Um Amor Inesperado
Um Amor Inesperado
Por: Jully R. Oliveira
UM

Nada como viver um dia de cada vez.

Eu não tinha muito que reclamar da minha vida, já que a mesma realmente era uma droga. Sempre mantive a cabeça no lugar e procurava resolver meus problemas da melhor forma possível, apesar de muitas vezes ser feita de trouxa. Nessa hora, deveria estar trabalhando em meu projeto, mas ao contrário do que eu queria, vim ajudar uma amiga na lanchonete onde trabalha. Ficar devendo favores aos outros é uma droga.

O favor em questão era em uma pequena lanchonete gerenciada pela carismática Emília Souza, uma senhora de idade que sofre de artrite reumatoide, uma doença inflamatória crônica que afetou as articulações de suas mãos e pés, causando um inchaço doloroso. Comovi-me com essa senhora, principalmente por ter que lidar com pessoas sem responsabilidades. Deixei-a anotando os pedidos enquanto eu preparava e entregava os mesmos para os clientes.

Depois de lavar mais uma remessa de louça suja, apoiei o rosto em uma das mãos com um suspiro. As chances de ser demitida do trabalho estavam contra mim, que já estava por um fio, justamente por me recusar a fazer trabalhos dos outros. Além de ser gorda, o que era ainda mais humilhante, possuía um problema na perna.

A Novaes Corporation sempre fora uma empresa de altos padrões estéticos e ter uma gorda trabalhando com os demais era um absurdo. Lembrei-me da cara do meu chefe ao ver meu manequim n°44 e meus óculos, fora a cicatriz em meu braço esquerdo, mas eu fui a mais qualificada e ele não teve alternativa além de me contratar.

Em contrapartida, fui isolada dos outros e colocada em um pequeno depósito cheio de mofo e um computador velho.

No começo fiquei chateada, mas com o tempo agradeci a atitude dele. Ficar o tempo todo olhando para as cobras se atacarem verbalmente me dava repulsa.

Suspirando novamente, abri os olhos e olhei para mim mesma no espelho, sem entusiasmo. Meu cabelo castanho estava preso em um coque alto, vestia roupas amassadas e tinha um olhar abatido. Andar pelas ruas e ver as pessoas me olharem com pena, rindo de mim ou se metendo em minha vida, me irritavam bastante e ser solteira então.

Voltei à realidade ao ouvir alguém me chamar:

– Juli.

Voltando meu olhar para a senhora que me chamava, abri um sorriso cansado.

– Senhora!- respondi. Meus pais me educaram assim e chamar uma pessoa mais velha de você é uma falta de respeito com eles.

– Não precisa me tratar com tanta formalidade – Ela sorri pra mim. – O movimento da lanchonete está grande hoje, poderia me ajudar a atender as mesas?

– Claro.

Ela balançava a cabeça ao se afastar e isso me fez sorrir. Respirei fundo, peguei o bloquinho de notas e saí da cozinha para atender os clientes.

A lanchonete era bem localizada na avenida principal do meu bairro, mas fazia tempos em que não lotava com tanta gente. Isso me fez sorrir e agradecer a Deus pelo dia lucrativo que Emília teria pela frente.

Os minutos foram passando e mais pessoas entraram, comecei a me preocupar com o horário, pois às 10h eu teria que ir para o trabalho e aquela folgada não tinha chegado ainda. Eu sabia que Emília não daria conta sozinha se o movimento continuasse desse jeito, mas não poderia ajudar a pobre senhora por mais tempo.

Retirando meu celular do bolso, decidi ligar para ela na esperança de que ela já estivesse a caminho, porém não obtive resposta. Mandy sempre teve essa mania, até parece que não tem despertador em casa. Mas isso não me surpreende pelo simples fato dela sempre se atrasar. Ser pontual nunca foi seu forte.

Um movimento na entrada da lanchonete despertou minha atenção, não apenas pelo carro luxuoso que acabara de estacionar ali na frente, mas também o homem de terno que saiu de dentro dele. Parecia um ator de Hollywood esbanjando poder e provocando suspiro nas mulheres do local. Reviro os olhos por um momento e dou as costas para o homem, retornando para atender as mesas sem demora e incomodada por sentir que alguém me observava.

Mandy entrou correndo e me derrubou no chão, fazendo com que o suco de manga que eu estava levando para uma senhora idosa virasse sobre mim.

– Mas que... – Ignorando as risadinhas e vaias, olhei a jovem. – Que droga, Mandy!

– Desculpinha, Juh. – Ela sorriu para mim e me ajudou a levantar. – Precisei me atrasar um pouco. – E deu de ombros, como se não fosse nada.

'Que maravilha', pensei olhando com tristeza a minha roupa de trabalho machada de suco. O pior disso tudo foi lembrar que não tenho tempo para ir a minha casa e trocar de roupa. Os murmúrios continuavam e eu fiquei impaciente ao notar como a Mandy babava pelo Sr. Engomadinho.

Mandy era o tipo de pessoa que eu jamais seria: popular, carismática e namoradeira. Seus cabelos ruivos brilhavam quando passava pela rua e atraia a atenção dos homens. Com o corpo perfeito digno de uma top model, sempre conseguia tudo o que queria. Se você é gordinha e busca sair com um cara legal, não é recomendado levar Mandy Oliveira junto. Hoje, ela vestia um top rosa e um short minúsculo com o cabelo preso em um rabo de cavalo, com brincos chamativos e um quilo de maquiagem na cara.

E o momento não podia ser mais propício, pois o homem vinha em nossa direção a passos lentos.

Mandy apressou-se a ir até ele e eu voltei para dentro da cozinha para tentar diminuir o estrago que ela causara. As chances de perder o emprego por causa desse acidente se alarmaram em minha cabeça e resmungando, retirei a blusa branca e mergulhei dentro da pia. Esfreguei-a varias vezes e quando me dei por satisfeita, tirei o excesso da água. Vestindo-a molhada, fiz uma careta por ela colar-se ao meu corpo como uma segunda pele.

- É isso ou nada. - digo, determinada a não me irritar.

Odeio ser o centro das atenções e quando sai da cozinha, senti o peso dos olhares que caiam sobre mim enquanto eu percorria a lanchonete à procura do meu blazer. De relance, observei Mandy jogar seu charme para o estranho, mas falhando miseravelmente. Ignorei-os e continuei minha busca. Tinha certeza que o havia deixado em algum lugar por aqui. Estava tão focada que não percebi alguém atrás de mim.

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