. Uma pontada lenta e insistente, como se alguém estivesse batendo levemente contra minha têmpora. O segundo pensamento foi: Onde estou?Abri os olhos, piscando contra a luz suave do quarto. O teto branco e limpo me deu uma resposta parcial. Hospital. Mas não qualquer hospital. O lugar era silencioso, com móveis de madeira polida e cortinas delicadas, muito diferente de qualquer hospital público que já tinha visto. O ar tinha cheiro de desinfetante caro e... lavanda?Lavanda... por quê lavanda?Tentei me mexer, mas o corpo protestou. Uma leve fisgada no braço revelou o acesso de um soro preso à minha pele. Meus dedos se moveram instintivamente, checando a presença do tubo fino.E então veio. Um flash. Faróis brilhantes, vozes misturadas, o som de metal rasgando o ar. A batida. Minha respiração acelerou. Outro fragmento. Matteo segurando meu rosto, gritando algo que eu não conseguia entender. Dor. Depois... escuridão.O bebê.Minha mão voou
Matteo Bianchi estava completamente maluco.Talvez seja coisa de italiano achar que alguém que conheceu há apenas uma semana se torne algum tipo de posse. Meu chefe me ignorou e saiu para o corredor com a minha médica, fingindo ser meu marido! Entendo que ela não daria qualquer informação a ele se não tivessemos algum tipo de relacionamento, mas fingir que somos casados é demais.Casados sem o meu consentimento.A luz fria do hospital parecia zombar de mim, iluminando cada canto do quarto com uma claridade irritante. Eu ajustei o travesseiro atrás de mim, tentando encontrar uma posição minimamente confortável, mas o gesso na minha perna e a dor constante não ajudavam em nada.Do outro lado da porta, Matteo estava no corredor, conversando com a médica. O tom de voz dele era calmo e controlado, como se ele fosse um marido preocupado. Meu marido. Que piada! Só porque ele decidiu fingir ser meu marido para... sei lá, facilitar as coisas? O que ele estava pensando?Observei a silhueta dele
O cheiro do hospital era algo que eu nunca me acostumaria. Antisséptico, frio, uma memória que eu insistia em tentar apagar, mas que continuava impregnada em minha mente, obrigando-me a reviver momentos que desejei enterrar por muitos anos. Caminhava pelo corredor com passos lentos, sentindo o leve peso do buquê na minha mão direita.Flores. Quem compra flores para alguém que mal conhece?Passei a mão livre pelos cabelos, soltando um suspiro pesado. A ideia parecia estúpida agora, mas já era tarde para voltar atrás. Minha mãe sempre dizia que era educado levar flores para uma mulher doente, que pequenos gestos importavam. E, bem... foi por isso que comprei. Só por isso. Não tinha nenhum significado maior.Respirei fundo, tentando afastar a sensação de nervosismo que subia pelo meu peito. Era só um buquê de lírios brancos. Algo simples, delicado, nada que pudesse ser interpretado de forma errada. Stella já era desconfiada o suficiente comigo; a última coisa que eu precisava era que ela