Clara não conseguiu tirar Miguel de sua mente. Mesmo depois de voltar para o conforto do seu apartamento, sozinha com o silêncio e as paredes que conheciam seus segredos, ela não conseguia parar de pensar nele. A noite havia sido uma mistura de encantamento e confusão, e seu coração ainda batia mais rápido sempre que lembrava de seu toque, da suavidade com que ele a conduziu pela praça, e daquela última troca de olhares, carregada de intenções não ditas.
Ela tentou se concentrar no seu livro, mas as palavras se desfaziam diante de seus olhos, como se as páginas estivessem falando de algo muito distante, enquanto ela mesma se afundava em um mar de pensamentos sobre Miguel. Mas ele ainda estava em sua vida, e, como um imã, parecia atraí-la a cada instante. O telefone sobre a mesa de café vibrou, interrompendo sua reverie. Era uma mensagem de Miguel. "Clara, me permita a chance de lhe mostrar algo mais. Eu gostaria de passar mais tempo com você. Que tal amanhã, no mesmo lugar?" Ela olhou para a tela, o pulsar da mensagem trazendo uma mistura de excitação e nervosismo. Não sabia o que estava esperando dele, nem o que procurava dentro daquela relação que, desde o início, parecia ser arriscada. A razão gritava para que ela resistisse, para que se afastasse de Miguel e voltasse para o seu mundo seguro e previsível. Mas a tentação era forte demais. Respondeu rapidamente, sem pensar muito: "Amanhã então. Mas sem mais surpresas." A resposta de Miguel veio quase que instantaneamente: "Sem surpresas. Apenas nós dois." No dia seguinte, Clara se preparou para o encontro com um misto de emoções conflitantes. Embora a noite anterior tivesse sido maravilhosa, algo dentro dela ainda sentia que estava se perdendo em algo que não compreendia completamente. O fato de Miguel ser tão enigmático, tão distante em certos momentos, só aumentava sua curiosidade. Havia algo nele que ela não podia ignorar, algo que a atraía irresistivelmente, mas também a deixava com a sensação de que estava lidando com um homem de múltiplas facetas. Quando chegou ao restaurante, Miguel já estava lá, esperando. Ele estava vestido de maneira impecável, como sempre, mas havia algo nos seus olhos que parecia mais intenso do que na última vez. Clara sentiu uma pontada de ansiedade, mas também uma chama de desejo que se acendia dentro de si, apesar de tentar se controlar. "Você veio," disse ele, com um sorriso que parecia carregar uma promessa. "Não poderia deixar de vir," respondeu Clara, tentando disfarçar o nervosismo na voz. Eles se sentaram, e enquanto o garçom tomava os pedidos, Clara notou a maneira como Miguel a observava, como se estivesse lendo suas emoções em cada movimento que ela fazia. Ele era incrivelmente atento, mas também misterioso demais. E isso a deixava desconfortável, embora ao mesmo tempo a fizesse querer se aproximar ainda mais. "Como tem sido o seu trabalho? Algum novo projeto?" perguntou Miguel, quebrando o silêncio. Clara sorriu, aliviada pela mudança de tópico. "Sim, estou tentando finalizar meu novo livro. É sobre uma mulher que luta contra o desejo e o medo de perder o controle. Acho que, no fundo, todos temos algo que nos impulsiona, não é? Algo que, se deixarmos livre, pode nos consumir." Miguel sorriu suavemente, um sorriso que parecia carregar mais significados do que ele queria revelar. "Acho que você descreveu muito bem a natureza humana, Clara. Todos nós temos esses impulsos. Mas a questão é saber até onde podemos ir antes que nos devoremos." As palavras dele, carregadas de intensidade, mexeram com Clara de maneira profunda. Ela sabia que Miguel estava falando mais de si do que de seu livro, e isso a inquietava. Ele estava sendo transparente, mas ao mesmo tempo guardava algo, algo que ela não conseguia alcançar. A conversa seguiu de maneira fluida, mas Clara sentia uma tensão crescente entre eles. Cada olhar que trocavam parecia carregar uma eletricidade silenciosa, e ela sabia que não demoraria muito até que essa tensão explodisse de alguma forma. Mas, por enquanto, ela tentava se manter firme, não permitindo que a curiosidade ou o desejo a dominassem. Ao final do jantar, Miguel sugeriu um passeio. "Há algo que gostaria de lhe mostrar", disse ele com um sorriso enigmático. O coração de Clara disparou. Ela sabia que o convite era uma provocação, mas, ainda assim, cedeu. Eles caminharam por ruas vazias, longe da agitação da cidade. Quando chegaram a um local isolado, um antigo prédio abandonado, Miguel parou. "Este é um lugar muito importante para mim", disse ele, olhando para o edifício com uma expressão distante. "Aqui, eu aprendi algumas lições difíceis." Clara ficou em silêncio, observando a construção deteriorada, mas havia algo nos olhos de Miguel que não passava despercebido. Ele estava ali, não apenas para mostrá-la ao seu mundo, mas para abrir uma janela para seu passado, e Clara sabia que não poderia ignorar isso. Antes que ela pudesse perguntar mais, Miguel se aproximou, seus olhos fixos nos dela. "Clara," disse ele, sua voz suave, mas carregada de emoção. "Você não sabe o quanto eu queria dizer isso desde o primeiro momento que te vi. O desejo que você desperta em mim é algo que eu não posso controlar." As palavras eram suaves, mas intensas, como um convite para algo que ela sabia que não poderia voltar atrás. Clara engoliu em seco, o medo misturado com o desejo consumindo-a. E, naquele instante, ela sabia que estava prestes a atravessar uma linha que não teria volta.O toque de Miguel foi como um choque elétrico que percorreu cada centímetro do corpo de Clara. Ele estava tão perto que ela podia sentir sua respiração, quente e constante, contra sua pele. Seu coração batia como um tambor, e todas as suas defesas, meticulosamente construídas ao longo dos anos, começaram a desmoronar."Clara..." Miguel sussurrou novamente, sua voz carregada de desejo, mas também de uma angústia que ela não conseguia decifrar.Por um instante que pareceu uma eternidade, Clara sentiu-se atraída para ele como uma mariposa para a chama. Mas algo em seu interior gritou para que parasse. Não era medo – era a intuição de que havia algo de errado, algo que ele ainda não estava revelando."Miguel, eu..." ela começou, mas suas palavras foram interrompidas quando ele se afastou abruptamente, como se tivesse percebido a mesma linha invisível que ela sentira."Desculpe," disse ele, passando a mão pelos cabelos em um gesto nervoso. "Eu não deveria ter feito isso. Não quero que você
A noite em que Miguel a deixou sozinha na orla parecia se repetir na mente de Clara como um filme antigo, cheio de falhas e interrupções. Ela sabia que havia algo mais naquelas palavras dele, algo que ele ainda não conseguira ou não quisera revelar. E, mesmo assim, sentia-se puxada para ele como nunca antes.Durante os dias seguintes, ela tentou se concentrar em seu trabalho, mas a página em branco no ecrã do computador parecia zombar dela. Sua mente estava presa em uma tempestade emocional, dividida entre o desejo de descobrir mais sobre Miguel e o medo de se afundar em algo que não conseguiria controlar.Na terceira noite, quando finalmente decidiu que precisava se distanciar, o som da campainha quebrou o silêncio. O coração dela disparou. A esta hora, só podia ser ele.Clara abriu a porta e encontrou Miguel parado ali, vestido de forma casual, mas com a mesma intensidade no olhar que a deixava sem chão. Ele segurava uma garrafa de vinho na mão e um sorriso hesitante no rosto."Não
Clara encarou a mensagem no ecrã do telefone, o coração disparado. As palavras eram tão simples quanto perturbadoras: "Cuidado com quem você confia, Clara. Ele não é quem você pensa."Ela releu várias vezes, como se as letras pudessem mudar, como se algo pudesse oferecer mais contexto. O número era desconhecido, e não havia nenhum indicativo de quem poderia tê-la enviado. Sentindo-se vulnerável, Clara trancou a porta e colocou o telefone sobre a mesa.Tudo no encontro com Miguel parecia mais intenso agora, como se cada palavra dita ou gesto feito tivesse ganhado um novo significado. Quem estava observando? E por quê?Na manhã seguinte, Clara tentou retomar a rotina. Escreveu algumas páginas, mas as palavras pareciam desconexas, vazias. A tensão da noite passada ainda pairava sobre ela, e o pensamento de Miguel não saía de sua cabeça.Por volta do meio-dia, decidiu que precisava confrontá-lo. Pegou o telefone e ligou para o número que ele havia deixado no cartão."Clara," respondeu Mig
O Café Aurora era um pequeno refúgio escondido no centro da cidade, com cadeiras de madeira desgastadas e uma luz suave que passava pelos vitrais coloridos. Clara chegou pontualmente, mas a sensação de desconforto a acompanhava desde o momento em que decidiu ir.O lugar estava relativamente vazio para a tarde, exceto por um homem sentado em um canto isolado. Ele usava um chapéu escuro e um casaco que parecia grande demais para o clima ameno. Clara reconheceu-o pela descrição da mensagem enviada na noite anterior: "Estarei no canto esquerdo, com um chapéu cinza."Clara respirou fundo e aproximou-se hesitante. O homem ergueu o olhar assim que ela parou ao lado da mesa. Seus olhos eram penetrantes, mas havia algo familiar neles, como se conhecesse sua história antes mesmo de ouvi-la."Clara Monteiro?" perguntou ele, com a voz baixa e firme."Sim," respondeu ela, tentando soar confiante."Por favor, sente-se. Temos muito a conversar."Ela obedeceu, mas manteve os braços cruzados, como se
Naquela noite, enquanto Clara tentava dormir, flashes de seu passado a assombravam como se estivessem vivos. Não era apenas Miguel que a perturbava, mas a sensação de que, por toda a sua vida, ela havia esperado por algo – ou alguém – que finalmente desse sentido às histórias que escrevia.Clara cresceu em uma pequena cidade, cercada por colinas e pouco mais. Sua infância foi marcada por uma educação rígida. Seus pais, práticos e reservados, acreditavam que sonhos eram uma distração perigosa. Sempre que Clara mencionava o desejo de ser escritora ou falava sobre paixões, sua mãe respondia com a mesma frase: "Paixão é para os fracos. A vida precisa de equilíbrio."Ela nunca conhecera o tipo de amor que descrevia em seus livros. O mais próximo disso fora um relacionamento monótono com Pedro, um contador que ela namorara durante a universidade. Ele era gentil, mas previsível. Com ele, não havia adrenalina, nem a sensação de perder o chão. Quando terminaram, Clara sentiu alívio, mas também
O Encontro no CaféQuando Clara chegou ao café, Miguel já estava lá, sentado à mesma mesa em que haviam se conhecido. Ele parecia distraído, o olhar perdido na chuva que batia contra o vidro."Você veio," disse ele, levantando-se assim que a viu e caminhando em sua direção."Eu precisava vir," respondeu Clara, sentando-se à sua frente.Por um momento, nenhum dos dois falou. O som da chuva preenchia o silêncio entre eles, até que Miguel suspirou profundamente como se estivesse se preparando para conversa que viria em seguida."Clara, eu sei que te dei motivos para desconfiar de mim. Mas preciso que saiba que, desde o início, tudo o que fiz foi para proteger você."Ela o encarou, seus olhos buscando qualquer sinal de mentira. "Você quer que eu confie em você, mas como posso? Cada vez que descubro algo sobre o seu passado, parece que há mais segredos escondidos."Miguel inclinou-se para frente, sua voz baixa e séria. "Eu já te disse que fiz coisas das quais me arrependo. Mas não quero ma
O silêncio que se seguiu à promessa de Miguel parecia carregado de algo mais, como se ele tivesse mais a dizer, mas estivesse lutando para encontrar as palavras certas. Clara sentiu isso e decidiu pressioná-lo."Há mais, não é?" perguntou ela, sua voz baixa, mas firme. "Se vamos fazer isso juntos, Miguel, quero tudo. Nada de segredos."Ele desviou o olhar, visivelmente desconfortável. Passou as mãos pelo cabelo e suspirou profundamente antes de encará-la novamente."Há algo que você precisa saber... sobre como eu te encontrei," começou ele, escolhendo cada palavra com cuidado. "Não foi por acaso, Clara. Eu sabia quem você era antes mesmo de entrar naquele café."O coração dela acelerou. "O que quer dizer com isso?"Miguel inclinou-se para frente, seus olhos intensos fixos nos dela. "Há alguns meses, encontrei um dos seus livros por acaso. Foi deixado em um apartamento que eu... precisei visitar a trabalho. Não sei como ele foi parar lá, mas, enquanto esperava, comecei a ler. E, Clara,
A noite estava envolta em uma calma incomum, a chuva que antes castigava as ruas agora transformada em um leve gotejar que ecoava nas calçadas molhadas. Clara sentia o ar úmido contra sua pele enquanto Miguel a acompanhava até a porta do apartamento. Os dois haviam caminhado lado a lado, suas conversas pontuadas por silêncios carregados de tensão.Quando chegaram à entrada, Clara virou-se para ele, com as chaves na mão. Seus olhos encontraram os dele, e o mundo pareceu parar."Quer entrar?" A pergunta saiu mais como um sussurro do que uma decisão.Miguel hesitou por um instante, mas então assentiu. "Só se você quiser."Clara não disse mais nada. Virou-se, destrancou a porta e abriu espaço para que ele passasse. Assim que entrou, Miguel tirou o casaco molhado e pendurou-o no cabideiro ao lado da porta. O ambiente estava quente e acolhedor, iluminado pela luz suave de um abajur.Clara fechou a porta, mas permaneceu de costas para ele por um momento, tentando controlar a tempestade de em