Quando o último capanga caiu, o parque mergulhou em um silêncio perturbador. Miguel correu até Rafael, ajoelhando-se ao lado dele.“Gabriel, aguente,” disse ele, pressionando a ferida com as mãos.Gabriel tossiu, um sorriso fraco surgindo em seus lábios. “Sabia que isso ia dar errado... Mas tinha que tentar, né?”“Você vai sair dessa,” disse Miguel, com a voz embargada.Gabriel balançou a cabeça, segurando o braço de Miguel. “Faça valer a pena... Eles não podem ganhar.”Com um último suspiro, Gabriel fechou os olhos, deixando Miguel sozinho com sua dor.Miguel olhou para o corpo de François, que estava caído a poucos metros de distância. O policial, a única chance de expor a organização, estava morto. A realidade o atingiu como um golpe: ele não tinha mais opções.Miguel sabia que a organização exigiria respostas. Sua única chance de sobrevivência era se os capangas não tivessem passado a informação de traição antes de morrerem. Ele precisava criar uma narrativa que salvasse sua própr
Clara estava no apartamento, sentada à mesa com o manuscrito à sua frente. As palavras vinham lentamente naquele dia. A pressão da organização, a constante vigilância e o medo de que qualquer movimento errado pudesse ser fatal tornavam difícil focar em sua escrita.Um som interrompeu seus pensamentos: batidas leves na porta. Ela franziu a testa. Não estava esperando ninguém, e Miguel não havia pedido nada naquela manhã. Cautelosamente, levantou-se e olhou pelo olho mágico.Um entregador segurava uma sacola de comida, usando o uniforme de um restaurante que Clara não reconheceu. Ela hesitou antes de abrir a porta.“Pedido para Clara,” disse o homem, entregando a sacola.“Eu não fiz nenhum pedido,” respondeu ela, desconfiada.“Eu só entrego,” disse ele, dando de ombros.Clara aceitou a sacola e fechou a porta rapidamente. Ao abrir o pacote, encontrou algo que não esperava: uma carta dobrada entre recipientes de comida.Clara pegou a carta com mãos trêmulas, olhando para o envelope branc
Clara respirou fundo, tentando reunir coragem. Ela sabia que a situação era arriscada, mas também sabia que não tinha outra escolha.O Café des Lumières era charmoso, com suas mesas de madeira e cadeiras acolchoadas em tons de vermelho desbotado. Clara entrou devagar, segurando a bolsa com o bilhete escondido. O ambiente estava tranquilo, com apenas alguns clientes conversando em voz baixa.Ela pediu um café, tentando parecer casual, e sentou-se à terceira mesa à esquerda, conforme as instruções. Tirou o bilhete da bolsa e, discretamente, o deslizou para debaixo da mesa:"Prove que posso confiar em você."Clara tomou alguns goles do café e olhou ao redor. Ninguém parecia prestar atenção nela, mas a sensação de estar sendo observada não a abandonava.Depois de alguns minutos, levantou-se, deixou o dinheiro sobre a mesa e saiu do café com passos firmes, mas controlados.Mais tarde, em casa, Clara tentava voltar ao manuscrito. As palavras pareciam vazias naquele momento, enquanto sua men
A manhã seguinte trouxe um céu cinzento e carregado, como se refletisse a tensão no ar. Clara acordou cedo, incapaz de dormir depois de ler a carta de André. A história de Juliette ficava se repetindo em sua mente, como um aviso sombrio.Miguel estava na cozinha, preparando café enquanto verificava seu telefone. Seu olhar era sério, e as olheiras abaixo dos olhos mostravam que ele também não havia dormido bem.“Alguma novidade?” perguntou Clara, entrando na cozinha.Miguel ergueu os olhos e balançou a cabeça. “Nada ainda. Mas isso não significa que estamos seguros.”Clara sentou-se à mesa, segurando a xícara que ele lhe entregou. “Miguel... E se André estiver sendo sincero? Se ele realmente quiser nos ajudar?”“Eu sei que parece assim,” disse Miguel, puxando uma cadeira para sentar ao lado dela. “Mas precisamos ser cuidadosos. Mesmo que ele esteja falando a verdade, isso não significa que podemos confiar completamente. Ele pode estar sendo manipulado sem saber.”“Mas o que fazemos ent
“Boa noite, Miguel,” veio a voz de Hector, cortês, mas com um tom calculado que o fez apertar o telefone com mais força. “Tenho um convite para você e para sua encantadora senhorita Clara. Jantar amanhã à noite. Quero discutir o progresso do livro e... outros assuntos.”Miguel manteve a voz controlada. “Claro. Onde e a que horas?”“Restaurante Le Soleil, às oito. Um lugar refinado, à altura da nossa conversa. Espero que tragam apetite e respostas,” respondeu Hector, com um sorriso perceptível na voz.Antes que Miguel pudesse responder, a ligação foi encerrada. Ele largou o telefone na mesa, o maxilar tenso.“Era Hector,” disse ele, levantando os olhos para Clara.Ela congelou, largando a caneta que segurava. “O que ele queria?”“Um jantar,” respondeu Miguel, o tom carregado de ironia. “Um jantar onde ele quer falar sobre o livro... e, provavelmente, nos lembrar de que estamos nas mãos dele.”Clara sentiu um calafrio. A ideia de estar cara a cara com Hector a apavorava, mas ela sabia q
Clara não contou a Miguel, mas ficou impressionada com o quão bem ele conhecia detalhes como estilo e sofisticação. Enquanto voltavam para casa, pensou consigo mesma que ele tinha um gosto impecável – algo que parecia contrastar com o lado sombrio de sua vida.No entanto, o pensamento trouxe outra questão: como Miguel havia adquirido aquele gosto refinado? Ele já havia usado essas habilidades antes, talvez para conquistar outras mulheres em missões? A dúvida a fez sentir-se desconfortável, mas ela decidiu não abordar o assunto. Havia coisas mais urgentes em que pensar.Quando chegaram ao restaurante, a fachada iluminada os recebeu com um brilho convidativo. Le Soleil era um local discreto, mas luxuoso, com uma entrada decorada por flores frescas e tapetes vermelhos que pareciam saídos de um filme.O maître os cumprimentou com um sorriso polido e conduziu-os para o andar superior, onde uma área privada os aguardava. Clara sentiu o estômago apertar enquanto subiam as escadas.No centro
Miguel permaneceu em silêncio com o rosto imóvel.“Seu charme sempre foi útil,” continuou Hector, com um olhar rápido para Clara. “Especialmente quando precisávamos atrair escritoras inocentes para nosso círculo.”Clara sentiu o sangue ferver, mas Miguel apertou suavemente sua mão debaixo da mesa, pedindo que ela mantivesse a calma.“E, claro, não posso esquecer seu talento como atirador,” disse Hector, com um sorriso frio. “Você é um dos melhores que já tivemos. É uma pena que ultimamente tenha deixado isso de lado.”Miguel ergueu os olhos, encarando Hector diretamente. “Faço o que precisa ser feito.”Hector riu suavemente. “Espero que continue assim. Afinal, todos somos substituíveis, não acha?”O silêncio que seguiu foi tão pesado quanto o próprio jantar. Clara sentiu que cada palavra de Hector era uma ameaça disfarçada, um lembrete de quem realmente controlava o jogo.“Duas semanas, Clara,” repetiu Hector, erguendo sua taça. “Estou ansioso para ler sua obra.”Quando o jantar final
O som da chuva batendo contra a vidraça preenchia o silêncio do pequeno café no centro da cidade. Clara ergueu o olhar do seu caderno de anotações quando a porta se abriu, trazendo uma rajada de vento frio e um homem de presença avassaladora. Ele era alto, com cabelos castanhos desordenados que combinavam com a barba rala. Os olhos, de um azul intenso, pareciam explorar cada canto do espaço antes de pousarem nela."Com licença," disse ele, a voz grave e carregada de uma confiança desarmante. "Este lugar está ocupado?"Clara engoliu em seco, percebendo que a mesa onde estava era a última vaga no café lotado. Com um aceno de cabeça, apontou para a cadeira à sua frente. Ele sorriu de lado e sentou-se, ajeitando o sobretudo molhado com movimentos precisos."Obrigado," murmurou, antes de abrir um livro desgastado e começar a ler.Mas Clara não conseguia desviar os olhos dele. Algo no jeito como ele parecia alheio ao ambiente a intrigava. Ela tentava voltar ao seu trabalho, mas as palavras