— Mas tão cedo e tu já tá aí nessa vida — falou a amiga, aparecendo na cozinha após entrar na casa sem se importar com a ausência de um convite. — Vim te chamar para ir ali na feira comigo.
Sandra era também uma moça de chamar muita atenção, tinha uma pele negra brilhante e bela, olhos escuros e um cabelo volumoso e enorme, que chamava atenção onde quer que ela fosse. Era bem alta e muito esbelta, facilmente poderia ser uma modelo, mas deixou esse sonho de lado, já que sua mãe não achava uma boa ideia por acreditar que todas aquelas moças acabavam como moças da vida, o que, certamente, não passava de uma ideia sem sentido algum que a mãe dela ouviu de alguma outra mulher. — Eu tenho que trabalhar, né — Cidinha revirou os olhos, terminando de enxaguar o último copo. — Vai fazer o que lá? — To precisando comprar umas coisas e, além disso, a arrumação para a festa já começou, podemos ver como as coisas vão ser esse ano! — a animação de Sandra ela clara, certamente ela queria muito que Cidinha a acompanhasse, com certeza sua mãe não a deixaria ir sozinha. — Tudo bem, painho só chega mais tarde mesmo, vamo lá, é bom que compro umas verduras também — ela respondeu, enxugando as mãos e soltando os cabelos. A mãe de Sandra era uma das poucas mulheres que entendia a situação de Cidinha e, mesmo sem saber da história toda, se compadecia dela, pois se via na pele da menina, desse modo, não afastava Sandra de Cida, pois sabia que ela era sozinha e precisava ao menos de uma amiga verdadeira. — Vamos, assim voltamos rapidinho! — Sandra confirmou, animada, batendo palmas e, logo depois, empurrando a amiga para dentro do quartinho. — Vai se trocar logo! — Tá bom, tá bom — ela confirmou, revirando os olhos e caminhando até o quartinho. Aquele era seu cantinho, seu pai dormia na sala para dar a ela um pouco de privacidade e o lugar tinha a cara dela. Apesar de ser bem simples, como toda a casa, via-se que era bem mimoso. Tinha cortinas de bolinhas na janelinha que não fechava, um armário pequeno com suas roupas, uma cama forrada com um lençol rosa e um mosquiteiro da mesma cor. Cida abriu o armário e tirou de lá um outro vestido, dessa vez florido, tirando sua camisola e o colocando, ajeitando no corpo e dando um sorriso, era um dos seus favoritos, abraçava seu corpo perfeitamente bem, deixava as coxas grossas a mostra, a bunda arrebitada e o tom laranja contratava com sua pele. Manteve os cabelos soltos e os jogou para trás, ajeitando os seios no busto do vestido e se virando para sua amiga, sorriu. — Vamo, antes que eu desista! Sandrinha agarrou o braço da amiga e, depois de pegar algumas notas na gaveta onde seu pai guardava o dinheiro da pesca, saíram as duas em direção à feira da cidade. Enquanto caminhavam, as mulheres da comunidade as encaravam com o rosto torcido, Cida chamava atenção por onde ia e isso não era novidade, mas, depois de tudo o que havia acontecido, as moças a olhavam com raiva ou nojo. Em contrapartida, os homens da vila a comiam com os olhos e a desejavam sem sequer disfarçar, o que também incomodava Cidinha, mas preferia isso aos olhares irritado das mulheres. — Olha ela! — falou seu Jorge, assim que a Cidinha entrou na feira. O local era pequeno, havia algumas barracas de verduras e alguns bares, além disso, havia muitas barracas de peixes. — Nem vem, Jorge, deixa minha amiga quieta! — Sandra entrou no meio, ficando na frente de Cida. Jorge era famoso por tentar desviar as meninas de seus caminhos, era bastante galante, apesar de não ser tão bonito. Em nada ele interessava a Cida, ou a Sandra. — É cachorro de guarda agora é, Sandrinha? Sabia não — resmungou o homem, fechando a cara para as duas e virando as coisas quando percebeu que não conseguiria o que queria. — Não liga amiga, esse aí parece um urubu, mas você não é carcaça não, é carne de primeira, não dá bola pra esse palhaço — Sandra falou, puxando a amiga para o lado oposto, em direção à feira. — Eu não ligo, mas queria que ele fosse meu maior problema — Cida respondeu, suspirando meio chorosa. — O que aconteceu? — Sandra perguntou, parando ao lado do centro da praça, onde começavam a arrumar a decoração de São João. — Ah, Sandrinha! Painho quer me casar com meu primo Zé!— Como é que é? — Sandra disse, assustada com a notícia dada de última hora.— Eu já não sei nem mais o que fazer, Sandra. Eu não quero me casar e já falei com painho, mas ele insiste que tem que ser com aquele homem nojento — enquanto falava, Cida fazia expressões de nojo, como se estivesse chupando um limão bem azedo. Os braços cruzados e o bico deixavam bem claro sua insatisfação com essa ideia.— Amiga, quando, como? Me conte do começo, porque eu não tô entendendo mais nada. De onde que seu Antônio tirou essa ideia da cabeça? E logo com o Zé? Tanto homem mais bem-apresentado nesse lugar — quanto mais ouvia, mais confusa Sandra ficava com a situação que sua amiga estava. Ela desejava tudo de bom a Cida e não a imaginava nunca indo se casar logo com um homem tão asqueroso como o primo.— Olha, sabe de uma, vamo terminar de comprar as coisas logo que seu pai chega e eu to batendo perna com ocê, ele num vai gostar. Bom que cê vai lá pra casa mais eu e assim explico logo do início. Pod
— Amiga, é o seguinte. Você precisa enfrentar seu pai e dizer não, porque olha, aquele homem te olhou com uma cara de safado, que eu fiquei até com nojo. Ele não disfarçou em nada a vontade que ele tá de te pegar viu. Pelo menos seu Antônio quer deixar o casamento pra depois do São joão… Já pensou se fosse hoje mesmo? Do jeito que o povo já gosta de falar, ia comentar era que tu tá grávida.— Ave Maria, Sandra. Era pra me ajudar ou pra me botar medo?— Desculpa, não era a intenção. Mas pensa, hoje a gente vai dançar muito juntas e você vai poder se divertir antes da sentença. Deixa pra pensar nisso depois, mulher, que logo é dia de muito arrasta pé.— Olha, você tem razão. Eu vou curtir os festejos, depois eu enrolo meu pai o máximo até conseguir dar um jeito dele mudar de ideia. Agora, vem cá, você por algum acaso já escolheu a roupa? — nessa hora, Sandra deu um grito agudo, lembrando que não tinha terminado de colar os farrapos no vestido rodado, nem levado as compras pra mãe, que d
Quando o dia seguinte chegou, o cheiro de milho-cozido e amendoim torrando enchia toda a vila, finalmente era São João e todos tinham um momento para festejar. Os pescadores, que tanto trabalhavam todos os dias, tinham um momento de descanso onde ninguém os julgaria pela bebedeira. As moças mais tímidas finalmente poderiam dançar sem o risco de ficarem mal faladas e as que já eram mal faladas teriam uma noite onde não precisavam se importar com nada. Era São João, afinal, o dia em que a fogueira crepitava no chão do sertão e a vida difícil virava enredo de cordel.Quando o sol caiu, Cidinha estava se olhando no espelho com um sorriso de orelha a orelha. Seus olhos brilhavam com empolgação e por um momento, ela até esqueceu do destino triste que a aguardava depois daquela festa. Seus lábios grossos estavam penteados pelo batom vermelho, os olhos bem delineados por uma sombra que combinava perfeitamente com sua pele morena e as bochechas coradas pela alegria que ela sentia diante daque
— Ah, Cida, mar tu tá bonita mulher! — Sandra falou, sorrindo para a amiga com muita animação. — Todo mundo vai te olha assim, duvido tu não arranjar um marido melhor hoje! — Num fala bobagem, mulher — Cidinha reclamou, rindo levemente. — Tu também tá muito bonita! Tua mãe que fez o vestido foi?Sandra usava um vestido vermelho que combinava com ela, tinha uma saia rodada com alguns babados e um decote sutil, mas muito bonito e até um pouco sensual. Ela usava um colarzinho dourado delicado e seus cabelos estavam soltos livres como o vento e como ela mesma. Seus lábios estavam brilhantes e seu rosto ostentava uma maquiagem bem leve que, pela primeira vez, Cida a viu usar. — Foi, acredita? Ela também passou essas coisa em mim — Sandrinha apontou para o rosto levemente maquiado. — Disse que eu já to na idade de me arrumar como mulher. — Pois cê ficou foi bonita! — Cidinha elogiou, entrelaçando o braço ao da amiga e começando a caminhar. — Cê ta falando que eu vou arrumar um marido me
Em seguida, ele voltou os olhos para o violão, depois de ver o rosto corado da jovem que, ao menos para ele, era sem dúvidas a garota mais bonita da pista. Sandrinha percebeu o flerte do homem e gargalhou, ele era bonito até, não era dali, era um cantor de fora da cidade, e elas bem sabiam que os moços da cidade eram fogo. Quando menos esperavam as duas meninas foram separadas e, inesperadamente, Cida foi tirada para dançar por um rapaz que ela havia visto algumas vezes, mas com quem nunca mais havia falado desde o que aconteceu no ano anterior. Naquele momento, ele tinha um sorriso lindo nos lábios e parecia não se importa com a reputação dela, ninguém na pista parecia ligar para aquilo, ao menos não ainda. Ela colocou o corpo ao do rapaz, dançando com ele e movendo o quadril no ritmo da música, esquecendo de todos os problemas ao som da voz doce do cantor enquanto o garoto a conduzia naquele forró delicioso que aquecia seu coração. Trocou de parceiro várias vezes enquanto as músi
Cida corria desesperadamente, a alegria da pista de dança havia sido arruinada e ela estava ofegante olhando para trás a cada passo e percebendo que Jonas ainda estava em seu encalço. Não havia mais festa, nem animação, agora ela só sentia medo e vergonha, medo do que falariam vergonha por ter sido tocada por ele de novo como se fosse dele, de ouvir aquelas coisas como se eles ainda tivessem alguma coisa. Os olhos dela marejaram e, sem que sequer notasse, as lágrimas começaram a rolar por seu rosto, deixando sua visão turva. Cida sentia o coração apertado, aquela era sua noite de alegria e agora já não havia mais felicidade. Será que um dia ele me deixa em paz, meu Deus? O que eu fiz pra nossa senhora pra sofrer assim?, ela pensou, passando a mão nos olhos e sentindo duas mãos a empurrando delicadamente para algum lugar. Quando abriu os olhos, Cida se viu na janelinha da barraca do beijo e ouviu algumas vozes femininas atrás dela, gargalhando e a incentivando. — Vi menina! Todo mu
Assim que pisou os pés na praça da vila, Beto sorriu, vendo as luzes amareladas e a grande fogueira no centro. Fazia muito tempo que não participava do São João da comunidade, não desde que terminou o colégio e saiu dali para cursar contabilidade na cidade grande. Seu pai era implacável e, para o senhor Joaquin Santana, o melhor era mandar o filho cursar uma boa faculdade antes que ele tomasse a posse das fazendas da família. De fato, a faculdade o havia ajudado, mas ele odiava a cidade grande. No fim, nada se comparava ao cheiro gostoso do campo, aos cavalos e a acordar de manhã bem cedo e ordenhar o leite que tomaria logo em seguida. Por isso ele estava encantado com a festa, com o clima, com a música, aquele era seu lugar. O homem caminhou tranquilamente por entre as pessoas, os moradores não o conheciam ou ao menos não se lembraram dele, mas não havia como julgá-los, afinal, ele havia mudado muito. O menino franzino de 19 anos que saiu dali agora era um homem e seis anos fizer
Se dona Norma soubesse que ele estava ali, ela certamente teria um infarto. O ponto é que Beto não é mais um menino, deseja honrar o desejo de seu pai, mas jamais vai jurar amor a uma mulher que não o atrai de forma alguma, e Lucia sabia disso desde o começo. — Eu conheço essa cara — falou Leo, interrompendo os pensamentos do irmão e mudando a direção da caminhada. — Vamos, tem um lugar que eu sei que vai te deixar animado. — Que lugar? — Beto perguntou, seguindo o outro enquanto olhava ao redor, decidindo o que faria primeiro. — Fecha o olho — Leo falou e, instantes depois, os olhos de Beto foram vendados e ele ouviu risinhos femininos. Naquele momento ele soube exatamente onde estava. Suas experiências com a barraca do beijo de São João eram as melhores que um homem poderia ter, foi num lugar assim onde deu seu primeiro beijo e não pensava em forma melhor de começar a noite, por isso, não resistiu nem um pouco quando foi empurrado e posicionado onde deveria estar. O beijo