CINCO

Não demorou muito e escutei burburinhos vindos do lado de fora de minha sala. Imaginei o que seria até ouvir a voz irritante de David dando instruções aos funcionários de como deveriam se portar quando as visitas chegassem. Senti um arrepio na espinha ao lembrar o que me aguardava quando saísse da sala, porém balancei a cabeça. Não iria mudar de ideia agora.

Peguei o pen drive e apertando-o contra o corpo, sai do escritório justamente no momento que David recebe os recém-chegados. Fico parada em frente a minha sala observando meu chefe agir despreocupadamente e com um sorriso falso. Para aqueles estranhos David vestiu seu terno Armani preto, lustrou os sapatos e até penteou o cabelo ridículo. Coisa que ele não faz em dias normais de trabalho.

Observei o casal com atenção. A mulher era mais alta que eu: loira, magra e com cara de poucos amigos. Vestia um terno lilás, cabelo preso em um coque alto, olhava para o lugar com desprezo e batia o salto de sua sandália no chão, impaciente. O homem por outro lado era baixinho e calvo, mas com um olhar mais amigável. Vestia uma camisa polo e calça jeans, tênis chamativos envolviam seus pés e um relógio de ouro enfeitava seu braço. David ignora o homem por completo e conversa com entusiasmo com a loira, o que é uma falta de educação.

Dou alguns passos até eles quando vejo outra pessoa se aproximar. Paro bruscamente quando os olhos do homem encontram os meus.

'Não! Não pode ser ele.'

- Senhor Novaes, eu estava à sua espera. – Dissera meu chefe, mas a atenção dele estava em mim.

O homem era um pedaço de mau caminho. Só com um olhar me deixou paralisada. Seu corpo viril e forte trajava um terno cinza com uma gravata listrada, mas discreta. Seu cabelo estava preso como nas duas vezes que nos encontramos, mas seu olhar trazia um brilho diferente e eu não fui capaz de decifrá-lo.

- Rafael, está me ouvindo?

Foi como se eu tivesse levado um tapa na cara. Aquele homem era o dono dessa filial, e agora abria um sorriso triunfante para mim. O que aquele idiota queria com o sorrisinho? Um pedido de desculpas? O choque transformou-se em raiva e antes que eu pudesse me conter, comecei a caminhar até o quarteto dinâmico e parando atrás de David, disse em alto e bom som:

- Aqui está o que me pediu, David. Da próxima vez me dê um projeto decente e não o resto dos outros designers.

Tive a satisfação de vê-lo empalidecer antes de olhar para mim. Fuzilei-o com o olhar e depois olhei para o resto do grupo, evitando o olhar do deus grego. Sorrindo polidamente, falei:

- Desculpem, minha grosseria. Sou Juliana Ribeiro, trabalho aqui há três anos. – Faço um gesto um à cabeça e abro um sorriso forçado.

As reações deles foram diferentes. A mulher me olhava com nojo, o baixinho abriu um leve sorriso e acenou em resposta. Rafael me olhava com curiosidade e me remexi, desconfortável com a intensidade do olhar dele.

- Estranho... – disse ele, levando uma das mãos ao queixo, pensativo. – Tenho todos os registros dos funcionários desta filial e você não está nela. – E voltando-se para David pergunta: - É alguma piada de mau gosto?

- Não senhor... É que...

- Como assim? – disse bruscamente, sem acreditar no que ouvi. – É claro que trabalho aqui. Ele mesmo cuidou da papelada e enviou para o RH... – Olhei para David. – Não mandou?

Ele desviou o olhar e meu rosto queimou de humilhação. Todo aquele tempo e sacrifício que gastei nesse lugar, sendo odiada e humilhada por todos, fazendo o trabalho deles não serviram de nada. Apertei o pen drive em minha mão e dei meia volta, sem uma palavra, voltando para a minha sala.

Os olhares e cochichos que me seguiam eram angustiantes. Risadas sarcásticas acompanhadas de discurso de ódio encheram a recepção. Não quis olhar a reação do Senhor Novaes, mas esta foi uma boa ocasião para ele ver o tipo de pessoa que trabalhava para ele.

- Um momento, Juliana!

Parei em frente ao meu refugio e olhei para trás. David voltara a sua atitude arrogante e seu olhar era frio ao me observar.

- Para onde você vai?

- Arrumar minhas coisas. – falei com firmeza, agradecendo a Deus pelo meu autocontrole. – Está mais do que óbvio que meu lugar não é aqui. Vou recolher minhas coisas e sair daqui.

Enquanto isso, Rafael nos observava com seriedade.

- Você pode fazer o que quiser, mas antes disso – David estendeu a mão – quero os dois projetos nos quais você trabalhou.

A raiva que havia sido abafada pela vergonha emergiu de tal modo que virei meu corpo na direção dele. Minhas mãos tremiam e se eu estivesse salivando naquele momento não me importava. Precisava falar ou explodir.

- Não te darei porra nenhuma. Não foi você quem ficou trabalhando nele durante horas, manteve contato com os clientes, querendo saber o que eles mais desejavam para representá-los profissionalmente. – Ergui a mão e apontei para ele. – Os melhores projetos desta filial foram feitos por mim e você jamais reconheceu isso. Tanto que usou seu nome em meu trabalho e espalhava aos quatro ventos que era seu.

Eu tremia toda, meu acesso de fúria me daria uma enxaqueca desgraçada. Em todo o caso, não trabalhava mais naquele lugar e eu poderia gritar tudo o que eu queria.

- Quanto aos dois projetos que você, tão rudemente atirou para cima de mim desde o dia que ofendi esse senhor... – olho de relance para Rafael. – Não vou entregá-los para você. Eu o faria, mesmo com toda a humilhação que me fez passar, mas como não sou um membro dessa m*****a empresa, sugiro que trabalhe duro e faça melhor do que eu.

David veio em minha direção e me deu uma bofetada tão forte que tirou meu equilíbrio. Caí no chão e levei uma das mãos ao rosto ardido, sem olhar pra ele. Lágrimas de ódio enchem meus olhos.

- Você deve a mim, sua ridícula. Dei-te um trabalho digno, coisa que ninguém dessa cidade quer fazer. Não pense que vai sair daqui com algo que é...

- Dela. – A voz firme de Rafael despertou arrepios involuntários em meu corpo.

David tenta convencê-lo de que eu estava mentindo, mas isso não serviu muito. Ignorando o outro por completo, Rafael veio em meu auxílio e ajoelhando-se ao meu lado, me envolveu em seus braços fortes. Prendi a respiração com a repentina onda de calor que senti em meu corpo.

Com gentileza, pôs a mão em meu rosto e o ergueu. Fez uma careta ao olhar minha bochecha, que estava ardendo muito. Toquei-a envergonhada e percebi que havia um pequeno corte ali.

- Você está bem?

Balancei a cabeça, o rosto tenso. A vontade de chorar estava ali, querendo um pequeno deslize para aparecer. Ser forte é muito difícil e com esse homem ao meu lado despertaram em mim sentimentos que estavam adormecidos.

Segurança.

Sem nenhum esforço, ele me ergueu do chão. Desviei meu olhar, envergonhada pela situação.

- Vou arrumar minhas coisas. Com licença... – dou meia volta louca para sumir dali, mas Rafael segura meu braço.

- Não. – diz ele. – Quero conversar com você.

- Mas que...

- Depois do que presenciei aqui, creio que algumas mudanças nesta filial serão necessárias. – Olha para David com desdém. – Incluindo os funcionários.

Sem dizer mais nada, ele foi em direção a minha sala, puxando meu braço no processo. Chocada, o segui.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo