Emmanuele
- Não sei como você ainda não é completamente famosa. – comentei, maravilhada, quando Ester se juntou a mim.
Ela riu enquanto puxava a cadeira para se sentar bem ao meu lado, mas parecia brilhar de tanta animação. Havia mais vida na minha irmã quando ela cantava.
- O que achou do lugar? – perguntou com um meio sorriso.
- É diferente do que estou acostumada. – olhei mais uma vez ao redor.
- Eu sei. Bem vinda ao meu mundo.
Houveram outros cantores, tão talentosos quando Ester, mas ela era a que usava mais emoção a cada palavra. Agora eu conseguia entender porque ela havia insistido tanto naquilo, porque havia arriscado morar em uma pequena casa sozinha e aceitado tantos trabalhos ruins.
- Olhe só esse. – ela sussurrou no meu ouvido quando um homem começou a subir no palco.
Ele era alto, com um cabelo muito loiro e um nariz comprido, mas que de alguma forma harmonizava perfeitamente com suas feições. Logo que a voz saiu, grossa e forte, consegui entender porque Ester parecia se interessar por ele.
- A voz dele é incrível. – comentei sem conseguir desviar os olhos.
- Muito. – ela pareceu se desmanchar ao meu lado – O nome dele é Martim.
Continuamos escutando em silêncio e, quando acabou, Ester era a que aplaudia com mais entusiasmo em toda a plateia. Ele lançou um olhar em sua direção, muito discretamente, que me pareceu demonstrar que se sentia do mesmo modo em relação a ela.
Passamos mais um tempo por ali, mas, apesar da troca intensa de olhares entre Ester e Martim, ele não ousou se aproximar. Mesmo assim parecia um jogo interessante, todo aquele charme trocado, o frio na barriga e os sorrisos.
Quando voltávamos de taxi para casa, Ester mantinha um sorriso satisfeito nos lábios e olhava sonhadoramente pela janela. Ela estava feliz, mais feliz do que eu já havia presenciado em toda vida, e não pude deixar de ficar feliz junto.
- Por que ele não se aproximou? – perguntei enquanto ela girava a chave na maçaneta.
- Porque ainda estamos muito no início. – ela se deixou cair no sofá – E provavelmente porque você estava comigo.
- Eu não queria atrapalhar. – retruquei, insegura por ter impedido qualquer coisa.
- Claro que não atrapalhou. – Ester fez um gesto com a mão, como se afastasse o pensamento – Martim é um pouco tímido, talvez ele não soubesse se eu queria apresentá-los.
Não haviam duas camas, então precisei me acomodar no sofá. Devo dizer que não era o sofá mais confortável do mundo, mas consegui adormecer com uma facilidade imensa depois do que havia passado com Rafael.
Pensei que sonharia ou que acordaria várias vezes, mas só despertei com a luminosidade atravessando as cortinas muito finas. Mesmo assim já não era tão cedo, e o comercio logo abaixo já estava funcionando.
Ester levou mais algum tempo para sair do quarto, até lá eu já estava vestida e bebendo um café forte.
- Bom dia. – havia um resquício de maquiagem em seu rosto.
- Bom dia. – respondi apoiando a xicara na mesa – Preciso resolver algumas coisas.
- Algo sério? – ela franziu a testa, preocupada, enquanto se acomodava na outra cadeira.
- Apenas abastecer um pouco o carro, o suficiente para ir até a casa de nossos pais. Sinceramente nem sei como cheguei até aqui.
- E você tem dinheiro?
- Apenas o que havia em casa antes de sair. – suspirei, as preocupações começando a surgir – Não sei como vou fazer de agora em diante.
- Pode ficar comigo o quanto quiser. – havia sinceridade em casa palavra.
- Obrigada por isso. – eu sabia que poderia contar com minha irmã sempre.
Fiquei apenas um curto período de tempo fora, o suficiente para encher o tanque do carro e voltar. Finalmente, depois da magia da noite diferente, eu estava começando a pensar em como seria minha vida.
Eu tinha praticamente vivido para Rafael nos últimos anos, o acompanhando em todos os lugares, aceitando os presentes e as viagens, enquanto ele trabalhava e me enganava nas horas vagas.
- Você está bem, Emanuele? – Ester pareceu ler minha expressão triste assim que coloquei os pés para dentro da casa novamente.
- É só o que aconteceu. – suspirei voltando para o sofá – Sei que fiz a coisa certa, mas isso não torna tudo mais fácil.
- Vai dar tudo certo. Só não volte atrás. – os olhos dela eram preocupados.
- Não vai acontecer. – prometi – Sabe, eu costumava me incomodar por morar lá e não termos casado. – meus pais nunca estiveram satisfeitos com essa situação – Mas agora eu fico feliz por não ter acontecido.
Pelo menos a enrolação de Rafael tinha servido para alguma coisa. Eu detestaria estar me sentindo presa nele, e depois ter que lidar com todos os problemas que um divórcio causaria. Todas as pessoas me julgando, dizendo que nunca mais eu conseguiria um bom relacionamento.
Talvez fosse melhor eu passar alguns dias com Ester, esperar até que eu estivesse menos chateada com tudo antes de contar aos nossos pais o que havia acontecido. Sei que eles teriam reações muito controversas e eu não queria ficar ainda mais para baixo.
Papai provavelmente ficaria feliz, já que ele nunca tinha gostado muito de Rafael, e depois tinha passado a detestar quando houve a primeira traição. Mas ele também ficaria preocupado com meu futuro quando todo mundo sabia o tempo que passei vivendo como casada.
Mamãe me apontaria o quanto eu havia sido irresponsável em aceitar me mudar para lá antes de um compromisso mais sério. Me faria mil perguntas sobre o que iria fazer agora, e eu não fazia nenhuma ideia.
Resolvi que a melhor coisa era morar alguns dias com Ester, ajudá-la a cuidar da casa, assistir suas apresentações e esperar a vida seguir. Rafael não ousaria me procurar na casa dos meus pais, ele sabia que não tinha uma boa imagem por lá, e se aparecesse aqui, o que eu duvidava muito, minha irmã também não hesitaria em enxotá-lo.
Meu esquema funcionou muito bem por quase duas semanas. Nós duas formávamos uma boa equipe, era divertido e leve, e logo eu tinha me acostumado com os lugares diferentes que Ester frequentava. Martim também havia sido apresentado, mostrando-se tão tímido quando ela tinha falado, mas me parecendo um homem decente, que trataria minha irmã como ela realmente merecia.
Foi numa manhã, onde nós duas ainda não havíamos levantado, que alguém bateu insistentemente na porta. Acordei com o coração aos pulos, já pensando que era Rafael, e Ester surgiu logo em seguida, aparentemente imaginando a mesma coisa.
No final das contas, era o dono do açougue do andar de baixo, dizendo que havia um telefonema urgente para Ester. Nervosa, ela desceu a escada sem nem mesmo conversar comigo e, quando voltou, estava pálida e com os olhos sem vida.
- Papai acabou de falecer.
Emmanuele - Você não sabe o quanto ficamos gratas por isso, Martim. – eu tinha a vaga sensação de já ter dito aquelas palavras, mas não consegui me controlar. - Está tudo bem, Emanuele. – a voz dele saiu suave, cheia de compreensão. Ester estava abraçada a mim, muito calada, no banco de trás do meu carro. Martim o guiava para a casa de nossos pais, que agora era só de nossa mãe, mas eu não queria pensar desse jeito por enquanto, então lembrei de vários fatos envolvendo nossa família. Lembrei do
Emmanuele - Emanuele? – Ester bateu na porta do banheiro, preocupada. - Só um minuto. – pedi, esperando que as lágrimas parassem de descer. Quando abri a porta, Martim estava atrás de minha irmã, e ambos estavam com olhares apreensivos. - Me desculpem. – pedi com sinceridade – Eu não queria assustar vocês. - Emanuele. – mamãe surgiu atrás dos dois.&nbs
Emmanuele Dois dias depois eu estava dentro do meu carro, voltando para a casa da minha mãe sem nem mesmo avisar, com um pouco de medo do que poderia descobrir. Mas quando estacionei na frente, percebi que eu era esperada. - Sabia que eu vinha? – perguntei depois de a abraçar. - Tinha esperança de que não ficasse com raiva para sempre. - Não foi isso. – neguei com firmeza – Eu só senti como se você estivesse tentando tirar meu pai de mim. - Eu n&ati
Emmanuele Eu não esperava que Guilherme fosse jovem, estava imaginando um idoso relativamente parecido com o advogado que havia encontrado mais cedo, mas ele devia ter mais ou menos a minha idade, era alto, com cabelos castanhos volumosos e olhos tão escuros que pareciam pretos. - Emanuele? – sua voz soou antes que eu pudesse cumprimentar. - Sim. – confirmei me aproximando. - Guilherme. – ele estendeu a mão para mim, e a apertei, observando o quanto era grande perto da minha. Sorri
Emmanuele Guilherme e eu nos evitamos pelos dois dias seguintes, concentrados em vasculhar toda a casa. Eu estava em busca de respostas, e acredito que ele tivesse o mesmo objetivo, mas não combinamos qualquer coisa. Até mesmo começamos a fazer as refeições em horários distintos. Em um acordo não verbal, eu sempre acabava comendo primeiro e quando estava me retirando, ele aprecia, me cumprimentava e essa era nossa única interação. Eu ficava agitada em sua presença, ansiosa, e pela forma que ele sempre evitava me olhar diretamente, Guilherme devia sentir algo parecido. O que estava acontecendo com nós dois? 
Emmanuele A volta para casa foi feita em um silêncio constrangedor. Nenhum de nós conseguia sequer olhar para o outro. Irmãos. Irmãos por parte de pai. Eu nunca havia me sentido tão suja em toda a minha vida. Como eu tinha olhado para o meu próprio irmão daquele jeito? Como eu podia ter me sentido daquela forma? Meu Deus, eu havia beijado o meu próprio irmão. Desci do carro assim que Guilherme parou, e subi as escadas correndo até o quarto onde estava hospedada. Eu não podia passar nem mais um segundo sob o mesmo teto que ele.&
Guilherme Não consegui dormir direito a noite toda e, quando finalmente desisti de ter algum descanso em paz, me levantei e fui até o quarto que Emanuele havia usado aqueles dias. Ainda havia seu cheiro pelas roupas de cama e, embora eu soubesse que era inadequado me sentir assim em relação a minha própria irmã, me acomodei ali até o sol nascer. Era irônico porque eu havia desejado ter irmãos durante uma boa parte da minha vida, e agora tudo que eu mais desejava era que não fosse verdade. Quando desci para o café da manhã, Ana já havia deixado tudo pronto e estava ocupada com outras coisas da casa. Me sentei sozinho, sentin
Guilherme Na prática foi muito mais complicado do que eu esperava. Por mais que as lembranças fossem se tornando mais suaves com a passagem dos dias, não havia um dia em que não surgissem memórias involuntariamente. Eu me pegava pensando o que Emanuele estaria fazendo naquele horário, se ela já estaria dormindo, se também pensava em mim com uma frequência que não deveria. Será que ela se sentia culpada como eu me sentia? Porque decididamente eu não pensava nela como um irmão de verdade, e já estava ciente de que acabaria no inferno no futuro. - Tem certeza de que não quer sair um pouco? – os convites de Jo