Emmanuele
Guilherme e eu nos evitamos pelos dois dias seguintes, concentrados em vasculhar toda a casa. Eu estava em busca de respostas, e acredito que ele tivesse o mesmo objetivo, mas não combinamos qualquer coisa.
Até mesmo começamos a fazer as refeições em horários distintos. Em um acordo não verbal, eu sempre acabava comendo primeiro e quando estava me retirando, ele aprecia, me cumprimentava e essa era nossa única interação.
Eu ficava agitada em sua presença, ansiosa, e pela forma que ele sempre evitava me olhar diretamente, Guilherme devia sentir algo parecido. O que estava acontecendo com nós dois?
Naquela tarde, resolvi olhar quarto por quarto. Devia haver algum documento, cartas antigas ou qualquer outra coisa que me falasse mais sobre quem era Heitor e porque ele havia deixado a casa para Guilherme.
Minha busca se mostrou infrutífera. Não havia nem mesmo roupas antigas, então o homem dos olhos verdes devia ter cuidado para que esvaziassem a casa toda antes de passá-la para os herdeiros.
- Isso é tão frustrante! – exclamei me sentando na cama.
- Concordo. – a voz me fez dar um pulo e ficar em pé outra vez.
Guilherme estava parado na porta, as mãos apoiadas nos quadris. Sua testava estava franzida, mas os lábios tinham um sorriso educado.
- Você também está buscando, não é? – ele deu dois passos para dentro.
- Sim, mas não há nada. – reclamei, automaticamente dando dois passos em sua direção.
Ele engoliu algumas vezes, pude perceber pelo movimento em seu pescoço, e tentou desviar o olhar de mim.
- O que está acontecendo conosco? – perguntei rapidamente, e depois me arrependi completamente da minha ousadia – Desculpe, eu não estou pensando direito. – me afastei um pouco.
- Não sei o que é. – mas Guilherme entendeu, ainda olhando para os próprios pés – Pessoalmente eu estou tentando não pensar em quanto a achei linda assim que coloquei os olhos em você.
Ofeguei, pega de surpresa.
- Eu também. – confessei.
Eu tentava não pensar nos seus traços marcantes, nas mãos grandes demais, mas a sensação de sua pele contra a minha e seu cheiro, eram difíceis de ignorar.
Guilherme ergueu os olhos, parecendo não acreditar que eu não era indiferente, e se aproximou mais. Ele ainda hesitava em encostar em mim, mas eu podia sentir o calor de sua pele irradiando.
Fui a primeira a dar um passo adiante, levando minha mão de encontro a sua. Ele entrelaçou nossos dedos suavemente, depois pegou minha outra mão. Quando erguemos os olhos, ambos sabíamos que queríamos mais.
- Manu... – era a primeira vez que alguém me chamava assim, e saiu completamente adorável.
Ele colocou a palma da mão no meu rosto delicadamente, acomodando toda a minha bochecha, e inclinou o rosto de encontro ao meu. Seus lábios roçaram nos meus suavemente.
- Você tem alguém te esperando? – perguntei, ainda um pouco traumatizada por todas as mentiras de Rafael. Eu não queria outro homem problemático, mais uma tristeza para partir meu coração.
- Não. – ele balançou a cabeça de um lado para o outro, mais uma vez nossos lábios se roçaram – E você?
- Não. – neguei.
Permanecemos ali, sem nenhum dos dois dar o passo seguinte. Minha mão subiu pelas suas costas, sentindo os músculos firmes por baixo do tecido da camisa, e sua outra mão, firme na minha cintura, me puxou um pouco mais para perto.
Nossos corpos estavam tão colados que eu deveria achar impróprio, mas por mais que minha mente alertasse sobre isso, eu não conseguia sentir que havia algo errado. Encaixava tão bem, o cheio e o calor eram tão bons.
- Estou tentando não ser... – Guilherme falou, inseguro – impróprio.
Minha mão chegou até a sua nuca e o puxou para baixo. Ele não resistiu, e finalmente, nossos lábios se encontraram em um beijo profundo e perfeito. Senti seus lábios se repuxando em um sorriso, sem se desgrudarem dos meus, e acabei por sorrir em reflexo.
Mas, de repente, minha mente me avisou porque estávamos ali num surto de consciência.
- Guilherme. – apoiei as duas mãos em seu peito. Minha voz não saiu firme como eu queria, mas ele não resistiu.
- Sim? – seu peito subia e descia sob meu toque.
- Se você sente isso... – gaguejei – Digo, se sente as mesmas coisas que eu...
- Pode apostar que sim. – seus olhos faiscaram.
- Precisamos descobrir quem somos de verdade. – soltei o ar de uma vez – Digo, saber nosso parentesco.
Seu corpo se afastou do meu enquanto a compreensão se instalava em sua expressão. Eu tinha razão.
- Sim. – suas mãos deixaram de me tocar e eu me importei mais do que deveria – Talvez o advogado tenha algumas respostas.
- Pode ser. – cruzei os braços no peito.
- Tenho o endereço dele. Você gostaria de ir até lá? – agora ele estava longe demais até para que eu sentisse o calor.
- Quero. – confirmei, tentando não me incomodar com a distância.
- Eu te encontro lá em baixo em dez minutos. – ele sumiu pela porta.
Sozinha, coloquei a mão na testa e respirei fundo algumas vezes. Eu deveria estar perdendo o juízo, beijando um homem que mal conhecia em uma velha casa de um pai que eu nem sabia da existência até pouco tempo. Voltar para casa e esquecer tudo parecia mais fácil, ou pelo menos, menos complicado.
Mesmo assim, dez minutos depois eu desci as escadas e encontrei Guilherme numa ansiedade que refletia a minha. Ele acompanhou meus passos com os olhos, como se visse algo muito importante, e não pude deixar de gostar da sensação que isso me trazia.
Se eu já tinha me sentido atraída para ele dentro do carro, quando nos sentamos no seu carro, fiquei completamente tensa. No ambiente pequeno, tudo parecia ainda mais interessante, me chamando para mais perto.
Quando arrisquei olhar para o lado, vi que ele apertava o volante com tanta força que os nós dos dedos estavam brancos. O maxilar estava tenso, e a concentração na estrada parecia mais intensa do que o necessário.
- Felizmente ele vive em um pequeno povoado não muito distante. – Guilherme falou, provavelmente notando meus olhos nele.
Incapaz de me conter, apoiei uma mão em sua perna.
- Será que conseguimos chegar lá antes de uma veia estourar no seu cérebro?
Ele riu, rapidamente desfazendo o clima pesado entre nós dois.
- Desculpe por isso. – pediu com a voz mais tranquila – Eu só não entendo bem o que estou sentindo.
- Eu também não. – confessei, retirando a mão de sua perna.
Guilherme estendeu a mão na minha direção, mas hesitou, provavelmente achando que tocar minha perna não era adequado. Sua mão buscou a minha, entrelaçando nossos dedos como se fosse algo a que já estivesse habituado.
- Vai dar tudo certo, Manu.
Não demoramos para chegar no povoado, que era repleto de casas simples e aparentemente antigas. Haviam algumas pessoas transitando, outras estavam em cima de cavalos, e as crianças olharam atentamente para o veículo antes de continuarem brincando, correndo pela terra e gargalhando.
Encontrar a casa do advogado também foi simples, bastou perguntar para um morador que estava passando com uma enxada apoiada nos ombros. O homem apontou a direção como se estivesse acostumado a informar forasteiros como nós, mas não sem antes nos observar com curiosidade.
- É aqui. – Guilherme estacionou na frente.
A casa era uma das mais bonitas e maiores, também parecia recém pintada, e quando batemos, foi uma empregada que nos recebeu.
Ela nos guiou até uma sala simples, mas impecavelmente arrumada e nos indicou os sofás. Eu me sentei, mas Guilherme pareceu agitado demais para ficar parado, então ele andou de um lado ao outro até que o homem apareceu.
- Boa tarde. Como posso ajudá-los?
- Desculpe aparecer assim, senhor Rodrigues. – Guilherme se aproximou do homem.
- Tudo bem. – o outro tranquilizou-o – Pode se sentar. – apontou o sofá enquanto ia até uma poltrona.
Guilherme sentou ao meu lado, deixando uma boa distância entre nós dois.
- Então, senhor Rodrigues. – Guilherme respirou fundo – Estivemos nos perguntando se o senhor teria maiores informações.
- Informações. – o advogado repetiu, atento.
- Sobre Heitor. – intervi – O motivo dele ter nos deixado a casa, coisas do tipo.
- Certo. – o homem balançou a cabeça, entendendo o ponto.
Olhamos ansiosamente para o homem. Ele cruzou as pernas e acomodou as costas no encosto de sua poltrona.
- Não conheci muito bem o senhor Heitor. – começou cruzando as mãos sobre os joelhos – O que posso dizer é que ele, alguns anos antes de contratar meus serviços, contratou alguma outra pessoa para encontrar seus endereços. – o homem sorriu de leve – Creio que o fim de vida dele foi bem solitário e, talvez, quisesse reparar alguns erros do passado.
- Que erros? – Guilherme estava tremendo a perna.
- Sei que minha mãe teve... – coloquei uma mão em cima da perna dele para que parasse e eu pudesse raciocinar – um relacionamento com o senhor Heitor.
- Perfeitamente. – Rodrigues não pareceu surpreso.
- E quanto ao Guilherme? – questionei.
- O senhor Guilherme é filho da esposa do senhor Heitor, é claro. – a resposta saiu fácil, como se estivesse na ponta da língua.
Imediatamente nós dois ficamos imóveis. Senti como se uma mão estivesse se fechando na minha garganta.
- O senhor está me dizendo que... – Guilherme conseguiu sair do choque primeiro – Emma? É esse o nome?
- De sua mãe, claro. – confirmou, sorrindo – Não sei por que motivos não acabaram a vida vivendo na mesma casa, mas é isso.
- Irmãos? – foi a primeira coisa que consegui dizer, mesmo que não fosse uma frase completa.
Emmanuele A volta para casa foi feita em um silêncio constrangedor. Nenhum de nós conseguia sequer olhar para o outro. Irmãos. Irmãos por parte de pai. Eu nunca havia me sentido tão suja em toda a minha vida. Como eu tinha olhado para o meu próprio irmão daquele jeito? Como eu podia ter me sentido daquela forma? Meu Deus, eu havia beijado o meu próprio irmão. Desci do carro assim que Guilherme parou, e subi as escadas correndo até o quarto onde estava hospedada. Eu não podia passar nem mais um segundo sob o mesmo teto que ele.&
Guilherme Não consegui dormir direito a noite toda e, quando finalmente desisti de ter algum descanso em paz, me levantei e fui até o quarto que Emanuele havia usado aqueles dias. Ainda havia seu cheiro pelas roupas de cama e, embora eu soubesse que era inadequado me sentir assim em relação a minha própria irmã, me acomodei ali até o sol nascer. Era irônico porque eu havia desejado ter irmãos durante uma boa parte da minha vida, e agora tudo que eu mais desejava era que não fosse verdade. Quando desci para o café da manhã, Ana já havia deixado tudo pronto e estava ocupada com outras coisas da casa. Me sentei sozinho, sentin
Guilherme Na prática foi muito mais complicado do que eu esperava. Por mais que as lembranças fossem se tornando mais suaves com a passagem dos dias, não havia um dia em que não surgissem memórias involuntariamente. Eu me pegava pensando o que Emanuele estaria fazendo naquele horário, se ela já estaria dormindo, se também pensava em mim com uma frequência que não deveria. Será que ela se sentia culpada como eu me sentia? Porque decididamente eu não pensava nela como um irmão de verdade, e já estava ciente de que acabaria no inferno no futuro. - Tem certeza de que não quer sair um pouco? – os convites de Jo
Emanuele - Você estava completamente incrível essa noite! – exclamei quando Ester desceu do palco. Ela sorria, radiante, e havia tanta paixão exalando do seu corpo que era impossível não me contagiar. Minha irmã era incrível, talentosa e eu estava muito orgulhosa. - Jura? – perguntou, ofegante, segurando minhas mãos. - Claro que sim! – apertei suas mãos, sorrindo, enquanto a plateia ainda terminava de aplaudir ao nosso redor. Martim subiu no
Emanuele - O que está achando? – Ester me perguntou, rodando na frente do espelho. - Ainda não dá para achar muita coisa. – respondi com sinceridade. O tecido branco, ainda em fases iniciais de se transformar em um vestido, não dava muita margem para imaginação. A costureira estava concentrada, observando cada detalhe e fazendo perguntas para saber exatamente o que Ester desejava. - Vai ficar incrível. – ela comentou sonhadoramente. Quando saímos,
Guilherme Acordei com dor de cabeça no final de semana em que Emanuele pediu para me avisar que estaria usando a fazenda para organizar um casamento. Fiquei olhando para o teto, tentando assimilar que ela estaria se casando em breve. Parte de mim desconfiava de que Emanuele havia mentido sobre não ter ninguém, e eu lutava contra essa ideia. Ela já estava lá há alguns dias, e minha mente ficava imaginando ela andando pela propriedade, o cabelo balançando com o vento e as mãos ocupadas com uma xícara de alguma coisa quente.Mas naquela manhã eu a via nervosa pela cerimônia do dia seguinte, o frio na barriga e a tensão entre os olhos. Talvez estivesse dormindo pouco a noite, pensando em cada detalhe para que o dia fosse completame
Emma - Emma, levante. – minha mãe chamou com duas batidas suaves na porta do meu quarto. Me espreguicei, rolando para ficar de barriga para o alto, e em seguida me sentei na cama. Tinha sido uma das minhas melhores noites de sono, acredito que nem tenha trocado de posição. Levantei para afastar as cortinas e abrir a janela, deixando o sol invadir meu quarto suavemente e revelar um céu tremendamente azul e sem nuvens. Lá embaixo algumas pessoas andavam pela rua e duas idosas varriam o chão na frente de suas casas. Coloquei apenas um roupão por cima da camisola e
Emma O pai de Heitor era muito parecido com ele. Magro e distinto, com olhos verdes e um cabelo quase no mesmo tom, que já estava rareando. Ele pareceu tão animado quanto meus pais com nossa inevitável união. Sorria abertamente, o tempo todo, elogiando as flores de mamãe, a comida de Sally e até mesmo as nossas cortinas velhas. A mãe era mais comedida, embora fosse extremamente gentil. Mostrava uma alegria educada, suave. Seus cabelos loiros estavam presos num coque grosso e firme, e as mãos sempre ficavam cruzadas na frente do corpo. Heitor era quase tão quieto quanto eu, mas também parecia feliz. Como a união comigo, uma completa estra