Suas palavras não tiveram o efeito que no passado haviam tido sobre mim. A palavra “órfã” já não me afetava mais como antes. Enquanto eu olhava para aquele macho, para aquele Alfa dos lobos negros tudo que eu sentia era raiva e repulsa.
Ele havia tratado Marius e a todos a sua volta como lixo, havia tratado a mim como lixo. Um lobo cruel e sanguinário.
Kilian se levantou da poltrona com sua postura ereta e orgulhosa, seus olhos fixos em mim como se eu não passasse de um gatinho assustado. De uma presa fácil para ele. Seu olhar de Jasper desceu para a faca de prata que eu empunhava de modo defensivo e ele sorriu.
— Isso é para mim? — ele perguntou, quase como se sentisse lisonjeado.
— O que você acha? — respondi entredentes.
Eu ainda estava parada a uma distância particularmente segura dele, mas sabia que ele poderia diminuir aquela distância em um segundo.
“Não temos chance contra ele, devíamos fugir.” Selene anunciou em minha mente.
“Eu não vou fugir nunca mais.” rebati.
Se ele me atacasse, eu o faria no mínimo sangrar.
— Você está diferente, Jane. É por causa da sua loba? Você parece mais selvagem que o normal. — Pronunciou ele e começou a caminhar pela pequena sala.
Seus dedos percorreram a mesa que continha o abajur, em seguida ele passou pela estante de livros e foi até o pequeno sofá turquesa.
Sem qualquer hesitação, o macho se deitou e suspirou fechando os olhos por alguns segundos.
Eu realmente não era uma ameaça para ele? Aquele macho imbecil estava se deitando no meu sofá e ainda relaxando fechando os olhos.
— Eu podia cortar sua garganta com essa faca em um segundo. — Ameacei.
Sem abrir os olhos, Kilian respondeu:
— Karen morreu. E Tristan desapareceu, junto com Meg e Lucian.
Eu teria soltado a faca de tamanho choque se não fosse o meu treinamento essas semanas na academia de Eldryn.
Engoli em seco e um milhão de perguntas giravam em minha mente, mas eu me concentrei no fato de que estava sozinha com um lobo negro, o mesmo que há um ano me sequestrou e me arrastou para sua alcateia repleta de escravas.
Me mantive firme encarando-o, e esperando suas próximas palavras.
Lentamente, o macho abriu os olhos e fixou seu olhar em mim.
— Chegue mais perto, Jane. — Ele disse, sua voz mais baixa e grave.
Seu rosto na meia luz estava sereno, seus cabelos escuros habilmente cortados, suas feições tão parecidas com as de Marius que eu senti vontade de chorar. Mas afinal, Marius havia puxado suas características dele, seu pai.
Os olhos que eu tanto amava haviam sido herdados de Kilian, aquele macho monstruoso.
— O que você quer? — perguntei de modo hostil, mas em minha mente eu ainda pensava em Tristan, Meg, até mesmo em Lucian. E Karen, oh, pobre Karen. Eu me lembrava dela, em sua coleira estava escrita o nome de Kilian.
Kilian se sentou no sofá totalmente virado em minha direção, a sala estava apenas iluminada com a luz do abajur que não era o suficiente, as janelas estavam fechadas e isso tornava aquele momento ainda mais sufocante.
— Eu disse, chegue mais perto. — Seu olhar estava semicerrado agora, seus olhos perigosos e seu tom me dizia que aquilo era uma ordem.
— Não. E eu perguntei o que você quer. — Rebati.
Apenas um segundo, foi o tempo que ele levou para se levantar do sofá e avançar contra mim, e eu levei meio segundo para cravar a faca em sua perna.
Eu esperava que Kilian urrasse de dor ao sentir a prata em sua carne, queimando e destruindo, mas apenas sua expressão demonstrou um pouco de dor, mas sua força não diminuiu em nada.
O macho me segurou pelos braços e me jogou contra o sofá.
Cai com toda a força de costas e antes que pudesse se levantar, Kilian se colocou sobre mim, me segurando no lugar com o peso do seu próprio corpo. Sem se importar com a faca ainda em sua perna direita, ou o sangue que jorrava.
Seu corpo era enorme, repleto de músculos e pesado, eu estava imobilizada.
— Acha mesmo que uma faquinha de prata na minha perna poderia me deter? Jane, você é uma idiota. — Ele zombou, agora seu rosto a centímetros do meu.
Então era assim que eu morreria? Estaria olhando para olhos quase iguais aos de Marius, mas sem ser os dele?
Olhei em seus olhos e pensei que olhos como aqueles haviam salvado a minha vida por um ano inteiro, e agora seriam eles que me tirariam a vida.
— Você desonra a memória dele! Ele era muito melhor que todos vocês! — gritei contra seu rosto.
Kilian me olhou visivelmente confuso por alguns segundos, até que a compreensão alcançou o seu rosto.
— Marius não está morto sua tola. — Ele disse.
Eu o encarei em choque, ainda sentia o sangue saindo de sua perna e se misturando a minha, sujando o sofá.
Pisquei tentando entender como eu não percebi que Kilian era tão otimista antes?
— Ele levou tiros e caiu de um penhasco... — comecei a falar, mas ele me interrompeu.
— Ele é meu sangue. Eu teria sentido se ele tivesse deixado esse mundo. Ele está vivo, em algum lugar.
Quando eu não reagi, um sorriso maldoso nasceu nos lábios de Kilian enquanto ele ainda me segurava.
— Mas ele não veio atrás de você, não é? Achei que o encontraria ao seu redor como a um cão, mas veja você aqui, sozinha e indefesa.
Tentei me debater contra ele, mas Kilian ainda era muito mais forte.
Ele me segurou com firmeza e eu cuspi em seu rosto.
Isso o fez ficar vermelho de raiva por alguns segundos, até que ele se conteve.
— O que ele viu em você? É como qualquer outra fêmea. Não há nada de diferente, exceto que ainda não foi domada. Eu deveria levá-la comigo Jane? E domá-la? Roubar você do seu príncipe agora que Karen se foi?
Suas palavras eram doentias demais, eu jamais me entregaria a Kilian e apenas o pensamento daquilo me deixava doente e enojada.
— Uma coleira com o meu nome bem aqui, talvez seja melhor uma tatuagem... — ele murmurou enquanto passava os dedos pela minha clavícula e descia até meus seios.
Fechei os olhos ao perceber o que aquele macho asqueroso estava fazendo.
Ele tocou com a ponta dos dedos a parte de cima da minha blusa e eu arfei, suavemente seus dedos foram para o primeiro botão da minha blusa branca de algodão e eu me debati contra ele.
Isso pareceu agradá-lo ainda mais, porque ele parou seus dedos no botão e olhou nos meus olhos.
— O que foi? Não quer ser minha fêmea agora que Marius a abandonou?
Arreganhei meus dentes para ele e usei toda a minha força para me inclinar ao máximo, meus dentes se cravaram em seu ombro e eu o mordi com toda a minha força. Logo o sangue desceu por minha boca, seu aperto sobre mim se afrouxou e eu o joguei para longe.
Kilian caiu no chão em cima da faca em sua perna, que afundou ainda mais em sua carne.
Aproveitei aquele segundo de dor dele com a minha mordida para me levantar e fugir em direção a porta.
Corri pelo corredor do prédio ainda em choque em direção ao elevador, mas estava sendo usado. Olhei de volta para a porta, esperando que a qualquer momento Kilian fosse sair do meu apartamento disposto a me levar com ele.
Voltei meu olhar para o elevador, alguém estava subindo para o meu andar.
Eu morava no quinto andar, estava quase chegando...
Ainda sentia o sangue do macho em minha boca e voltei a apertar o botão, minhas mãos tremendo.
Naquele instante, as palavras de Kilian retornaram para a minha mente. Ele havia afirmado que Marius estava vivo.
As portas do elevador se abriram e eu me deparei com Demétrius que me olhou chocado.
— Mas o que...? — Suas palavras morreram no ar, sua expressão mudou para surpresa para a completa fúria, ele saiu do elevador, seus olhos azuis frios, olhando ao redor e procurando o perigo.
Seu olhar parou na minha porta aberta.
Não, Kilian iria matá-lo, Demétrius não tinha chance.
Mas já era tarde demais, ele já estava correndo para o meu apartamento com a fúria do seu lobo o envolvendo.
Corri atrás dele. Talvez Kilian matasse nós dois.
Demétrius entrou no pequeno apartamento como um furacão, derrubando em seu caminho até mesmo um vaso de planta que ficava no corredor. Seus passos rápidos e ao mesmo tempo pesados, seu corpo enorme com seus músculos tensionados, seus ombros tensos e seus punhos fortemente cerrados. Eu arfei atrás dele enquanto seu olhar vasculhava a sala e para meu choque estava vazia. Uma das janelas estava aberta deixando que a brisa noturna entrasse, apenas o abajur ligado. O olhar de Demétrius recaiu imediatamente para os rastros de sangue no chão e ele quase que imediatamente se virou na minha direção. — Não estou ferida. —falei e ele caminhou até a sala, seu olhar analisando tudo ao seu redor. Era como se ele esperasse que a qualquer momento um macho pularia atrás dele. Com cautela, caminhei até a janela e assim que coloquei o rosto lá fora eu o vi. Parado no acostamento do outro lado da rua, o sangue em sua perna já havia cessado e estava apenas uma mancha em sua calça, não havia sinal d
Todo o meu corpo estremeceu. Abri os olhos que nem sequer havia percebido que estavam fechados e no instante que meu olhar se cruzou com os do príncipe, ele percebeu o aroma. O macho se afastou repentinamente olhando ao redor e procurando a origem do aroma de Marius, assim como eu. E tão repentinamente como surgiu, ele desapareceu. O macho olhou em minha direção, sua expressão um misto de emoções e eu reconheci todas elas. Incredulidade, em seguida raiva e finalmente, ciúmes. Demétrius estava se sentindo traído. — Isso não é possível. Ele... — suas palavras morreram no ar. Mas eu sabia que era possível. Marius estava vivo e estava perto daqui. Tão perto que eu desconfiava que por um instante, ele estava aqui. Meu coração batia descompassado e naquele momento tudo que eu ansiava era estar sozinha. Estar sozinha para que ele viesse até mim, para que eu o abraçasse, que o beijasse. Mas o que eu mais desejava era seu perdão. — Eu não irei com você. — falei. Seu olhar se voltou
Fiquei alguns segundos paralisada fitando o vazio que o macho deixou ao entrar na cabana. Nesses segundos de silencio insuportável, Selene se agitava ainda mais em minha mente, me impulsionando para me mover. Para ir atrás dele. Apenas o seu olhar de decepção surgia em minha mente, enquanto meu coração se despedaçava pela sua frieza ao me dar me dar suas costas. “Mova-se atrás dele!” Selene gritou em minha mente e seus gritos me tiraram do meu choque. Avancei em direção a cabana e a primeira cena que vi ao abrir a porta foi Marius sem camisa próximo ao balcão. Ele estava virando uma garrafa de vinho como se eu não estivesse lá. O macho nem sequer se moveu ao me ver abrindo a porta e entrando na cabana. Era como se eu não estivesse bem na sua frente, Marius continuou bebendo até que abaixou a garrafa que já estava pela metade e a colocou grosseiramente no balcão da cozinha. — Marius? Você está vivo. — falei a coisa mais idiota que veio a minha mente. O macho fechou os olhos por
Pisquei chocada com suas palavras. Marius continuou segurando minhas mãos pelos pulsos e me sacudiu levemente, seu olhar sobre mim firme e astuto. — Me diga, Jane! Quantas vezes ele a beijou? Quantas vezes ele disse que você era dele e de mais ninguém? Foi assim que você sofreu por mim? Nos braços dele? Minha loba começou a se agitar dentro de mim, sentindo meu sangue correr mais rápido e a raiva de ser acusada me envolver como uma serpente que carregava uma bomba prestes a explodir. Minhas garras começaram a se alongar e o macho olhou para as minhas mãos. — Está com raiva pelas minhas palavras? — ele perguntou em um tom cínico. — Apenas volte para ele. Seja sua princesa. O macho me soltou e quando ele virou as costas, eu o empurrei contra o balcão. Marius caiu em cima da garrafa de vinho que rolou do balcão e caiu no chão, todo o conteúdo sendo derramado. O macho me olhou surpreso com a minha atitude e eu exclamei: — Como você ousa me acusar dessa forma? E vejo pelas suas p
Suas palavras me machucaram, me cortaram tão profundo que eu me senti sangrando bem ali. Seus olhos de Jasper brilhando com as lágrimas faziam com que tudo ao redor parecesse irreal. Não, eu havia acabado de recuperá-lo da morte e o estava perdendo outra vez. Selene ouvia e observava tudo atenta, sentindo cada emoção minha, sendo envolvida pelos meus sentimentos, sendo engolida pelo meu desespero. — Não... como você pode pensar isso de si mesmo? — murmurei e o macho respirou fundo e passou as mãos nos cabelos em frustração. Marius virou de costas e começou a catar os cacos de vidro do chão enquanto eu o observava com meu coração paralisado. Vários segundos se passaram sem que nenhum de nós dissesse nada, o ar ficando sufocante. Aquela cabana se tornando cada vez menor, minhas mãos suando e tremendo. Não, eu não podia aceitar aquilo. “Ele está sofrendo, Jane. E seu lobo está em agonia e desespero, me desejando.” Selene me alertou. Meu coração batia descompassado enquanto eu fi
Kilian cruzou os braços na porta e se recostou, seu sorriso cínico era largo agora e seu olhar estava divertido enquanto nos olhava. Marius se colocou a minha frente de modo defensivo. Mas eu e Selene não tínhamos medo de Kilian mais e eu não me importava se ele era mais forte, eu era mais rápida. Olhei em seus olhos sem medo. — Não devia estar escravizando fêmeas agora? — alfinetei. Kilian voltou seu olhar na minha direção. — Estou tirando uns dias de folga. Por que, você quer se oferecer para ir comigo? Bem que eu senti um clima quando fui ao seu apartamento... — Kilian insinuou e eu senti o corpo de Marius tenso imediatamente. Minha loba rosnou em minha mente e tentou assumir o controle ansiando por cravar os dentes na garganta de Kilian, mas eu a contive. — Deixe-a em paz. — Marius rosnou. Desci do balcão e me posicionei ao seu lado, meu corpo firme e meus olhos provavelmente mudando de cor, minhas garras se alongando. — Você é um porco e um dia terá exatamente o
Marius estava distante e suas palavras que ele não se importava estavam ecoando em minha mente. Perfurando o meu coração como mil lâmina de prata, e agora ele se recusava a olhar na minha direção. O macho virou de costas para mim, suas mãos em seus cabelos como se ele não tivesse mais energia para debater comigo e tudo que eu desejava entender era porque ele estava defendendo Kilian e sendo tão grosseiro comigo. E então, como um estalo repentino, algo me ocorreu novamente. — Ele me sequestrou da cabana há um ano. Se ele não tivesse feito aquilo, todos os eventos que aconteceram depois não teriam ocorrido. — falei e Marius respirou fundo, mas não se virou. Eu diminui a distância entre nós, caminhando direto para ele antes que eu pudesse tocar em seu ombro, o macho se virou. Seus olhos de Jasper estavam frios e distantes. — Por que pensar nisso agora? Apenas, vá embora. — ele ordenou. Marius virou as costas saindo do quarto e eu o segui, tentando falar com ele até que chegamos à
— Jane do orfanato de Delister está inocentada das acusações contra a alcateia de Delister. — A voz do juiz soou alta e imponente, eu havia me levantado para receber a sentença, mas no instante que ela foi proferida, os gritos da Luna Clarisse que havia perdido seu único filho no massacre romperam o silencio no tribunal. — Não! Ela não pode ser inocentada. Ela ajudou a matar o meu filho naquela clareira! Ele foi despedaçado pelo lobo negro namorado dela! — A Luna gritou, seu rosto estava com uma máscara de dor e ódio. Seus cabelos sempre tão impecáveis estavam secos e sem vida, seus olhos inchados. Aquele julgamento havia sido rápido, não passando de duas semanas. Quando ouvi a sentença, não senti nada. Não senti alívio, nem preocupação em ser executada. Uma parte de mim queria a execução. A Luna tentou avançar em minha direção mesmo estando no tribunal e os guardas e o Alfa tiveram que conte-la, enquanto eu sentia mãos ao meu redor tentando me amparar, como se eu tivesse que ser a