A primeira fratura

O toque de Miguel foi como um choque elétrico que percorreu cada centímetro do corpo de Clara. Ele estava tão perto que ela podia sentir sua respiração, quente e constante, contra sua pele. Seu coração batia como um tambor, e todas as suas defesas, meticulosamente construídas ao longo dos anos, começaram a desmoronar.

"Clara..." Miguel sussurrou novamente, sua voz carregada de desejo, mas também de uma angústia que ela não conseguia decifrar.

Por um instante que pareceu uma eternidade, Clara sentiu-se atraída para ele como uma mariposa para a chama. Mas algo em seu interior gritou para que parasse. Não era medo – era a intuição de que havia algo de errado, algo que ele ainda não estava revelando.

"Miguel, eu..." ela começou, mas suas palavras foram interrompidas quando ele se afastou abruptamente, como se tivesse percebido a mesma linha invisível que ela sentira.

"Desculpe," disse ele, passando a mão pelos cabelos em um gesto nervoso. "Eu não deveria ter feito isso. Não quero que você se sinta pressionada."

Clara ficou em silêncio, tentando processar o turbilhão de emoções que sentia. Por mais que quisesse ceder ao momento, sabia que precisava entender mais sobre Miguel antes de dar qualquer passo adiante.

"Não é isso," respondeu ela, escolhendo cuidadosamente as palavras. "Mas... você é um mistério, Miguel. Não consigo ignorar a sensação de que você está escondendo algo."

Ele desviou o olhar, seus ombros tensos como se estivesse carregando um peso invisível. Por um momento, Clara pensou que ele não responderia, mas então ele suspirou, como alguém que havia tomado uma decisão difícil.

"Você está certa," admitiu ele, a voz mais baixa agora. "Há coisas sobre mim que eu ainda não te contei. Coisas que podem te fazer querer ir embora."

Clara sentiu um frio na espinha. Parte dela queria insistir, exigir respostas, mas outra parte sabia que precisava dar espaço para que ele falasse quando estivesse pronto.

"Se há algo que eu preciso saber, Miguel, diga-me. Não gosto de me sentir no escuro."

Ele olhou para ela, seus olhos azuis mais sombrios do que nunca. "Eu prometo que vou te contar tudo. Mas não agora. Preciso de mais tempo."

Clara assentiu, relutante. Não era a resposta que queria, mas era o suficiente por enquanto.

Os dias seguintes foram uma mistura de silêncio e tensão. Miguel manteve-se em contato, enviando mensagens e fazendo perguntas sobre seu trabalho, mas sempre evitando qualquer assunto que pudesse tocar no que ele havia prometido revelar. Clara tentava se concentrar em seu livro, mas suas palavras soavam vazias, como se algo dentro dela estivesse esperando para ser preenchido por Miguel.

Uma semana depois, ele a convidou para jantar novamente. Desta vez, escolhera um restaurante mais casual, mas o nervosismo dela era ainda maior.

Quando chegou, Miguel já estava à espera, sua expressão tensa e introspectiva.

"Obrigada por me convidar," disse Clara, tentando aliviar o clima.

"Eu precisava te ver," respondeu ele, com sinceridade em cada palavra.

Eles conversaram sobre trivialidades durante o jantar, mas Clara sabia que ele estava se segurando, e isso a deixava cada vez mais inquieta. Quando terminaram, Miguel pagou a conta rapidamente e a levou para um passeio pela orla.

O vento frio do rio fazia Clara estremecer, e Miguel, sem hesitar, tirou o casaco e colocou sobre seus ombros. Era um gesto simples, mas cheio de cuidado, e Clara sentiu-se dividida entre o calor do momento e a tensão crescente que ele parecia carregar.

"Clara," ele começou, parando para encará-la. "Eu não queria te envolver nisso, mas acho que você merece saber."

Ela parou também, olhando para ele com o coração acelerado.

"Eu não sou o homem que você pensa que eu sou," disse ele, sua voz baixa. "Meu passado é... complicado. Eu fiz coisas das quais não me orgulho, e ainda estou tentando sair disso. Há pessoas que me observam, que me controlam. E estar perto de mim pode ser perigoso para você."

Clara ficou em silêncio, tentando processar suas palavras. Por mais que soubesse que havia algo obscuro em Miguel, ouvir aquilo de sua boca era diferente.

"Por que você me deixou me aproximar então?" ela perguntou finalmente, a voz embargada.

"Porque eu não consegui ficar longe de você," confessou ele, sua honestidade a deixando sem fôlego. "Você é a primeira coisa boa que acontece na minha vida em muito tempo."

Clara sentiu um nó na garganta. Parte dela queria se afastar, proteger-se do que parecia ser um problema muito maior do que poderia lidar. Mas outra parte queria ficar, queria entender, queria ajudá-lo.

"Eu não sei o que dizer," admitiu ela, olhando para o rio à sua frente.

"Eu não espero que você decida agora," respondeu Miguel. "Só quero que saiba a verdade. E quero que escolha com liberdade."

Ele segurou a mão dela por um breve momento antes de soltá-la.

"Se decidir que não pode continuar com isso, eu vou entender."

Clara sentiu um misto de raiva, medo e desejo enquanto o observava se afastar lentamente, deixando-a sozinha à beira do rio.

E, no fundo, sabia que sua escolha já havia sido feita.

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