TRÊS

As pessoas à minha volta ofegaram e alguém tentou me puxar pela blusa. Empurrei-o firmemente, mas sem machucar. E daí que se machucasse? Ninguém me queria aqui.

Cruzei os braços em frente ao corpo e não falei mais nada. Um silêncio mortal caiu sobre nós me deixando ainda mais nervosa. Um brilho bem humorado surgiu nos olhos dele, mas sua voz soava fria e profissional:

– Não sei do que está falando Srtª, mas sugiro que pare com esses argumentos estúpidos. – Levantou e deu um passo em minha direção.

- Acho que tenho um ponto, já que você está aqui. Qualquer pessoa em seu juízo perfeito reagiria da mesma forma.

Era uma desculpa fraca e o estranho sabia disso. Ele inclinou em minha direção e eu pude sentir sua respiração em meu pescoço. Ficando próximo a mim, sentenciou:

– Você não vai gostar dos resultados se agir assim.

Senti-me pequena e indefesa como nunca me senti antes. Não chegava nem aos ombros dele e precisei fazer um esforço para esconder meu espanto. Nossos olhares se cruzaram e desejei com todas as minhas forças conter minha irritação, mas nem sempre as coisas saem como eu quero. Segurei seu terno impecável e o mantive no lugar. Ele se nivelou ao meu tamanho com incredulidade e sem dar tempo para ele reagir, aproximei meus lábios de seu ouvido.

Uma atitude ousada para alguém que acabei de conhecer, mas aquele homem não era comum e eu não me importava com mais nada.

– Sua proposta é tentadora, mas já vivo um tormento aqui.

– E por quê?

– Simples. Porque trabalho em um lugar onde não sou adequada. – Dei um passo para trás e sorri polidamente. – Tenha um bom dia.

Caminhei com uma confiança inexistente, a barriga dando voltas e mais voltas enquanto voltava para o depósito. Os olhares que recebi pelo caminho eram de assustados a irônicos. Seria um milagre se eu não fosse despedida hoje mesmo. Quando não vi mais ninguém, corri para dentro do depósito e tranquei a porta. Apoiei meu corpo na porta e soltei o ar que estava preso em meus pulmões.

O que foi que eu fiz?

Voltar pra casa naquela noite foi mais tranquilizador que nos outros dias. Considerando a estupidez de hoje, as cinquenta ligações que ignorei e a porta que eu havia deixado trancada para não ver ninguém, foi um alívio sair da empresa. Fiz hora extra para não cruzar com meus colegas de trabalho, adiantei quatro projetos que julguei importante e isso tirou um pouco da carga emocional que pesava em meus ombros. Olhei meu celular e suspirei com desgosto.

Eram onze da noite, o que significava que eu teria que ir a pé para casa.

Olhei para os lados, rezando para encontrar um motoboy, sem entusiasmo. Decidi caminhar um pouco para esticar as pernas, e quem sabe pelo caminho eu encontrasse alguém para me levar para casa.

Raramente tive tempo de apreciar as estrelas, mas hoje elas brilhavam no céu como diamantes. O frio da noite me envolvia em seu abraço e o silêncio era reconfortante. Meu coração se apertou, lembrando-me de muitas coisas e pessoas, principalmente da minha família que havia se mudado para a capital ano passado. Por causa do trabalho, ficava mais difícil vê-los. O que me confortava era saber que eles me amavam, a maneira deles é claro.

Chegando à esquina do fórum, suspirei aliviada por ver dois motoboys no ponto de ônibus. Meus pés latejavam quando parei perto de um deles, ajeitando minha bolsa no ombro. Os homens olharam meu corpo com nojo e se entreolharam em resposta. Um deles devia ser alto, suas pernas eram grandes demais para a moto; cabelo crespo e olhos castanhos. O outro era um pouco mais baixo, porém robusto. Cabelos dourados e encaracolados, olhos castanhos e levemente puxados, o que era muito raro. Ambos usavam coletes ridículos na cor amarela, o que me lembrava de guardas de trânsito.

Tossi levemente e perguntei aos dois:

– Boa noite. Estão disponíveis para uma corrida?

Ambos negaram desconfortáveis com meu pedido desesperado e pularam quando soltei um palavrão. Mesmo frustrada, agradeci aos dois e recomecei a andar, desejando ser morta a tiros para parar de sofrer tanto.

Não sei o quanto andei, mas ao parar em frente a um colégio depois de andar por uma hora, o cansaço me venceu e sentei no chão para tomar um pouco de ar. O chão parecia tão convidativo que quase deitei nele para tirar um pequeno cochilo.

Estava a ponto de fazê-lo quando notei uma moto parada à minha frente. Olhando para cima, vi um dos motoboys com quem falara ainda há pouco. Apelidei como cabelinho de miojo.

– O que você quer? – Eu estava cansada, com fome e muito mal humorada.

O rapaz coçou o pescoço, desconfortável.

– Eu... Eu posso te levar em casa, se ainda quiser.

Pelo tom de voz dele parecia arrependido, mas não quis demonstrar que eu estava simpatizando com ele. Arqueei a sobrancelha.

– Tem certeza? Não quero estourar seu pneu com meu peso.

– Não é problema... – observei que ficou vermelho.

Não quis discutir com ele, até porque eu estava cansada. Levantei do chão e peguei minha bolsa. O motoboy me passou o capacete e depois que subi na moto, deu a partida.

...

Virar na rua onde moro foi um alívio pra mim. Meu coração batia acelerado, toda vez que um caminhão passava por nós e eu já não estava confortável com isso. Ao estacionar em frente a minha casa, desci da moto e peguei o dinheiro, entregando a ele. Cabelinho de Miojo sorriu; um sorriso maravilhoso por sinal, mas recusou o dinheiro.

– Mas... – protestei.

– Considere uma cortesia da minha parte – ele deu de ombros e de seu colete ridículo ele puxa um cartão. – Quando precisar de qualquer serviço de transporte é só me chamar. – Dando uma piscadela, ele vai embora me deixando sem ação por alguns minutos.

Foi impressão minha ou acabei de receber uma cantada?

Não soube lidar bem com isso, não sabia se deveria rir ou chorar e por fim acabei dando uma risada sem humor. Devo ser digna de pena para receber uma piscadela de alguém, mas porque analisar isso agora? O que eu preciso é de uma boa noite de sono para tentar me recuperar dos acontecimentos de hoje. Retirei as chaves da minha casa da bolsa e coloquei–a na porta, abrindo a mesma. Mimi, minha gata de estimação veio me receber com miados altos e se esfregava em minhas pernas pedindo comida. Joguei a bolsa no chão, peguei-a em meus braços e a levei para a cozinha, fazendo cafuné em sua cabeça.

Eu precisava de comida, mas a gata queria ser atendida. Dei uma rápida olhada em seu pratinho e não me surpreendi por estar vazio. Coloquei-a no chão e caminhei até o armário, pegando o pote de ração dela e o chacoalhei, rindo por ela vir correndo em minha direção. Pus uma boa porção em seu pratinho, troquei sua água e a observei se alimentar por um tempo, com um sorriso nos lábios. Sempre fui amante dos animais e se pudesse eu encheria minha casa deles, mas minha casa era pequena e o máximo que eu poderia ter em casa era gatos.

Mimi foi abandonada em frente à casa da minha vizinha e esta odiava gatos. Para não ver a pequena gatinha virar comida de cachorro, adotei–a relutante. Por causa do trabalho, cuidar dela ficou difícil e toda a vez que eu saía de casa, na volta tinha um “presente” embaixo da minha cama. Pensei que fosse enlouquecer com isso, mas no fim tudo deu certo.

O cansaço venceu a fome e quando dei por mim, já estava deitada em minha cama, com minha gata do lado. Sorri ao fechar os olhos e o deus grego surgiu em meus sonhos.

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