Esfrego os olhos, sentindo que estou prestes a enlouquecer.
Meus dedos estão exaustos de tanto digitar as pautas que minha chefe precisa para as reuniões de amanhã. Pelo menos consegui almoçar no refeitório da empresa. A Fiori fornece almoço para todos os funcionários e isso ajuda a economizar.
Levando em consideração que minhas opções de culinária são limitadas no fogão de duas bocas que cabe na minha cozinha.
Não reclamo de ficar um pouco depois, as horas extras sempre me ajudam.
Às vezes sinto falta do meu antigo emprego.
Trabalhei por cinco anos como babá para uma família rica e foram ótimos anos de trabalho. Recebia um salário adequado que me ajudou a pagar a faculdade de secretariado e convivendo com as duas crianças mais fofas e amáveis desse mundo.
Era muito bem tratada pela família, que pagou meus cursos de idioma e me levou em algumas viagens.
Sempre serei grata por tudo o que fizeram por mim.
Infelizmente, o pai foi transferido para Londres, para uma das filiais da empresa onde trabalhava. As gêmeas ainda mantêm contato comigo, e mensalmente me enviam cartões postais ou atualizações pelas redes sociais. Me sinto grata por ter marcado a vida delas.
— Acho que finalmente terminei.
O relógio marca quase sete da noite e eu, finalmente, consigo apertar o botão de "salvar" no último relatório. Os dedos já estão dormentes de tanto digitar, e a dor nas costas parece que vai me matar. Ainda bem que o expediente acabou, porque minha paciência está no limite.
Confiro o último parágrafo antes de salvar e imprimir, ajeitando as folhas dentro de uma pasta preta, pronta para ser entregue na sala de reuniões amanhã.
O celular vibra e me arranco da minha espiral mental. Um lembrete do meu banco aparece: "Data de vencimento da fatura do cartão de crédito: hoje".
Ah, claro. O que mais poderia ser?
O andar já está mergulhado no silêncio quase completo quando saio pelo corredor, ocupada em guardar os óculos na bolsa e pronta para enfrentar a chuva até o ponto de ônibus. Tiro a carteira da bolsa, olhando as dobras dentro, quando a porta do elevador se abre e me preparo para entrar.
Antes que eu possa entender o que aconteceu, sinto o impacto de algo – ou melhor, de alguém – me atingindo no peito.
É como se eu tivesse trombado contra uma parede sólida. Meus pés escorregam no piso polido e, por um segundo, tudo fica em câmera lenta. Minhas moedas, que estavam guardadas na bolsa, saltam para fora, como se quisessem escapar também.
Sinto uma mão firme segurando meu braço, me impedindo de cair.
Levanto os olhos, ainda tonta com o choque, e me deparo com um par de olhos azuis – olhos tão claros e intensos que me fazem perder o fôlego por um momento. Ele está me encarando com uma expressão de preocupação, como se eu fosse quebrar em mil pedaços a qualquer instante.
— Você está bem? — a voz dele é profunda, grave, e faz meu coração disparar sem motivo algum.
Eu me esforço para recuperar a compostura, ignorando o calor que sobe pelas minhas bochechas e tentando dar a impressão de que tudo está sob controle, apesar do mundo ao meu redor ter virado uma bagunça.
— E-estou... — falo, tentando manter a calma, mas minha voz sai meio trêmula. — Sou mais forte do que pareço.
— Que bom.
O estranho de cabelos pretos e bem penteados me coloca de volta em pé ao seu lado e aperta o botão do térreo.
— Me desculpe, ainda não tive tempo de conhecer o prédio inteiro, acabei saindo no andar errado e trombei em você.
Minha santa das azaradas, que ele trabalhe no meu andar.
— É normal, demorei alguns meses para conhecer tudo — Forço um sorriso, segurando as moedas contra o peito — Você é novo aqui?
O estranho aperta os olhos como se eu acabasse de dizer algo irônico, mas o sorriso dele, divertido, aparece logo em seguida.
— Sim, sou novo aqui — Ele coloca as mãos nos bolsos da calça — E você?
— Trabalho aqui há quase um ano, sou secretária da chefona.
Ele se engasga com uma risada.
— Da chefona?
— É. Você sabe... Da senhora Bianchi.
— Ah, claro, como me esqueci — Ele gargalha, fazendo o elevador quase estremecer — Bem, acho que não tem tanta sorte assim.
Ele está rindo? Por Deus, aquele homem não tinha medo de ser demitido.
— Ela é uma boa chefe.
— Não é o que fiquei sabendo.
Abro a boca para rebater, mas desisto. Não serei eu quem vai falar mal da pessoa que paga meu salário. As portas se abrem, revelando o piso branco e polido da entrada.
— Bom, esse é o meu andar — Agarro a alça da bolsa preta e me viro — Acho que nos vemos por aí.
Só então percebo, pelo espelho, o emaranhado de fios pretos do coque do meu cabelo e o quanto meus olhos castanhos estão cansados.
—Espero que sim.
Saio do elevador, mas ele permanece quase encostado na parede, com os ombros largos bem delineados pela camisa branca e levemente aberta. Um pouco despojado para um dos executivos, e bem-vestido demais para ser um dos funcionários do meu nível.
As portas metálicas se fecham, e saio para a rua com o coração disparado, deixando que as gotas finas de chuva tentem aplacar o calor das minhas bochechas.
Estou tão cansada que desmaiaria ali mesmo, então decido fazer o que qualquer pessoa lascada de dinheiro faz em um dia de chuva.— Eu mereço voltar para casa confortável... Só hoje.Abro o aplicativo de Uber e começo a procurar um motorista, ciente de que vou me arrepender.Esse é um problema para a Stella de amanhã.Percebo um veículo preto e luxuoso diminuir a velocidade pela rua do prédio e estacionar devagar bem na minha frente. Agarro a bolsa, pronta para correr; se alguém vai me sequestrar, então terá que me pegar primeiro.Já estou fodida demais, ninguém pagaria meu resgate.O vidro abaixa devagar, e no banco do motorista vejo o mesmo par de olhos azuis do elevador.— Ei, nova amiga de trabalho. Quer uma carona?O sorriso dele me desconcerta, e por um instante, fico hesitante. A chuva fina que começa a cair sobre a calçada me faz pensar rapidamente. Não quero esperar mais um segundo para pegar um Uber, e a grana está tão curta que, sinceramente, vou deixar a minha preocupação c
Tranco a porta me certificando de dar duas voltas.Não quero ser acordada pelo meu vizinho bêbado entrando no apartamento errado novamente.Fico em pé encarando a mansão de um cômodo em que moro. O apartamento é formado apenas por um banheiro e na parte onde estou ficam o meu sofá cama, a televisão sobre o móvel de madeira gasta e ao lado da porta, a cozinha com apenas um balcão e um armário superior.Não posso esquecer do meu incrível fogão de duas bocas.Deixo a bolsa sobre a bancada e em dois passos estou sentada no sofá.Tenho vontade de chorar ao imaginar que mal consigo andar sozinha nesse apartamento, quem dirá com um bebê.— Ninguém descobriu sobre você ainda — deslizo a mão pelo volume inexistente na minha barriga — Ainda temos um tempinho.Descobri que estou grávida de três semanas há alguns dias.A notícia fez com que o meu mundo desabasse um pouco mais. Eu preciso daquele emprego, e preciso muito mais agora. Não tenho ajuda, o pai dele ou dela é um cara com quem saí apenas
O alarme tocou às cinco da manhã.O som era discreto, quase gentil, mas foi suficiente para me arrancar do sono. Eu abri os olhos e encarei o teto do quarto por um momento, deixando minha mente se ajustar. Dormir mais um pouco? Nem pensar. Esse tipo de indulgência era reservado para outros, não para mim.Levantei e troquei de roupa sem pensar muito.Calça de treino, camiseta básica, tênis.Tudo funcional, sem firulas.A academia do prédio era no térreo, então o elevador se tornou meu primeiro companheiro do dia. Dentro dele, observei meu reflexo no painel metálico. O cabelo estava uma bagunça, os olhos meio sonolentos, mas não importava. Eu não estava ali para agradar ninguém.A academia estava deserta quando cheguei, como sempre. Perfeito. Comecei o aquecimento na esteira, aumentando gradativamente o ritmo até sentir o coração acelerar e a mente clarear. Depois vieram os pesos. Rotina é uma coisa estranha: parece tediosa para quem vê de fora, mas para mim, é um alicerce. Quando tudo
As vozes ao meu redor se acumulavam, buscando qualquer resquício da minha atenção.E eu deveria mesmo estar entretido no assunto que os investidores insistem em debater comigo no meio do corredor. Todos em busca de mais uma fatia do nosso império familiar. Minha irmã decidiu que esse era um ótimo momento para desaparecer e me deixar lidar com os problemas dos quais fugi todos esses meses.— Acho poderíamos expandir para outras cidades, talvez uma ou duas filiais — o homem ao meu lado sugere, ajeitando a gravata torta no pescoço.— Claro, é uma ideia que poderia ser estudar.Respondo sem nem ao menos desviar os olhos para ele.Eu tentava me concentrar na conversa, mas as palavras deles se misturavam em um borrão. Concordei com um sorriso educado aqui, um aceno ali, enquanto minha atenção estava em outro lugar.Melhor dizendo, em outra pessoa.Através das portas de vidro do escritório da Fiorella, eu conseguia vê-la.Stella.Sentada à mesa, inclinada sobre alguns papéis, seus dedos desl
O relógio na parede indicava que o dia tinha se estendido mais do que o previsto.Suspirei, ajeitando os papéis na mesa com movimentos rápidos, mas visivelmente cansados. Os relatórios e as pautas das reuniões de Fiorella estavam por toda parte, espalhados como folhas após uma tempestade. Desde que ela chegou pela manhã, entrando e saindo de reuniões com os investidores ao lado do irmão, minha mesa parecia uma zona de guerra.Eu sabia que precisava deixar tudo organizado antes de ir embora.Deveria ter levantado para esticar as pernas ao menos uma vez, mas até esses poucos minutos pareciam luxo. Mesmo recebendo horas extras por continuar ali, sentia falta de um pouco mais de tempo em casa. Principalmente agora.Um ronco repentino ecoou no silêncio, me arrancando de meus pensamentos. Foi só então que percebi o quão vazia minha barriga estava. Instintivamente, levei a mão ao ventre, acariciando a pequena curva que começava a se formar.— Calma, meu amor — murmurei baixinho, como se pude
O trajeto no carro até o restaurante é silencioso.Matteo parece concentrado no caminho, com os olhos fixos na estrada, apenas movendo a mão vez ou outra para ajustar o ar condicionado ou a música baixa que toca entre nós. Eu gostaria de me virar um pouco mais, apenas para estudar seu rosto e descobrir se é realmente tão assustados agora estando tão perto.As luzes amareladas do restaurante projetavam sombras suaves na calçada, e eu me perguntava pela milésima vez o que estava fazendo ali. Meu coração estava dividido entre o receio de ser vista com Matteo — meu chefe, e não apenas um cara qualquer — e a inesperada sensação de conforto que sua presença me trazia.Já fazia tanto tempo desde a última vez em que alguém me perguntou como eu estava, ou ao menos se importou com o meu bem estar.Mordo o lábio ao folhear as páginas do cárdapio, tentando não arregalar os olhos ao ler os preços dos pratos italianos. Nunca em toda a minha vida tive a oportunidade de comer um macarrão que custasse
O cheiro estéril do hospital me sufoca. Minha cabeça lateja pela pancada, mas graças a Deus não sofri nada grave.Mistura-se com o latejar constante na minha cabeça, uma lembrança cruel do impacto, do som metálico da batida e do grito dela que ainda ecoa nos meus ouvidos. Estou sentado em uma das cadeiras desconfortáveis da recepção, mas não consigo ficar parado. Levanto, começo a andar de um lado para o outro, com as mãos nos bolsos do casaco, tentando conter a agonia que cresce a cada minuto de espera.Stella.É o único nome que consigo pensar. A garota que conheci há poucos dias, que entrou na minha vida de um jeito tão improvável, agora está atrás de portas duplas, inconsciente, enquanto eu não tenho a menor ideia do que está acontecendo com ela.Lembro do som do impacto, do estalo do vidro se partindo, do silêncio que veio logo depois, mais apavorante do que qualquer barulho. Eu a chamei pelo nome, sacudi o ombro dela, mas Stella não respondeu. O lado dela foi o mais atingido. E e
A dor de cabeça era a primeira coisa que senti. Uma pontada lenta e insistente, como se alguém estivesse batendo levemente contra minha têmpora. O segundo pensamento foi: Onde estou?Abri os olhos, piscando contra a luz suave do quarto. O teto branco e limpo me deu uma resposta parcial. Hospital. Mas não qualquer hospital. O lugar era silencioso, com móveis de madeira polida e cortinas delicadas, muito diferente de qualquer hospital público que já tinha visto. O ar tinha cheiro de desinfetante caro e... lavanda?Lavanda... por quê lavanda?Tentei me mexer, mas o corpo protestou. Uma leve fisgada no braço revelou o acesso de um soro preso à minha pele. Meus dedos se moveram instintivamente, checando a presença do tubo fino.E então veio. Um flash. Faróis brilhantes, vozes misturadas, o som de metal rasgando o ar. A batida. Minha respiração acelerou. Outro fragmento. Matteo segurando meu rosto, gritando algo que eu não conseguia entender. Dor. Depois... escuridão.O bebê.Minha mão voou