Clara não conseguia parar de pensar no estranho encontro da tarde passada. Miguel, com seu charme enigmático e olhar hipnotizante, parecia ter deixado uma marca indelével nela. A noite foi longa, repleta de pensamentos inquietos e fragmentos de diálogos imaginários. Quando o sol finalmente rompeu o horizonte, ela sabia que precisava focar.
Mas o destino tinha outros planos. Estava debruçada sobre o computador, revisando um capítulo de seu novo romance, quando a campainha do apartamento tocou. Não era comum receber visitas, ainda mais tão cedo. Clara levantou-se, curiosa, e abriu a porta apenas para encontrar um pequeno envelope dourado sobre o capacho. Sem remetente. Apenas seu nome, escrito em uma caligrafia elegante e firme. Intrigada, ela abriu o envelope. Dentro, havia um convite minimalista com um endereço e horário para aquela mesma noite. Abaixo, uma assinatura curta: Miguel Duarte. Clara hesitou. Qualquer pessoa em seu lugar descartaria o convite, mas algo na memória de seus olhos e na forma como ele falou sobre seus livros a impelia a aceitar. Contra sua lógica, decidiu que iria. O endereço a levou a um restaurante sofisticado no coração da cidade, conhecido por sua exclusividade e atmosfera intimista. Clara sentiu-se deslocada ao entrar, seu vestido simples contrastando com o luxo ao seu redor. Mas Miguel já estava esperando. Ele se levantou assim que a viu, impecável em um terno escuro que parecia feito sob medida. O sorriso que lhe dirigiu foi suficiente para fazê-la esquecer qualquer desconforto. "Fico feliz que tenha vindo," disse ele, puxando a cadeira para que ela se sentasse. "Não costumo aceitar convites misteriosos, mas, considerando a maneira como me abordou no café, imaginei que não seria uma ameaça," respondeu ela, um tom brincalhão escondendo sua inquietação. Miguel riu baixo, e o som ressoou como uma melodia no ambiente. "Você é perspicaz. Eu só queria agradecer pessoalmente. Seus livros têm um significado especial para mim." "Especial como?" Clara inclinou-se ligeiramente, curiosa. Ele desviou o olhar por um momento, como se estivesse escolhendo cuidadosamente as palavras. "Digamos que, em uma vida cheia de caos, suas histórias me lembraram que há coisas bonitas e simples que ainda valem a pena." Clara ficou sem palavras por um instante. Não esperava tal confissão, especialmente de alguém que parecia tão inabalável. A conversa fluiu com uma facilidade surpreendente. Miguel era encantador, mas havia um cuidado em suas palavras que Clara achou intrigante. Ele evitava falar sobre si mesmo, sempre redirecionando o foco para ela, seus livros, suas inspirações. "O que está escrevendo agora?" ele perguntou, genuinamente interessado. "Uma história sobre uma mulher que se perde no desejo e precisa decidir se cede ao perigo ou recua para salvar seu coração," respondeu ela, com um sorriso enigmático. "Interessante. O perigo, às vezes, pode ser libertador," disse ele, inclinando-se ligeiramente na direção dela. "Mas também destrutivo." As palavras dele provocaram uma onda de arrepios em Clara, como se ele estivesse falando de algo muito pessoal. Antes que pudesse aprofundar a conversa, Miguel mudou abruptamente o tom. "Gostaria de mostrar-lhe algo," disse ele, levantando-se e estendendo a mão. Clara hesitou. Não sabia exatamente o que ele pretendia, mas sua curiosidade venceu a prudência. Pegou a mão dele e o seguiu para fora do restaurante. Miguel a levou até uma praça isolada, iluminada pela luz suave de lampiões antigos. No centro, havia uma pequena fonte, onde a água cintilava sob a luz da lua. "Eu costumava vir aqui quando era criança," confessou ele, com um olhar distante. "Quando as coisas ficavam complicadas, este era meu refúgio." Clara percebeu que este momento era mais do que um gesto casual. Miguel estava abrindo uma parte de si, algo que claramente não fazia com frequência. "É lindo," disse ela, olhando ao redor. "Assim como você," ele respondeu, a voz baixa, quase um sussurro. Clara sentiu seu coração acelerar. O olhar dele era intenso, como se pudesse enxergar além de suas palavras. Mas antes que pudesse responder, ele deu um passo para trás, como se tivesse se dado conta de que cruzara uma linha invisível. "Desculpe," disse ele, desviando o olhar. "Não quero que pense que estou sendo imprudente." "Você não foi," Clara respondeu, com um sorriso leve. O momento foi interrompido por um toque de telefone. Miguel atendeu rapidamente, a expressão em seu rosto mudando de calma para tensão em segundos. "Preciso ir," disse ele, desligando. "Mas quero vê-la de novo." Antes que Clara pudesse responder, ele tirou do bolso um cartão com seu número. "Por favor, ligue-me." E então ele partiu, deixando-a sozinha na praça, com mais perguntas do que respostas. O ar frio da noite envolvia Clara enquanto ela permanecia ali, segurando o cartão. Miguel era um mistério, e parte dela sabia que deveria manter distância. Mas outra parte, mais forte, estava ansiosa para descobrir o que ele escondia. Ao virar-se para voltar para casa, Clara sabia que acabara de entrar em um território perigoso – e irresistivelmente excitante.Clara não conseguiu tirar Miguel de sua mente. Mesmo depois de voltar para o conforto do seu apartamento, sozinha com o silêncio e as paredes que conheciam seus segredos, ela não conseguia parar de pensar nele. A noite havia sido uma mistura de encantamento e confusão, e seu coração ainda batia mais rápido sempre que lembrava de seu toque, da suavidade com que ele a conduziu pela praça, e daquela última troca de olhares, carregada de intenções não ditas.Ela tentou se concentrar no seu livro, mas as palavras se desfaziam diante de seus olhos, como se as páginas estivessem falando de algo muito distante, enquanto ela mesma se afundava em um mar de pensamentos sobre Miguel. Mas ele ainda estava em sua vida, e, como um imã, parecia atraí-la a cada instante.O telefone sobre a mesa de café vibrou, interrompendo sua reverie. Era uma mensagem de Miguel."Clara, me permita a chance de lhe mostrar algo mais. Eu gostaria de passar mais tempo com você. Que tal amanhã, no mesmo lugar?"Ela olhou
O toque de Miguel foi como um choque elétrico que percorreu cada centímetro do corpo de Clara. Ele estava tão perto que ela podia sentir sua respiração, quente e constante, contra sua pele. Seu coração batia como um tambor, e todas as suas defesas, meticulosamente construídas ao longo dos anos, começaram a desmoronar."Clara..." Miguel sussurrou novamente, sua voz carregada de desejo, mas também de uma angústia que ela não conseguia decifrar.Por um instante que pareceu uma eternidade, Clara sentiu-se atraída para ele como uma mariposa para a chama. Mas algo em seu interior gritou para que parasse. Não era medo – era a intuição de que havia algo de errado, algo que ele ainda não estava revelando."Miguel, eu..." ela começou, mas suas palavras foram interrompidas quando ele se afastou abruptamente, como se tivesse percebido a mesma linha invisível que ela sentira."Desculpe," disse ele, passando a mão pelos cabelos em um gesto nervoso. "Eu não deveria ter feito isso. Não quero que você
A noite em que Miguel a deixou sozinha na orla parecia se repetir na mente de Clara como um filme antigo, cheio de falhas e interrupções. Ela sabia que havia algo mais naquelas palavras dele, algo que ele ainda não conseguira ou não quisera revelar. E, mesmo assim, sentia-se puxada para ele como nunca antes.Durante os dias seguintes, ela tentou se concentrar em seu trabalho, mas a página em branco no ecrã do computador parecia zombar dela. Sua mente estava presa em uma tempestade emocional, dividida entre o desejo de descobrir mais sobre Miguel e o medo de se afundar em algo que não conseguiria controlar.Na terceira noite, quando finalmente decidiu que precisava se distanciar, o som da campainha quebrou o silêncio. O coração dela disparou. A esta hora, só podia ser ele.Clara abriu a porta e encontrou Miguel parado ali, vestido de forma casual, mas com a mesma intensidade no olhar que a deixava sem chão. Ele segurava uma garrafa de vinho na mão e um sorriso hesitante no rosto."Não
Clara encarou a mensagem no ecrã do telefone, o coração disparado. As palavras eram tão simples quanto perturbadoras: "Cuidado com quem você confia, Clara. Ele não é quem você pensa."Ela releu várias vezes, como se as letras pudessem mudar, como se algo pudesse oferecer mais contexto. O número era desconhecido, e não havia nenhum indicativo de quem poderia tê-la enviado. Sentindo-se vulnerável, Clara trancou a porta e colocou o telefone sobre a mesa.Tudo no encontro com Miguel parecia mais intenso agora, como se cada palavra dita ou gesto feito tivesse ganhado um novo significado. Quem estava observando? E por quê?Na manhã seguinte, Clara tentou retomar a rotina. Escreveu algumas páginas, mas as palavras pareciam desconexas, vazias. A tensão da noite passada ainda pairava sobre ela, e o pensamento de Miguel não saía de sua cabeça.Por volta do meio-dia, decidiu que precisava confrontá-lo. Pegou o telefone e ligou para o número que ele havia deixado no cartão."Clara," respondeu Mig
O Café Aurora era um pequeno refúgio escondido no centro da cidade, com cadeiras de madeira desgastadas e uma luz suave que passava pelos vitrais coloridos. Clara chegou pontualmente, mas a sensação de desconforto a acompanhava desde o momento em que decidiu ir.O lugar estava relativamente vazio para a tarde, exceto por um homem sentado em um canto isolado. Ele usava um chapéu escuro e um casaco que parecia grande demais para o clima ameno. Clara reconheceu-o pela descrição da mensagem enviada na noite anterior: "Estarei no canto esquerdo, com um chapéu cinza."Clara respirou fundo e aproximou-se hesitante. O homem ergueu o olhar assim que ela parou ao lado da mesa. Seus olhos eram penetrantes, mas havia algo familiar neles, como se conhecesse sua história antes mesmo de ouvi-la."Clara Monteiro?" perguntou ele, com a voz baixa e firme."Sim," respondeu ela, tentando soar confiante."Por favor, sente-se. Temos muito a conversar."Ela obedeceu, mas manteve os braços cruzados, como se
Naquela noite, enquanto Clara tentava dormir, flashes de seu passado a assombravam como se estivessem vivos. Não era apenas Miguel que a perturbava, mas a sensação de que, por toda a sua vida, ela havia esperado por algo – ou alguém – que finalmente desse sentido às histórias que escrevia.Clara cresceu em uma pequena cidade, cercada por colinas e pouco mais. Sua infância foi marcada por uma educação rígida. Seus pais, práticos e reservados, acreditavam que sonhos eram uma distração perigosa. Sempre que Clara mencionava o desejo de ser escritora ou falava sobre paixões, sua mãe respondia com a mesma frase: "Paixão é para os fracos. A vida precisa de equilíbrio."Ela nunca conhecera o tipo de amor que descrevia em seus livros. O mais próximo disso fora um relacionamento monótono com Pedro, um contador que ela namorara durante a universidade. Ele era gentil, mas previsível. Com ele, não havia adrenalina, nem a sensação de perder o chão. Quando terminaram, Clara sentiu alívio, mas também
O Encontro no CaféQuando Clara chegou ao café, Miguel já estava lá, sentado à mesma mesa em que haviam se conhecido. Ele parecia distraído, o olhar perdido na chuva que batia contra o vidro."Você veio," disse ele, levantando-se assim que a viu e caminhando em sua direção."Eu precisava vir," respondeu Clara, sentando-se à sua frente.Por um momento, nenhum dos dois falou. O som da chuva preenchia o silêncio entre eles, até que Miguel suspirou profundamente como se estivesse se preparando para conversa que viria em seguida."Clara, eu sei que te dei motivos para desconfiar de mim. Mas preciso que saiba que, desde o início, tudo o que fiz foi para proteger você."Ela o encarou, seus olhos buscando qualquer sinal de mentira. "Você quer que eu confie em você, mas como posso? Cada vez que descubro algo sobre o seu passado, parece que há mais segredos escondidos."Miguel inclinou-se para frente, sua voz baixa e séria. "Eu já te disse que fiz coisas das quais me arrependo. Mas não quero ma
O silêncio que se seguiu à promessa de Miguel parecia carregado de algo mais, como se ele tivesse mais a dizer, mas estivesse lutando para encontrar as palavras certas. Clara sentiu isso e decidiu pressioná-lo."Há mais, não é?" perguntou ela, sua voz baixa, mas firme. "Se vamos fazer isso juntos, Miguel, quero tudo. Nada de segredos."Ele desviou o olhar, visivelmente desconfortável. Passou as mãos pelo cabelo e suspirou profundamente antes de encará-la novamente."Há algo que você precisa saber... sobre como eu te encontrei," começou ele, escolhendo cada palavra com cuidado. "Não foi por acaso, Clara. Eu sabia quem você era antes mesmo de entrar naquele café."O coração dela acelerou. "O que quer dizer com isso?"Miguel inclinou-se para frente, seus olhos intensos fixos nos dela. "Há alguns meses, encontrei um dos seus livros por acaso. Foi deixado em um apartamento que eu... precisei visitar a trabalho. Não sei como ele foi parar lá, mas, enquanto esperava, comecei a ler. E, Clara,