No dia seguinte, cheguei ao trabalho um pouco mais cedo, não sei se fora por impulso ou porque não queria ver ninguém. O fato foi que, às sete da manhã, eu já estava em frente ao casarão. O pessoal só começaria a chegar às oito, o que me daria tempo de me recompor e enfrentar olhares indesejados. Como de costume, joguei a bolsa sobre a escrivaninha e andei de um lado para o outro, tentando imaginar o que o destino me aguardava naquele dia.
Quem era aquele cara, afinal? Relembrando o dia anterior, vi alguns rostos em pânico pelo modo que agi com o estranho. Será que era alguém importante ou imaginei tudo em minha cabeça? Tentando não pensar a respeito, optei por me sentar um pouco e comecei a trabalhar. *** O resto da semana passou normalmente, mas eu estava apreensiva. Sempre era a primeira a chegar e a última a sair, o que para eles não era um problema. Mas como punição pelo que acontecera na segunda-feira, todos os projetos que eu havia recusado foram parar em minha mesa. Não tinha problemas em aceitar qualquer projeto que me mandassem; fazer trabalho dos outros era uma história totalmente diferente. E ver os outros receberem elogios à custa do meu trabalho era pior ainda. Como se eu não existisse. O que me consolava eram os amigos que, embora morassem longe de mim, costumavam manter contato. Sempre ouvi comentários maldosos sobre amizades virtuais e eu criticava bastante, mas depois de conhecer Lya pela internet, minha visão sobre o assunto mudou. Maus amigos existem em todo o lugar, seja online ou pessoalmente, mas ela era exceção. Em alguns meses Lya conquistou meu respeito e confiança, se tornando minha irmã postiça e hoje não me vejo sem a amizade dela. Mas nem mesmo pensar nela me animou. Passei boa parte da manhã olhando para a porta com o cenho franzido, o medo que entrassem no depósito com uma carta de demissão estava me deixando aflita. Claro, eles não tinham motivos para me pôr para fora, não é? O celular vibrou libertando-me do meu devaneio. Peguei-o e sorri ao ver uma mensagem de Lya: 'Como está sendo o seu dia, mana?' Fiz uma careta, mas tentei responder da melhor maneira possível sem deixar ela preocupada. 'Está indo bem até agora. Estou rezando para não surgir nenhum problema. Ah, bom dia para você também.' Lya e eu nos falávamos boa parte do tempo, mas de uns tempos para cá,muita coisa aconteceu com a gente e sem que tivéssemos notado acabamos nos afastando. Felizmente, não por muito tempo. Apesar dos nossos problemas, ainda continuávamos unidas. 'Foi mal, esqueci.' Arqueei a sobrancelha com o resto da mensagem: 'Como está indo no trabalho? Estão te colocando pra baixo de novo?' Suspirei e olhei para o teto de minha humilde sala, observando as teias de aranha espalhadas nele. Lya era a única que sabia da tormenta que eu passava no trabalho, confiava nela o suficiente para desabafar, já que não confiava em meus próprios parentes. Se ao menos as aranhas me dessem uma alternativa do que fazer, se um milagre surgisse em minha vida... Será que as coisas mudariam? Possivelmente não. Além disso, se milagres existiam as pessoas não iriam valorizar o que conquistaram, certo? 'É aquela coisa mana, o de sempre. Mas não se preocupe. Eu vou ficar bem... Eu espero.' 'O que quer dizer com isso?' Conhecendo minha irmã podia adivinhar o que estava acontecendo na cabeça dela. 'Na terça-feira conheci um deus grego na lanchonete onde a Mandy trabalha e não fui com a cara dele.' 'Ué, por quê?' 'Ele queria que eu o atendesse na lanchonete, ignorando a Mandy, que já o estava atendendo. E para completar, apareceu no meu trabalho.' Fiz uma pausa e completei: 'Dei o maior vexame na frente de todo mundo. Foi horrível.' Olhei para o monitor e suspirei alto, vendo uma mensagem de David, meu superior, piscando em minha caixa de e-mail. Estremeci ao pensar no que deveria se tratar. Geralmente os e-mails que já recebi dele não foram cordiais e uma série de insultos passou pela minha cabeça. Ignorei o e-mail por um instante quando meu celular vibrou. 'Que tipo de vexame?' 'Acusei-o de me perseguir.' Disse simplesmente. 'Mana, você sabe que amo suas atitudes, mas já parou pra pensar que talvez possa ter insultado o superior do seu chefe? Pense bem: A Novaes Corporation tem muitas filiais, tanto que vai abrir uma na cidade onde moro. Soube que o dono visita as filiais às vezes.' 'Espera, não está sugerindo que ele seja Rafael Novaes, não é?' A resposta foi imediata. 'Pode ser uma hipótese. Já viu uma foto dele?' Não. Ele não podia ser Rafael Novaes. 'Não'. David me mandou outro e-mail e deixou uma mensagem no privado. Abri a mensagem e fiz uma careta com o seu conteúdo. 'Não quero vê-la perambulando por aí, tenho visitas importantes pelo escritório e odiaria que sua feiura arruíne tudo. P.S: Quero os designers prontos e enviados por e-mail em 15 minutos.' 'Desgraçado!' Para mim estava mais do que óbvio o que ele queria fazer. Aproveitando essas “visitas importantes”, David usaria meu trabalho para se vangloriar como se ele o tivesse feito. A raiva tomou conta do meu corpo e meu impulso foi atirar minha bolsa na parede, o som saindo tão alto que ouvi gritos do outro lado da porta. Meu comportamento sempre foi exemplar, porque meu talento não é reconhecido? Vale a pena ficar em um lugar que só me faz mal? Minha saúde mental não iria suportar ficar nesse emprego por mais tempo. Sei que agora emprego está muito difícil, mas eu daria um jeito. Se possível, vou criar meu próprio negócio, mas não vou ser humilhada de novo. Digito uma mensagem rápida para Lya, avisando que falaria com ela mais tarde e joguei o telefone de lado. Para o que eu planejava fazer, não iria precisar dele. Os designers estavam prontos no computador e com eficiência transferi os arquivos para meu pen drive. Conhecendo a excentricidade do meu chefe, sabia muito bem que ele ficaria esperando na recepção. E era ali que eu teria minha vingança.Não demorou muito e escutei burburinhos vindos do lado de fora de minha sala. Imaginei o que seria até ouvir a voz irritante de David dando instruções aos funcionários de como deveriam se portar quando as visitas chegassem. Senti um arrepio na espinha ao lembrar o que me aguardava quando saísse da sala, porém balancei a cabeça. Não iria mudar de ideia agora.Peguei o pen drive e apertando-o contra o corpo, sai do escritório justamente no momento que David recebe os recém-chegados. Fico parada em frente a minha sala observando meu chefe agir despreocupadamente e com um sorriso falso. Para aqueles estranhos David vestiu seu terno Armani preto, lustrou os sapatos e até penteou o cabelo ridículo. Coisa que ele não faz em dias normais de trabalho. Observei o casal com atenção. A mulher era mais alta que eu: loira, magra e com cara de poucos amigos. Vestia um terno lilás, cabelo preso em um coque alto, olhava para o lugar com desprezo e batia o salto de sua sandália no chão, impaciente. O
Entrando em minha sala, fui até minha bolsa e a peguei rapidamente. Minhas mãos tremiam e eu não queria que ele visse o quanto fiquei abalada. Senti uma pontada familiar na cabeça e fechei os olhos. Odeio brigas e odeio estar nelas.Agora meu destino era incerto. Estava desempregada e de maneira alguma queria voltar a morar com meus pais. Teria que procurar outro emprego o mais rápido possível ou teria problemas. Abri os olhos de surpresa quando senti um par de mãos segurarem meu rosto, eram quentes e confortáveis. Chegava a ser impróprio, mas a sensação era muito boa. O bonitão me olhava preocupado e senti um nó na barriga. Afastei suas mãos de meu rosto e recuei um passo.- Como conseguiu trabalhar aqui dentro todo esse tempo?Não respondi, pois o olhar que ele deu para cima de minha mesa de trabalho fora o suficiente. Notei que ele tinha visto os remédios sobre a mesa, mas não falou nada. Apenas segurou meu braço e me arrastou até a porta. Puxei meu braço de sua mão e o fitei.- O
Não notei que estava falando alto e suspirei. O que aquele homem falava parecia surreal.- Mas isso é impossível! – sussurrei para ele. – Ninguém daqui te roubaria.- Está falando por todos? Não lembra o que aconteceu ainda há pouco?- Eu lembro, mas... – gaguejei e ele interrompeu com voz dura.- Porque defende quem te humilha? Ficou óbvio para mim que eles não te queriam por perto.- Sim, mas o modo como eles agiram comigo não tem nada a ver com o roubo de sua empresa.- Talvez. – Ele coça o queixo. – Eu vim para cá com um único objetivo e vou cumpri-lo. Vou recuperar o que me foi roubado.- Deixando todas aquelas pessoas desempregadas? – olhei-o incrédula. – Essa é a sua maneira de fazer justiça.- Porque se importa com eles?Quis mata-lo. O sangue corria por minhas veias e me esforcei para controlar a minha fúria. Rafael não era o tipo de homem que fazia escândalos, mas não se importava em provocá-los.Podia não gostar dos meus colegas de trabalho, porém não desejava o mal a eles.
Depois que li aquilo, não me senti a vontade perto de Rafael. Algo naquela frase estava me incomodando e eu não gostava disso. Aquelas duas palavras eram familiares, mas por conta dos acontecimentos, não consegui lembrar onde as tinha visto. Olhei-o discretamente e quase suspirei. Aquela perfeição estava do meu lado, fodendo com meus sentidos. Odiei por me sentir insegura. Odiei o Rafael por me abalar tanto. E a musica não estava ajudando. “Despacito Quiero respirar tu cuello Despacito Deja que te diga cosas al oido Para que te acuerdes si no estás conmigo...” Essa musica provocava minha mente e meus sentidos. Apertei minha bolsa com força para controlar o tremor de meu corpo. Rafael pareceu notar e sorriu para mim e virei o rosto, incomodada. Quase soltei um gemido de alivio quando ele parou na porta do escritório. Não sei se Rafael percebera meu desespero ao sair do carro e daquela atmosfera erótica. Adquiri a frieza profissional e olhei para ele. – Obrigada pelo
Na manhã de sábado despertei com uma bela ressaca e uma gata muito fofa pedindo comida. Não me culpo por ter me divertido ontem à noite, pois eu precisava. O problema foi ter bebido quando eu não podia e sequer lembrar como cheguei em casa.Minha cabeça latejava, a gata miava e algum engraçadinho batia na porta da frente. Foda-se, eu queria dormir um pouco mais, precisava disso, mas a pessoa não parava de bater na maldita porta e desisti de dormir. Levantei da cama e fui até a área de serviço. Lavei o rosto, escovei os dentes, coloquei ração para Mimi e fui atender a porta. Não me preocupei em pentear o cabelo. Não estava me importando com ele.Agora se esse imbecil gritasse comigo ou risse da minha aparência iria sair com o olho roxo.Destranquei e abri a porta com calma, esperando ver alguém. Mas para minha surpresa, não havia ninguém. Uma pequena sacola estava pendurada no portão. Peguei-o com cautela e olhei para fora, na esperança de ver alguém, mas não tinha ninguém próximo.-
Não parava de tremer. O ódio estava me corroendo e se eu não resolvesse logo esse problema explodiria. Pior era ter que esperar até a noite para fazer aquele maldito engolir esse texto asqueroso. Agora entendo a razão de ficar desconfiada com o termo. Para mim soava como prostituição e eu não concordo com isso. A fome desapareceu em um piscar de olhos. O café deixou um gosto amargo em minha boca. Não sabia o que fazer ou como proceder com o que Rafael queria me propor. Soava ridículo. Eu poderia deixá-lo esperando, mas minha ética falou mais alto. Se ele queria transparência a respeito do que eu achava daquilo, ele teria.Se eu planejava ir nesse jantar, primeiro precisava cuidar ao menos dos meus cabelos. Depois de lavar a louça e limpar a mesa, fui para o quarto. Abrindo o guarda-roupa, retirei uma blusa preta com renda nos ombros, uma calça jeans clara e sapatilhas pretas. Não queria impressionar Rafael, apenas não queria ser intimidada por ele. Peguei as roupas e pus sobre a mes
– Você terminou de ler, pelo menos? - Rafael cruzou os braços. - Acho que não preciso, julgando pelo que li pelas reportagens que vi no jornal. - Por isso o nome era tão familiar. Ele revirou os olhos e parou em minha frente. Vestindo uma camisa branca com um blazer preto e uma calça escura, Rafael era tudo de bom. Os sapatos eram impecáveis e um relógio de ouro envolvia seu pulso. Mais uma razão para me deixar incomodada. Embora essa fosse a minha melhor roupa, não era comparada à dele em muitos sentidos. – Sugar Baby não tem nada a ver com prostituição. – Sei... – murmurei ironicamente. Não estava muito convencida disso e a proximidade dele me incomodava. – E mesmo que tivesse, não faria sexo com você. Mulheres frias não fazem o meu tipo. Recuei um passo como se ele tivesse me batido. Não consegui retrucar por alguns segundos, mas a humilhação brilhava em meu rosto. Dei-lhe as costas e fui até a cozinha. Precisava de um tempo para poder enfrentá-lo novamente, mesmo sendo tão
– Está pronta para ouvir? – Balancei a cabeça e ele recostou-se na cadeira sem tirar os olhos de mim. – Eu não quero uma prostituta. Relacionamento sugar é como qualquer relacionamento. – Sei... – ironizei. – um relacionamento que envolve dinheiro. – Isso incomoda você? – Sim. Dava para ver nos olhos dele que a conversa não estava indo da maneira que ele esperava. Ele estava irritado e tentei esconder minha satisfação. – Vejo que você é uma daquelas garotas puritanas que acreditam em amor verdadeiro. O modo como ele proferia as palavras me ofendia. O fato de ser uma romântica incorrigível não falava nada sobre mim. – O mundo sugar é mais fácil e sem complicações. Vi seus projetos outro dia e vejo que tem muito potencial. Se tiver força de vontade, seu talento pode chegar muito longe. – ignorando meu embaraço, ele voltou sua atenção para o cardápio. – Eu serei seu tutor. Investirei em sua carreira profissional e em troca, quero sua companhia. – Sem sexo? – Eu não reconhecia min