DOIS

– Com licença.

Uma voz firme chamou minha atenção antes mesmo de sentir a sua presença. Fechei os olhos, resmungando a minha má sorte e olhei para trás. O “deus grego” me olhava com curiosidade.

– O que deseja, senhor?

– Gostaria de saber a razão pela qual não fui atendido pela senhorita.

Arqueei a sobrancelha, considerando-o louco.

– Eu não trabalho aqui, estava ajudando uma amiga. – Respondo com educação olhando-o nos olhos por um instante. Vejo meu blazer no chão com uma marca de sapato no mesmo. Peguei-o do chão e tento esconder minha frustração ao olhar para ele. – Que já o estava atendendo há poucos minutos.

– Ela não era a mais qualificada para me atender.

– E por acaso eu sou?

Seu olhar percorreu o meu corpo, que responde com um tremor involuntário.

– Talvez.

O terno preto impecável cobria perfeitamente seus ombros largos e sua pele cor de caramelo arrancava suspiros das mulheres. Levantei a cabeça para olhar-lhe nos olhos âmbar, que me sondaram com curiosidade. Sua boca era perfeita e seus cabelos negros eram na altura de seu queixo.

Não sei o que deu em mim, mas desejei percorrer minhas mãos no rosto dele só para saber não estou sonhando.

– É uma pena. – Dou um passo para trás, mantendo uma atitude profissional. – Tenho certeza que Mandy e a Sr.ª Souza vão te atender como se deve. – E sem esperar uma resposta, sai da lanchonete.

Atravessei a rua a passos rápidos e dei a mão para pegar o ônibus que passava naquela hora. Entrei nela como se minha vida dependesse disso e pus os fones no ouvido enquanto o carro andava lentamente. Poderia parar para refletir um pouco sobre o que tinha acontecido ali, mas não quis. Preferi acreditar que era mais um homem querendo debochar da minha cara.

Juliana Ribeiro, a garota que cai na lábia de qualquer um. Essa era a fama que eu tinha na cidade. Por desejar tanto amor, interpretei as aproximações de alguns homens de maneira errada e o resultado disso fora um coração partido. Dois relacionamentos que não duraram tanto me mostraram o quanto às pessoas eram cruéis e superficiais. Beleza era tudo o que importava e eu era apenas um problema.

Balancei a cabeça tentando afastar os pensamentos ruins, respirei fundo e olhei para a janela. A música Not Today da banda BTS tocava nas alturas em meus ouvidos, meus pés acompanhavam o ritmo e as pessoas entravam no ônibus, lotando os lugares. O carro já era desconfortável e o motorista fazia questão de pegar mais gente, tornando o carro sufocante e atrasando minha chegada ao trabalho.

- Coloca no teto, motorista. - passageiros gritavam, furiosos.

Tentei me concentrar na letra da música, mas ficava difícil à medida que o carro avançava. E quando eu não achava que meu dia fosse piorar, em uma curva arriscada, o homem me imprensou na janela e o líquido da lata caiu sobre meu blazer. Eu queria chorar de frustração, porque justo nesse momento o carro parou em meu ponto.

Morrendo de vergonha com os olhares de nojo do povo, esperei pacientemente todos descerem do carro e quando me vi sendo a única a estar de pé, fui até o motorista. Olhando-me com compaixão, ele cobrou a metade do valor da passagem e me desejou um bom dia. Agradecida, desci.

Atravessei a rua às pressas, com medo de ser atropelada e entrei na recepção da empresa como se eu estivesse sendo perseguida. A recepcionista ergueu os olhos do celular e me olhou com reprovação, demorando mais em minhas roupas.

– Veio de um bar por acaso? – Pude jurar que ouvi um tom de ironia em sua voz.

Ignorei-a sem pensar duas vezes e passei por ela.

Chegar ao depósito não foi difícil, já que todos estavam ocupados em suas tarefas, ou fingiam estar. Entrei nele e fechei a porta, praguejando a respeito da minha má sorte. Tentando pôr os pensamentos em ordem, observei meu pequeno escritório por um tempo.

As paredes estavam repletas de caixas empoeiradas e com mofo, muitos daqueles papéis foram abandonados ali como se não valessem nada. No centro, estava a minha humilde escrivaninha lustrada e uma cadeira que poderia quebrar a qualquer momento. Não era o melhor local de trabalho, mas ao menos era meu. Joguei o blazer para o lado e corri para uma pequena caixa que deixei embaixo da minha escrivaninha há alguns dias. Depois de uma brincadeira ridícula que fizeram comigo, era essencial manter algumas roupas extras no trabalho só para prevenir.

O problema era que não tinha nenhuma blusa branca.

Suspirando, tirei os fios de cabelo da minha testa. Escolhi a blusa preta por ser bem arrumada e a única com as iniciais da empresa bordada em linhas douradas. Não era o que eu esperava, mas por aquele dia iria servir. Corri para trancar a porta e em seguida tirei a blusa suja fazendo uma careta. Mesmo tirando–a eu sabia que o cheiro da cerveja ainda continuava em meu corpo e desejei um banho. Jogando o blazer e a blusa em uma sacola plástica, destranquei a porta e sentei em frente a minha mesa, pondo o trabalho em dia.

Meus superiores não me davam trabalhos desafiadores e sim pequenos trabalhos que uma criança de 10 anos poderia fazer. No começo achei que fosse preguiça da parte deles, mas depois descobri que aquilo era uma maneira de me punir e com alguma sorte me fazer desistir. O que não deu muito certo, para o azar deles.

Trabalho na empresa há três anos e os trabalhos patéticos que costumavam me dar eram apenas para criar logotipos e marcas de pequenos estabelecimentos. A desculpa sempre fora: 'Não vou desperdiçar meu talento em uma loja que vai falir daqui a alguns meses. Cuide disso ou pode começar a procurar outro emprego'. Ou usavam a intimidade que tinham com o dono da empresa para me intimidar.

***

A hora do almoço chegou sem muitos alarmes e levantei da cadeira para alongar os músculos doídos. Tirei uma foto dela e enviei pelo W******p para meu cliente, caso ele não gostasse eu mudaria. Mas a meu ver ficaria perfeito.

Guardando o celular no bolso da calça, caminhei até a saída do meu humilde escritório até perceber a pequena agitação na entrada da empresa. Sem entender, caminhei para a máquina de café e esperei. O movimento ficou mais intenso à medida que os minutos passaram e minha curiosidade venceu. Com o café em minhas mãos, fui para a recepção e me sentei e uma das cadeiras sem nada para fazer. Não tinha amigos aqui, não tinha a quem perguntar o que estava acontecendo e o que eu deveria esperar.

Mas...

Admito que um sorrisinho se formava em meus lábios por vê-los tão desesperados. Preocupavam–se tanto em fazer da minha vida um inferno e agora tive a satisfação de observar todos eles se desesperar com alguma coisa. Cruzei minhas pernas e bebi meu café lentamente, meus pensamentos em outro lugar.

Desde que entrei na empresa, não fiz exames de rotina. Eram tantos projetos que eu não tinha tempo de pensar em minha saúde. O problema era falar com meu superior, que de um modo machista me proibia de ir ao médico, alegando que minhas férias eram para isso.

Alguém sentou ao meu lado, despertando–me dos meus pensamentos. Suspirei ao perceber que já tinha bebido todo o café, mas minha barriga roncava ruidosamente pedindo comida. Morta de vergonha, olhei para o lado com um sorriso educado de desculpas, mas meu olhar recaiu em cima da pessoa ao meu lado.

O deus grego da lanchonete estava ao meu lado, me observando.

Poderia rir ao ver essa situação acontecendo à outra pessoa, mas não comigo. Fiquei desconfortável e tentei ignorá–lo a todo custo enquanto levantava. Meu rosto empalidecia, meu coração disparava e por um momento pensei que desmaiaria na frente daquele estranho. Contive o impulso de sair correndo e virei meu corpo para ele, cerrando os punhos em nervosismo.

Milhões de perguntas se formaram em minha cabeça, todas elas eram formais e educadas. Porém, a pergunta que saiu foi o oposto do que eu pensava.

– Está me seguindo?

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