4

Emmanuele

                - Emanuele? – Ester bateu na porta do banheiro, preocupada.

                - Só um minuto. – pedi, esperando que as lágrimas parassem de descer.

                Quando abri a porta, Martim estava atrás de minha irmã, e ambos estavam com olhares apreensivos.

                - Me desculpem. – pedi com sinceridade – Eu não queria assustar vocês.

                - Emanuele. – mamãe surgiu atrás dos dois.

                Todos olhamos para ela, para seu rosto triste e apreensivo.

                - O que está acontecendo? – Ester virou o rosto para mim de novo, sabendo que alguma coisa havia acontecido entre nós duas.

                - É culpa minha. – mamãe respondeu antes que eu pudesse pensar em alguma desculpa – Contei à Emanuele que o pai dela não era Marcos.

                - Como é que é? – a voz de Ester saiu mais aguda do que o esperado, e não pude deixar de perceber como era afinada mesmo involuntariamente.

                - É melhor eu sair. – claramente constrangido, Martim tentou passar por nós.

                - Não se preocupe com isso. – mamãe o interrompeu – Se pretende fazer parte da família, acho que não precisamos esconder as coisas de você.

                Ele não conseguiu encontrar uma resposta, mas desistiu de se afastar.

                - Me desculpe por isso, Emanuele. – os olhos de mamãe estavam marejados – Aconteceu há muito tempo, eu era jovem e muito imprudente.

                Passei por todos eles e me sentei no sofá. Meu pai tinha acabado de partir, e, no entanto, só agora eu sentia que o estava perdendo.

                - Acho que não consigo lidar com isso agora. – enterrei o rosto nas mãos.

                - Eu me precipitei. – mamãe falou tristemente – De repente o segredo pareceu pesado demais, apenas...

                - Venha, dona Rosa. – Martim disse suavemente, e quando ergui os olhos, percebi que ele oferecia o braço como apoio – Deixe-me ajudá-la a voltar para o quarto.

                Quando ficamos sozinhas, Ester sentou ao meu lado e colocou o braço no meu ombro. Eu sentia que ela queria me confortar de alguma forma, mas não sabia que palavras usar.

                - Não precisa dizer nada, Ester. – afirmei, piscando algumas vezes para evitar que novas lágrimas surgissem.

                Naquela noite, no jantar, ninguém parecia disposto a conversar. Mamãe estava cabisbaixa, eu pensativa e Ester e Martim completamente sem jeito perto de nós duas.

                - Eu ainda não estou me sentindo muito bem. – mamãe foi a primeira a se levantar – Vou voltar para a cama. – seu prato estava praticamente intocado.

                - Eu a ajudo. – Ester se ofereceu.

                Dessa vez, sozinha com Martim, eu também percebi que ele queria me dizer alguma coisa. Havia tão pouco tempo que nos conhecíamos, mas ele se importava com todas nós. Realmente Ester havia encontrado a pessoa certa para ela.

                - Preciso te agradecer por ter me ajudado. – a lembrança de Rafael parecia distante, mas ainda assim eu precisava dizer – Duas vezes. – acrescentei.

                - Não foi nada. – ele respondeu, sem de fato me encarar – Não gostei muito dele.

                - É, e você nem sabe de tudo. – suspirei.

                - Na verdade, Ester me contou. – ele encolheu os ombros, como se não tivesse certeza se deveria falar.

                - Tudo bem. – tranquilizei-o, me levantando – Como mamãe disse, não precisamos esconder coisas de você.

                Ester e eu nos acomodamos em nosso velho quarto, enquanto o sofá foi designado para Martim mais uma vez. Estar ali dentro naquela noite específica, vendo as nossas coisas, era como voltar no tempo e isso só fazia o segredo de mamãe ser mais doloroso.

                - Pare de me olhar desse jeito. Está me enlouquecendo. – repreendi minha irmã, enquanto eu sentava na cama.

                - Me desculpe. – não era comum ver Ester tão constrangida – Eu não consigo pensar em nada útil para dizer.

                - Não precisa dizer nada. – me acomodei, pronta para dormir.

                Foi uma das piores noites de sono da minha vida. Quando resolvi levantar, todo meu corpo doía e estava tão cansada que nem parecia ter dormido.

                Andei lentamente para não acordar Ester, ou os outros, mas assim que fechei a porta do quarto percebi que Martim já estava na cozinha. Ele sorriu quando apareci, provavelmente tentando soar compreensivo.

                - Não conseguiu dormir também? – perguntei pegando um copo de água.

                - O sofá é um pouco pequeno para mim.

                Não pudemos conter um riso. Eu não conseguia imaginar como ele fazia para caber no sofá pequeno e desconfortável.

                - Talvez seja a hora de ir embora. – decretei, sabendo que na verdade eu estava precisado ficar um pouco longe de mamãe e da casa.

                Meu plano inicial era voltar para a casa dos meus pais, agora queria a casa de Ester a todo custo, no entanto, eu não pertencia de verdade a nenhum dos dois lugares. Eu adoraria ter um lar para ir, onde eu pudesse colocar a cabeça no lugar, mas estava muito longe de conseguir.

                Mamãe não pareceu se surpreender com nossa partida, nem nos pediu para ficar. Seu olhar ainda trazia um pouco de culpa, eu só não sabia se era pelo que tinha feito no passado ou por ter me contado na pior hora possível.

                - Será que eu posso dormir um pouco no seu quarto? – pedi para Ester assim que colocamos o pé para dentro da casa – Essa noite foi terrível.

                - Claro que sim. Descanse. – concordou rapidamente.

                Finalmente a exaustão me venceu, e praticamente apaguei pelas horas seguintes, o que foi um alívio imenso. Quando acordei, já havia escurecido, e Ester estava se aprontando para uma noite de trabalho.

                - Se importa se eu não a acompanhar? – minha voz estava grossa.

                - Claro que não. – ela negou com um aceno – Eu sempre fiz isso sozinha.

                - Tenho certeza que você vai arrasar. – incentivei.

                Ester sorriu, mas havia tristeza no fundo dos seus olhos, assim como havia em mim. Perder nosso pai não era fácil, mas nenhuma das duas queria conversar sobre o assunto. Principalmente depois de mamãe soltar a bomba e deixar a situação ainda mais complicada.

                Naquela noite, sozinha e chorando, lembrei todas as coisas possíveis sobre minha infância e todas as coisas que meu pai havia me dito. Depois, mais tranquila, decidi que talvez quisesse saber mais sobre o homem de quem eu havia herdado os olhos verdes.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo