Emmanuele
- Emanuele? – Ester bateu na porta do banheiro, preocupada.
- Só um minuto. – pedi, esperando que as lágrimas parassem de descer.
Quando abri a porta, Martim estava atrás de minha irmã, e ambos estavam com olhares apreensivos.
- Me desculpem. – pedi com sinceridade – Eu não queria assustar vocês.
- Emanuele. – mamãe surgiu atrás dos dois.
Todos olhamos para ela, para seu rosto triste e apreensivo.
- O que está acontecendo? – Ester virou o rosto para mim de novo, sabendo que alguma coisa havia acontecido entre nós duas.
- É culpa minha. – mamãe respondeu antes que eu pudesse pensar em alguma desculpa – Contei à Emanuele que o pai dela não era Marcos.
- Como é que é? – a voz de Ester saiu mais aguda do que o esperado, e não pude deixar de perceber como era afinada mesmo involuntariamente.
- É melhor eu sair. – claramente constrangido, Martim tentou passar por nós.
- Não se preocupe com isso. – mamãe o interrompeu – Se pretende fazer parte da família, acho que não precisamos esconder as coisas de você.
Ele não conseguiu encontrar uma resposta, mas desistiu de se afastar.
- Me desculpe por isso, Emanuele. – os olhos de mamãe estavam marejados – Aconteceu há muito tempo, eu era jovem e muito imprudente.
Passei por todos eles e me sentei no sofá. Meu pai tinha acabado de partir, e, no entanto, só agora eu sentia que o estava perdendo.
- Acho que não consigo lidar com isso agora. – enterrei o rosto nas mãos.
- Eu me precipitei. – mamãe falou tristemente – De repente o segredo pareceu pesado demais, apenas...
- Venha, dona Rosa. – Martim disse suavemente, e quando ergui os olhos, percebi que ele oferecia o braço como apoio – Deixe-me ajudá-la a voltar para o quarto.
Quando ficamos sozinhas, Ester sentou ao meu lado e colocou o braço no meu ombro. Eu sentia que ela queria me confortar de alguma forma, mas não sabia que palavras usar.
- Não precisa dizer nada, Ester. – afirmei, piscando algumas vezes para evitar que novas lágrimas surgissem.
Naquela noite, no jantar, ninguém parecia disposto a conversar. Mamãe estava cabisbaixa, eu pensativa e Ester e Martim completamente sem jeito perto de nós duas.
- Eu ainda não estou me sentindo muito bem. – mamãe foi a primeira a se levantar – Vou voltar para a cama. – seu prato estava praticamente intocado.
- Eu a ajudo. – Ester se ofereceu.
Dessa vez, sozinha com Martim, eu também percebi que ele queria me dizer alguma coisa. Havia tão pouco tempo que nos conhecíamos, mas ele se importava com todas nós. Realmente Ester havia encontrado a pessoa certa para ela.
- Preciso te agradecer por ter me ajudado. – a lembrança de Rafael parecia distante, mas ainda assim eu precisava dizer – Duas vezes. – acrescentei.
- Não foi nada. – ele respondeu, sem de fato me encarar – Não gostei muito dele.
- É, e você nem sabe de tudo. – suspirei.
- Na verdade, Ester me contou. – ele encolheu os ombros, como se não tivesse certeza se deveria falar.
- Tudo bem. – tranquilizei-o, me levantando – Como mamãe disse, não precisamos esconder coisas de você.
Ester e eu nos acomodamos em nosso velho quarto, enquanto o sofá foi designado para Martim mais uma vez. Estar ali dentro naquela noite específica, vendo as nossas coisas, era como voltar no tempo e isso só fazia o segredo de mamãe ser mais doloroso.
- Pare de me olhar desse jeito. Está me enlouquecendo. – repreendi minha irmã, enquanto eu sentava na cama.
- Me desculpe. – não era comum ver Ester tão constrangida – Eu não consigo pensar em nada útil para dizer.
- Não precisa dizer nada. – me acomodei, pronta para dormir.
Foi uma das piores noites de sono da minha vida. Quando resolvi levantar, todo meu corpo doía e estava tão cansada que nem parecia ter dormido.
Andei lentamente para não acordar Ester, ou os outros, mas assim que fechei a porta do quarto percebi que Martim já estava na cozinha. Ele sorriu quando apareci, provavelmente tentando soar compreensivo.
- Não conseguiu dormir também? – perguntei pegando um copo de água.
- O sofá é um pouco pequeno para mim.
Não pudemos conter um riso. Eu não conseguia imaginar como ele fazia para caber no sofá pequeno e desconfortável.
- Talvez seja a hora de ir embora. – decretei, sabendo que na verdade eu estava precisado ficar um pouco longe de mamãe e da casa.
Meu plano inicial era voltar para a casa dos meus pais, agora queria a casa de Ester a todo custo, no entanto, eu não pertencia de verdade a nenhum dos dois lugares. Eu adoraria ter um lar para ir, onde eu pudesse colocar a cabeça no lugar, mas estava muito longe de conseguir.
Mamãe não pareceu se surpreender com nossa partida, nem nos pediu para ficar. Seu olhar ainda trazia um pouco de culpa, eu só não sabia se era pelo que tinha feito no passado ou por ter me contado na pior hora possível.
- Será que eu posso dormir um pouco no seu quarto? – pedi para Ester assim que colocamos o pé para dentro da casa – Essa noite foi terrível.
- Claro que sim. Descanse. – concordou rapidamente.
Finalmente a exaustão me venceu, e praticamente apaguei pelas horas seguintes, o que foi um alívio imenso. Quando acordei, já havia escurecido, e Ester estava se aprontando para uma noite de trabalho.
- Se importa se eu não a acompanhar? – minha voz estava grossa.
- Claro que não. – ela negou com um aceno – Eu sempre fiz isso sozinha.
- Tenho certeza que você vai arrasar. – incentivei.
Ester sorriu, mas havia tristeza no fundo dos seus olhos, assim como havia em mim. Perder nosso pai não era fácil, mas nenhuma das duas queria conversar sobre o assunto. Principalmente depois de mamãe soltar a bomba e deixar a situação ainda mais complicada.
Naquela noite, sozinha e chorando, lembrei todas as coisas possíveis sobre minha infância e todas as coisas que meu pai havia me dito. Depois, mais tranquila, decidi que talvez quisesse saber mais sobre o homem de quem eu havia herdado os olhos verdes.
Emmanuele Dois dias depois eu estava dentro do meu carro, voltando para a casa da minha mãe sem nem mesmo avisar, com um pouco de medo do que poderia descobrir. Mas quando estacionei na frente, percebi que eu era esperada. - Sabia que eu vinha? – perguntei depois de a abraçar. - Tinha esperança de que não ficasse com raiva para sempre. - Não foi isso. – neguei com firmeza – Eu só senti como se você estivesse tentando tirar meu pai de mim. - Eu n&ati
Emmanuele Eu não esperava que Guilherme fosse jovem, estava imaginando um idoso relativamente parecido com o advogado que havia encontrado mais cedo, mas ele devia ter mais ou menos a minha idade, era alto, com cabelos castanhos volumosos e olhos tão escuros que pareciam pretos. - Emanuele? – sua voz soou antes que eu pudesse cumprimentar. - Sim. – confirmei me aproximando. - Guilherme. – ele estendeu a mão para mim, e a apertei, observando o quanto era grande perto da minha. Sorri
Emmanuele Guilherme e eu nos evitamos pelos dois dias seguintes, concentrados em vasculhar toda a casa. Eu estava em busca de respostas, e acredito que ele tivesse o mesmo objetivo, mas não combinamos qualquer coisa. Até mesmo começamos a fazer as refeições em horários distintos. Em um acordo não verbal, eu sempre acabava comendo primeiro e quando estava me retirando, ele aprecia, me cumprimentava e essa era nossa única interação. Eu ficava agitada em sua presença, ansiosa, e pela forma que ele sempre evitava me olhar diretamente, Guilherme devia sentir algo parecido. O que estava acontecendo com nós dois? 
Emmanuele A volta para casa foi feita em um silêncio constrangedor. Nenhum de nós conseguia sequer olhar para o outro. Irmãos. Irmãos por parte de pai. Eu nunca havia me sentido tão suja em toda a minha vida. Como eu tinha olhado para o meu próprio irmão daquele jeito? Como eu podia ter me sentido daquela forma? Meu Deus, eu havia beijado o meu próprio irmão. Desci do carro assim que Guilherme parou, e subi as escadas correndo até o quarto onde estava hospedada. Eu não podia passar nem mais um segundo sob o mesmo teto que ele.&
Guilherme Não consegui dormir direito a noite toda e, quando finalmente desisti de ter algum descanso em paz, me levantei e fui até o quarto que Emanuele havia usado aqueles dias. Ainda havia seu cheiro pelas roupas de cama e, embora eu soubesse que era inadequado me sentir assim em relação a minha própria irmã, me acomodei ali até o sol nascer. Era irônico porque eu havia desejado ter irmãos durante uma boa parte da minha vida, e agora tudo que eu mais desejava era que não fosse verdade. Quando desci para o café da manhã, Ana já havia deixado tudo pronto e estava ocupada com outras coisas da casa. Me sentei sozinho, sentin
Guilherme Na prática foi muito mais complicado do que eu esperava. Por mais que as lembranças fossem se tornando mais suaves com a passagem dos dias, não havia um dia em que não surgissem memórias involuntariamente. Eu me pegava pensando o que Emanuele estaria fazendo naquele horário, se ela já estaria dormindo, se também pensava em mim com uma frequência que não deveria. Será que ela se sentia culpada como eu me sentia? Porque decididamente eu não pensava nela como um irmão de verdade, e já estava ciente de que acabaria no inferno no futuro. - Tem certeza de que não quer sair um pouco? – os convites de Jo
Emanuele - Você estava completamente incrível essa noite! – exclamei quando Ester desceu do palco. Ela sorria, radiante, e havia tanta paixão exalando do seu corpo que era impossível não me contagiar. Minha irmã era incrível, talentosa e eu estava muito orgulhosa. - Jura? – perguntou, ofegante, segurando minhas mãos. - Claro que sim! – apertei suas mãos, sorrindo, enquanto a plateia ainda terminava de aplaudir ao nosso redor. Martim subiu no
Emanuele - O que está achando? – Ester me perguntou, rodando na frente do espelho. - Ainda não dá para achar muita coisa. – respondi com sinceridade. O tecido branco, ainda em fases iniciais de se transformar em um vestido, não dava muita margem para imaginação. A costureira estava concentrada, observando cada detalhe e fazendo perguntas para saber exatamente o que Ester desejava. - Vai ficar incrível. – ela comentou sonhadoramente. Quando saímos,