Emmanuele
Joguei minhas coisas dentro da mala com toda a força, empurrando o bolo disforme de roupas sem nenhum cuidado até que fosse possível fechar o zíper.
Tinha acontecido outra vez. E tudo que eu pensava era o quanto eu tinha sido burra por acreditar que não aconteceria, por ter acreditado em todas as palavras de perdão e arrependimento, os presentes e a viagem para arejarmos a cabeça e começarmos de novo.
Eu estava fazendo o que já deveria ter feito dois anos antes, deixar Rafael.
Escutei a porta do andar de baixo batendo, sinal de que ele tinha chegado em casa, e prendi a respiração por um segundo. Eu não queria encontrá-lo, não queria ver aqueles olhos azuis que sabiam forjar muito bem uma expressão de tristeza e arrependimento.
- Emanuele? – a voz dele soou das escadas, com passos apressados.
Não respondi. Logo Rafael entraria no quarto e tentaria me fazer mudar de ideia como da outra vez. Eu precisava ser firme, entender que as coisas jamais seriam diferentes e que eu merecia muito mais.
Voltei a respirar, concentrada em tirar a mala de cima da cama.
- Em? – finalmente ele passou pela porta.
Nós nos encaramos, e ele fez exatamente a cara que eu havia imaginado, olhando da mala para mim como se estivesse desolado.
- Fui muito clara no meu recado. – minha voz saiu perfeitamente controlada – Eu pedi à sua secretária que dissesse para você não vir entre dez da manhã e uma da tarde. Ainda é meio dia, Rafael.
- Em. – ele ergueu as mãos e deu alguns passos na minha direção – Você não pode realmente estar falando sério.
- Creio que fui perfeitamente clara. – por baixo de toda a fachada, eu estava com o coração partido.
- Querida, nós estamos juntos há tanto tempo... – ele argumentou numa voz suave, manipuladora – Certamente você não quer jogar tudo isso fora, não é?
- Já joguei, Rafael. – comecei a andar, um pouco desajeitada pelo peso da mala – Cancelei a entrega dos convites do casamento.
Ele pareceu empalidecer um pouco, mas não prestei atenção. Eu precisava me afastar o máximo possível, rapidamente. Rafael era muito bom em me convencer de coisas que não eram realmente boas para mim, era melhor não conversar muito.
Comecei a descer a escadaria com ele em meus calcanhares, pelo que eu esperava ser a última vez.
- Em, eu sinto muito. – as palavras saíram logo – Não significou realmente nada para mim.
Eu soltei uma pequena risada, já no último degrau, e incapaz de me conter, soltei a mala e apontei para os sofás.
- Ela se sentou bem ali comigo, Rafael. – minha voz vacilou, mas consegui me recompor – Contou sobre todos os lindos planos que fez em sua companhia. Viagens... Todos os presentes, as joias.
- É uma interesseira, Em. – ele nem vacilava em colocar mais mentiras para fora – Com certeza está interessada na herança do meu pai, a empresa é bem famosa.
- Não me importa se ela está interessada na imensa cadeia de restaurantes de luxo da sua família. – voltei para perto da mala – Mas me importa se é verdade todos os encontros em hotéis de luxo.
Ele ficou mudo, possivelmente procurando maneiras de se livrar daquilo.
- Você não vai negar, não é? – instiguei – Você esteve com ela em vários hotéis, em encontros, quando deveria estar no trabalho. E também quando disse que estava viajando para contatar possíveis parceiros de trabalho.
- Não vou negar. – finalmente ele cedeu.
Mesmo que eu já soubesse, a confirmação me doeu. Peguei a mala e fui em direção a porta da frente, mas Rafael não estava disposto a simplesmente desistir.
- Emanuele. – ele tocou meu ombro – Vamos esquecer isso. Foi um erro, e estou disposto a fazer qualquer coisa para te recompensar.
Afastei meu corpo de seu toque e abri a porta de trás do carro para colocar a mala. Eu precisava me afastar desse homem antes que ele me destruísse completamente.
- Querida. – mais uma vez sua voz soou manipulativa – O que acha de uma segunda viagem de lua de mel?
- Nós nem mesmo casamos, Rafael. – cruzei os braços no peito – Não tivemos nenhuma lua de mel.
- Nós podemos ter uma agora e outra depois do casamento. – ele parecia fervorosamente acreditar que era uma boa ideia.
- Nós não vamos nos casar. – eu estava irredutível – E vou embora agora mesmo.
Entrei no carro, torcendo para que ele não dissesse mais nada e apenas me deixasse partir. Eu já estava triste demais, magoada pelas novas mentiras, e com raiva por saber que não deveria ter dado uma segunda chance.
- Emanuele. – suas mãos agarraram a borda da janela – Não jogue fora tudo que vivemos, eu imploro.
- Foi você quem jogou fora, Rafael.
Acelerei, passando pelo imponente portão de entrada, e me afastei sem olhar para os retrovisores. Parte de mim estava aliviada por ter conseguido, e a outra lutava para ser forte o suficiente para não voltar atrás.
Ninguém sabia sobre o que estava acontecendo. Fazia apenas três horas que a amante do meu ex-noivo havia tocado a campainha da casa para me contar tudo que eles andaram fazendo nos últimos sete meses. Então eu ainda não sabia para onde ir.
Havia a casa dos meus pais, onde eu sabia que seria bem recebida. Mamãe não tinha gostado de eu ter voltado para Rafael da outra vez, então certamente ficaria aliviada por eu finalmente resolver dar um basta na relação.
Mas eu ainda não estava pronta para ir até lá. Queria algo mais leve primeiro, alguém com quem eu apenas pudesse contar o que aconteceu, e me distrair com outra coisa.
Resolvi ir até a casa de minha irmã caçula. Ester me receberia bem, também ficaria feliz pelo rompimento, mas ficaria ainda mais satisfeita em passar para outro assunto qualquer. Ela detestava Rafael, mesmo antes da primeira traição.
A casa dela era pequena, e ficava em cima de um açougue. Subi a escadaria que levava até a porta de madeira e bati duas vezes antes de escutar seus passos apressados.
- Emanuele? – assim que bateu os olhos em mim, pude perceber que Ester soube que algo havia acontecido.
- Posso entrar? – pedi com a voz um pouco baixa demais.
- Claro que sim. – ela deu passagem com o corpo.
Entrei para a pequena sala desarrumada da casa. Haviam algumas roupas em cima da poltrona, mas eu não saberia dizer se eram lavadas ou usadas.
- Posso servir algo? – Ester ofereceu.
- Não. – neguei rapidamente – Na verdade, eu vim contar que rompi com Rafael.
- O que aquele imbecil fez dessa vez? – a postura de Ester mudou imediatamente.
- O que ele fez outra vez, eu diria. – subi e desci os ombros, derrotada.
- Aquele mau caráter, cafajeste... – suas palavras saíram com raiva genuína.
Sentei na poltrona livre com um suspiro. Eu não queria pensar em Rafael e nas partes boas do nosso relacionamento, porque eram todas mentiras, e também não queria me martirizar com todas as partes ruins.
- Só não quero mais pensar nisso, Ester. – joguei a cabeça para trás e fechei os olhos – Foi por isso que vim aqui e não para a casa de nossos pais. Não quero falar sobre isso, reviver a cena da amante dele tocando a campainha e...
- O quê? – a voz dela saiu um pouco alta demais – Não acredito em como essas pessoas podem ser...
- Por favor, Ester. – interrompi, voltando a olhá-la – Será que você pode fazer companhia para sua irmã mais velha, e ignorar o motivo dela estar te visitando?
- Claro que sim! – rapidamente concordou – Tenho uma apresentação essa noite e você poderia me acompanhar.
- Ótimo. – fiquei em pé imediatamente.
Ester era cantora. Ainda não tinha muito sucesso, cantava em locais não muito renomados, mas sua voz era maravilhosa e algum dia, eu acreditava, teria o reconhecimento que merecia.
Passei o resto do dia a acompanhando nas tarefas domésticas, algo em que Ester não era muito boa e nem gostava muito, e quando a noite chegou ela resolveu que iria me produzir.
O vestido preto, justo e longo que me ajudou a vestir, não parecia ser muito da minha personalidade e fiquei me olhando no espelho sem realmente me reconhecer. Mas naquela noite, eu queria ser um pouco outra pessoa.
- Não sei como você nunca passa um pouco de maquiagem a mais nesses olhos verdes. – Ester comentou enquanto me produzia – Se eu tivesse recebido esses mesmos genes, faria questão de destacá-los todos os dias.
Eu ri diante da seriedade com que ela disse isso. Ester era bonita, muito parecida com nossa mãe com seus cabelos escuros e olhos castanhos, enquanto eu tinha puxado algum familiar mais afastado e tinha olhos verdes e cabelos num tom de mel.
- Olhe só para isso! – ela saiu da frente do espelho.
A mulher que me encarava de volta era incrivelmente interessante. Os olhos marcados, a boca bem pintada e a pele em uma coloração saudável.
- Estou incrível! – exclamei, embasbacada.
- Eu sou muito boa nisso. – vangloriou-se, satisfeita pelo trabalho bem feito.
Gostei da sensação de entrar com minha irmã no táxi, tão bem arrumadas que chamamos a atenção de algumas pessoas passando na rua. Era como entrar um pouco no mundo dela, nos gostos e nos divertimentos.
O local onde Ester cantaria aquela noite era iluminado por uma luz baixa e avermelhada, com cortinas feitas de pequenas pedras nas portas, e mesas redondas, onde mulheres tão arrumadas quanto nós bebericavam de taças e homens fumavam cigarros.
Ela conseguiu uma mesa logo ao lado do palco, de onde pude assistir sua performance impecável e aplaudir com orgulho. Ester se transformava no palco, de um jeito que me mostrava quem ela era verdadeiramente, e amei cada segundo.
Emmanuele - Não sei como você ainda não é completamente famosa. – comentei, maravilhada, quando Ester se juntou a mim. Ela riu enquanto puxava a cadeira para se sentar bem ao meu lado, mas parecia brilhar de tanta animação. Havia mais vida na minha irmã quando ela cantava. - O que achou do lugar? – perguntou com um meio sorriso. - É diferente do que estou acostumada. – olhei mais uma vez ao redor. - Eu sei. Bem vinda ao meu mundo.&nbs
Emmanuele - Você não sabe o quanto ficamos gratas por isso, Martim. – eu tinha a vaga sensação de já ter dito aquelas palavras, mas não consegui me controlar. - Está tudo bem, Emanuele. – a voz dele saiu suave, cheia de compreensão. Ester estava abraçada a mim, muito calada, no banco de trás do meu carro. Martim o guiava para a casa de nossos pais, que agora era só de nossa mãe, mas eu não queria pensar desse jeito por enquanto, então lembrei de vários fatos envolvendo nossa família. Lembrei do
Emmanuele - Emanuele? – Ester bateu na porta do banheiro, preocupada. - Só um minuto. – pedi, esperando que as lágrimas parassem de descer. Quando abri a porta, Martim estava atrás de minha irmã, e ambos estavam com olhares apreensivos. - Me desculpem. – pedi com sinceridade – Eu não queria assustar vocês. - Emanuele. – mamãe surgiu atrás dos dois.&nbs
Emmanuele Dois dias depois eu estava dentro do meu carro, voltando para a casa da minha mãe sem nem mesmo avisar, com um pouco de medo do que poderia descobrir. Mas quando estacionei na frente, percebi que eu era esperada. - Sabia que eu vinha? – perguntei depois de a abraçar. - Tinha esperança de que não ficasse com raiva para sempre. - Não foi isso. – neguei com firmeza – Eu só senti como se você estivesse tentando tirar meu pai de mim. - Eu n&ati
Emmanuele Eu não esperava que Guilherme fosse jovem, estava imaginando um idoso relativamente parecido com o advogado que havia encontrado mais cedo, mas ele devia ter mais ou menos a minha idade, era alto, com cabelos castanhos volumosos e olhos tão escuros que pareciam pretos. - Emanuele? – sua voz soou antes que eu pudesse cumprimentar. - Sim. – confirmei me aproximando. - Guilherme. – ele estendeu a mão para mim, e a apertei, observando o quanto era grande perto da minha. Sorri
Emmanuele Guilherme e eu nos evitamos pelos dois dias seguintes, concentrados em vasculhar toda a casa. Eu estava em busca de respostas, e acredito que ele tivesse o mesmo objetivo, mas não combinamos qualquer coisa. Até mesmo começamos a fazer as refeições em horários distintos. Em um acordo não verbal, eu sempre acabava comendo primeiro e quando estava me retirando, ele aprecia, me cumprimentava e essa era nossa única interação. Eu ficava agitada em sua presença, ansiosa, e pela forma que ele sempre evitava me olhar diretamente, Guilherme devia sentir algo parecido. O que estava acontecendo com nós dois? 
Emmanuele A volta para casa foi feita em um silêncio constrangedor. Nenhum de nós conseguia sequer olhar para o outro. Irmãos. Irmãos por parte de pai. Eu nunca havia me sentido tão suja em toda a minha vida. Como eu tinha olhado para o meu próprio irmão daquele jeito? Como eu podia ter me sentido daquela forma? Meu Deus, eu havia beijado o meu próprio irmão. Desci do carro assim que Guilherme parou, e subi as escadas correndo até o quarto onde estava hospedada. Eu não podia passar nem mais um segundo sob o mesmo teto que ele.&
Guilherme Não consegui dormir direito a noite toda e, quando finalmente desisti de ter algum descanso em paz, me levantei e fui até o quarto que Emanuele havia usado aqueles dias. Ainda havia seu cheiro pelas roupas de cama e, embora eu soubesse que era inadequado me sentir assim em relação a minha própria irmã, me acomodei ali até o sol nascer. Era irônico porque eu havia desejado ter irmãos durante uma boa parte da minha vida, e agora tudo que eu mais desejava era que não fosse verdade. Quando desci para o café da manhã, Ana já havia deixado tudo pronto e estava ocupada com outras coisas da casa. Me sentei sozinho, sentin