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Emmanuele

                 Dois dias depois eu estava dentro do meu carro, voltando para a casa da minha mãe sem nem mesmo avisar, com um pouco de medo do que poderia descobrir. Mas quando estacionei na frente, percebi que eu era esperada.

                - Sabia que eu vinha? – perguntei depois de a abraçar.

                - Tinha esperança de que não ficasse com raiva para sempre.

                - Não foi isso. – neguei com firmeza – Eu só senti como se você estivesse tentando tirar meu pai de mim.

                - Eu não tenho esse poder. – ela me puxou para o sofá, onde nos sentamos lado a lado – O que você viveu com Marcos, será sempre de vocês.

                Eu precisava concordar. O passado era o que era, e ninguém podia mudar.

                - Mas você não veio aqui para falar sobre ele. – rapidamente ela retomou o assunto.

                - Quero que me diga o que precisava dizer aquele dia. – eu olhava para o chão.

                Ela não se apressou. Respirou fundo algumas vezes, esfregou as mãos, e pareceu escolher as palavras com cuidado.

                - Emanuele, como comecei a dizer naquele dia, seu pai era um médico que passava pela fazenda onde eu trabalhava. Nós nos relacionamos por pouco tempo, e eu realmente acreditei que ele nutria sentimentos por mim. – havia arrependimento em sua voz – Mas imediatamente depois de eu contar que estava grávida, ele me mandou embora com dinheiro.

                Eu já não simpatizava com esse homem estranho.

                - Eu não ouvi falar mais dele até dois anos atrás. – ela abaixou um pouco a voz – Quando fui informada de sua morte, e de que ele havia deixado uma coisa para você. Bom, provavelmente não é só para você, mas...

                - O quê? – interrompi – Esse homem misterioso morreu e me deixou... – fiquei em pé, agitada demais para permanecer parada – O que ele me deixou?

                - A casa dele. – finalmente ela me olhou – Posso te mostrar as coisas, o endereço...

                - Mãe. – ergui a mão no ar – Resumidamente, esse homem que nunca se preocupou comigo, me deixou a casa dele de herança?

                - Sim. – mamãe começou a torcer uma mão na outra – Eu não sei porque, Emanuele. Não sei o que aconteceu na vida dele e na da esposa.

                - Esposa. – repeti, me lembrando de que meu pai era um homem casado – Eu tenho algum irmão por parte dele?

                - Eu realmente não sei. É possível.

                Minha cabeça parecia incapaz de pensar racionalmente. Eu deveria estar com raiva? De repente eu havia perdido não só um, mais dois pais. Não que eu estivesse muito triste pelo homem misterioso de olhos verdes.

                - Acha que eu devo ir até lá? – perguntei de repente, curiosa – Conhecer a casa?

                - Só se quiser. – ela respondeu com cuidado, sem conseguir entender o que eu estava sentindo – Emanuele, pensei várias vezes em te contar tudo isso, mas fiquei com medo.

                - Medo do que, mãe? – me sentei outra vez.

                - Medo de que você ficasse com raiva, de que não quisesse mais contato conosco. – ela numerava nos dedos – De que quisesse ir atrás da verdade, conhecer o seu pai.

                Não respondi nada. Eu realmente não sabia o que sentiria há dois anos, no meio do turbilhão da primeira traição de Rafael. Talvez agora fosse a hora certa, por mais que parecesse muito errado.

                - Acho que quero conhecer a casa. – falei por fim, decidindo – Não me importo muito com esse homem, mas no fundo, ele é parte de quem eu sou.

                - Tudo bem. – mamãe parecia feliz por eu não estar gritando nem algo do tipo – Eu te passo as instruções.

                Felizmente eu tinha trazido roupas, então logo estaria na estrada novamente. Ir sozinha me dava um pouco de nervoso, um frio na barriga, mas eu não poderia pedir a ninguém que me acompanhasse.

                - Só que eu vou ter que avisar o outro dono da casa. – mamãe falou alguns instantes depois, insegura – Não tenho a chave. Mas não se preocupe, eu tenho os papéis, sei com quem devo falar. Se preocupe apenas em chegar até lá.

                - Tudo bem. – concordei, resolvendo não fazer mais perguntas.

                Eu já tinha coisas demais na cabeça, coisas até em que eu não queria pensar, mas que insistiam em pipocar na minha mente. Por exemplo, como era esse homem, eu havia herdado mais coisas dele do que os olhos verdes? Por que ele tinha sido tão ruim com a minha mãe?

                Não demorou muito para mamãe entrar no meu quarto e dizer que tudo estava arranjado, mas isso não me fez ficar mais animada. Na verdade, a cada minuto que passava, eu ficava com mais medo do que encontraria.

                Mas eu precisava passar por cima de tudo aquilo e ir adiante. Se eu havia herdado uma casa, queria logo saber como ela era, e queria conhecer esse parente. Talvez ele, ou ela, tivesse alguma coisa mais concreta para me contar sobre meu pai.

                Logo cedo, no dia seguinte, eu me sentei no carro com um mapa apoiado no banco ao lado e as mãos tremendo de ansiedade. Mamãe também pareceu apreensiva ao se despedir de mim, talvez com receio de que me perdesse.

                O caminho pelo menos era bonito, as estradas levando cada vez mais para o interior. Eu gostava da natureza, de locais tranquilos e simples, mas nunca tinha ficado hospedada em nenhum lugar assim por causa de Rafael. Todas as viagens, todos os locais, tinham que ser refinados e chiques.

                A viagem era longa, e mesmo sem saber ler um mapa direito, não foi tão difícil achar o caminho certo. Depois de pegar alguns caminhos errados e precisar retornar, dei de cara com uma casa de fazenda muito maior do que estava esperando.

                Era toda construída em madeira, com uma varanda circundando toda a sua volta e janelas grandes de vidro, todas fechadas, no segundo andar. Quando estacionei, ao lado de um outro veículo, percebi que havia uma pequena capela, muito mais simples se comparada a casa, também feita em madeira e com as portas fechadas por um cadeado.

                Haviam árvores ao fundo, e ao longe avistei morros que tornavam a paisagem impecável. Me surpreendi por gostar tanto do local logo de cara, eu esperava ter uma sensação ruim, mas era tudo tão agradável que foi impossível me sentir assim.

                A porta da frente se abriu e um homem baixo e um tanto careca surgiu. Aquele devia ser o tal parente.

                - Boa tarde. – cumprimentei me aproximando – O senhor é o outro dono da casa?

                - Boa tarde, senhorita. – ele se curvou brevemente – Não, sou apenas um advogado. Vim lhe entregar suas chaves e dizer que o senhor Guilherme chegará apenas à noite.

                Aceitei as chaves que ele me passou um pouco decepcionada. Não esperava passar o dia todo sozinha.

                - Devo ir agora. – ele começou a caminhar para seu carro – Fique à vontade. É tudo da senhorita.

                Assim que seu carro desapareceu em uma nuvem de poeira, fiquei um pouco preocupada por estar sozinha em um lugar afastado e esperando por alguém que não conhecia. De repente minha ideia pareceu terrível perigosa.

                Passei pela porta da frente e vi os moveis antigos completamente impecáveis. O cômodo era bem amplo, mas um pouco vazio demais, talvez em outra época houvesse mais decoração.

                - Senhorita Emanuele? – uma mulher surgiu, me fazendo dar um pulo para trás com um grito de susto – Me perdoe, senhorita. – ela correu até mim, angustiada.

                - Eu não fui avisada de sua presença. – falei, tocando a mão no peito para sentir o coração acelerado.

                - O senhor Guilherme me contratou para deixar a casa um pouco mais apresentável e trazer comida. – ela explicou, atropelando um pouco as palavras – Meu nome é Ana.

                - Isso é bom. – respirei fundo, me recompondo – Fico mais tranquila com você.

                - Eu imagino. – ela sorriu – Eu ficaria nervosa de ficar em um lugar tão afastado.

                Depois de almoçar uma comida maravilhosa que Ana havia preparado, explorei um pouco a casa. Fiquei um pouco surpresa ao constatar que haviam cinco quartos, mas a vista das árvores que encontrei em um deles me deixou completamente encantada, assim como o colchão macio.

                Tirei o restante do dia para descansar, e avisei à Ana que jantaria quando Guilherme chegasse. Seria um bom modo de iniciar uma conversa, com algo para ocupar as mãos e a boca, caso a conversa fosse truncada.

                Já havia escurecido completamente quando escutei o carro se aproximando. Nervosa, me olhei uma última vez no espelho, respirei fundo, e desci a escadaria no exato instante em que a porta da frente estava se abrindo.

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