QUATRO

No dia seguinte, cheguei ao trabalho um pouco mais cedo, não sei se fora por impulso ou porque não queria ver ninguém. O fato foi que, às sete da manhã, eu já estava em frente ao casarão. O pessoal só começaria a chegar às oito, o que me daria tempo de me recompor e enfrentar olhares indesejados. Como de costume, joguei a bolsa sobre a escrivaninha e andei de um lado para o outro, tentando imaginar o que o destino me aguardava naquele dia.

Quem era aquele cara, afinal? Relembrando o dia anterior, vi alguns rostos em pânico pelo modo que agi com o estranho. Será que era alguém importante ou imaginei tudo em minha cabeça? Tentando não pensar a respeito, optei por me sentar um pouco e comecei a trabalhar.

***

O resto da semana passou normalmente, mas eu estava apreensiva. Sempre era a primeira a chegar e a última a sair, o que para eles não era um problema. Mas como punição pelo que acontecera na segunda-feira, todos os projetos que eu havia recusado foram parar em minha mesa.

Não tinha problemas em aceitar qualquer projeto que me mandassem; fazer trabalho dos outros era uma história totalmente diferente. E ver os outros receberem elogios à custa do meu trabalho era pior ainda. Como se eu não existisse.

O que me consolava eram os amigos que, embora morassem longe de mim, costumavam manter contato. Sempre ouvi comentários maldosos sobre amizades virtuais e eu criticava bastante, mas depois de conhecer Lya pela internet, minha visão sobre o assunto mudou.

Maus amigos existem em todo o lugar, seja online ou pessoalmente, mas ela era exceção. Em alguns meses Lya conquistou meu respeito e confiança, se tornando minha irmã postiça e hoje não me vejo sem a amizade dela.

Mas nem mesmo pensar nela me animou. Passei boa parte da manhã olhando para a porta com o cenho franzido, o medo que entrassem no depósito com uma carta de demissão estava me deixando aflita. Claro, eles não tinham motivos para me pôr para fora, não é?

O celular vibrou libertando-me do meu devaneio. Peguei-o e sorri ao ver uma mensagem de Lya:

'Como está sendo o seu dia, mana?'

Fiz uma careta, mas tentei responder da melhor maneira possível sem deixar ela preocupada.

'Está indo bem até agora. Estou rezando para não surgir nenhum problema. Ah, bom dia para você também.'

Lya e eu nos falávamos boa parte do tempo, mas de uns tempos para cá,muita coisa aconteceu com a gente e sem que tivéssemos notado acabamos nos afastando. Felizmente, não por muito tempo. Apesar dos nossos problemas, ainda continuávamos unidas.

'Foi mal, esqueci.' Arqueei a sobrancelha com o resto da mensagem: 'Como está indo no trabalho? Estão te colocando pra baixo de novo?'

Suspirei e olhei para o teto de minha humilde sala, observando as teias de aranha espalhadas nele. Lya era a única que sabia da tormenta que eu passava no trabalho, confiava nela o suficiente para desabafar, já que não confiava em meus próprios parentes. Se ao menos as aranhas me dessem uma alternativa do que fazer, se um milagre surgisse em minha vida... Será que as coisas mudariam? Possivelmente não. Além disso, se milagres existiam as pessoas não iriam valorizar o que conquistaram, certo?

'É aquela coisa mana, o de sempre. Mas não se preocupe. Eu vou ficar bem... Eu espero.'

'O que quer dizer com isso?' Conhecendo minha irmã podia adivinhar o que estava acontecendo na cabeça dela.

'Na terça-feira conheci um deus grego na lanchonete onde a Mandy trabalha e não fui com a cara dele.'

'Ué, por quê?'

'Ele queria que eu o atendesse na lanchonete, ignorando a Mandy, que já o estava atendendo. E para completar, apareceu no meu trabalho.' Fiz uma pausa e completei: 'Dei o maior vexame na frente de todo mundo. Foi horrível.'

Olhei para o monitor e suspirei alto, vendo uma mensagem de David, meu superior, piscando em minha caixa de e-mail. Estremeci ao pensar no que deveria se tratar. Geralmente os e-mails que já recebi dele não foram cordiais e uma série de insultos passou pela minha cabeça. Ignorei o e-mail por um instante quando meu celular vibrou.

'Que tipo de vexame?'

'Acusei-o de me perseguir.' Disse simplesmente.

'Mana, você sabe que amo suas atitudes, mas já parou pra pensar que talvez possa ter insultado o superior do seu chefe? Pense bem: A Novaes Corporation tem muitas filiais, tanto que vai abrir uma na cidade onde moro. Soube que o dono visita as filiais às vezes.'

'Espera, não está sugerindo que ele seja Rafael Novaes, não é?'

A resposta foi imediata.

'Pode ser uma hipótese. Já viu uma foto dele?'

Não. Ele não podia ser Rafael Novaes.

'Não'.

David me mandou outro e-mail e deixou uma mensagem no privado. Abri a mensagem e fiz uma careta com o seu conteúdo.

'Não quero vê-la perambulando por aí, tenho visitas importantes pelo escritório e odiaria que sua feiura arruíne tudo.

P.S: Quero os designers prontos e enviados por e-mail em 15 minutos.'

'Desgraçado!'

Para mim estava mais do que óbvio o que ele queria fazer. Aproveitando essas “visitas importantes”, David usaria meu trabalho para se vangloriar como se ele o tivesse feito. A raiva tomou conta do meu corpo e meu impulso foi atirar minha bolsa na parede, o som saindo tão alto que ouvi gritos do outro lado da porta. Meu comportamento sempre foi exemplar, porque meu talento não é reconhecido? Vale a pena ficar em um lugar que só me faz mal?

Minha saúde mental não iria suportar ficar nesse emprego por mais tempo. Sei que agora emprego está muito difícil, mas eu daria um jeito. Se possível, vou criar meu próprio negócio, mas não vou ser humilhada de novo.

Digito uma mensagem rápida para Lya, avisando que falaria com ela mais tarde e joguei o telefone de lado. Para o que eu planejava fazer, não iria precisar dele. Os designers estavam prontos no computador e com eficiência transferi os arquivos para meu pen drive. Conhecendo a excentricidade do meu chefe, sabia muito bem que ele ficaria esperando na recepção. E era ali que eu teria minha vingança.

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