A barraquinha - I

Quando o dia seguinte chegou, o cheiro de milho-cozido e amendoim torrando enchia toda a vila, finalmente era São João e todos tinham um momento para festejar. Os pescadores, que tanto trabalhavam todos os dias, tinham um momento de descanso onde ninguém os julgaria pela bebedeira. As moças mais tímidas finalmente poderiam dançar sem o risco de ficarem mal faladas e as que já eram mal faladas teriam uma noite onde não precisavam se importar com nada. 

Era São João, afinal, o dia em que a fogueira crepitava no chão do sertão e a vida difícil virava enredo de cordel.

Quando o sol caiu, Cidinha estava se olhando no espelho com um sorriso de orelha a orelha. Seus olhos brilhavam com empolgação e por um momento, ela até esqueceu do destino triste que a aguardava depois daquela festa. Seus lábios grossos estavam penteados pelo batom vermelho, os olhos bem delineados por uma sombra que combinava perfeitamente com sua pele morena e as bochechas coradas pela alegria que ela sentia diante daquele dia tão especial. 

Ela ainda se lembrava do último São João e, por mais que sua vida depois dele tivesse desandado, ainda tinha boas lembranças daquele momento. 

Usava um belo vestido que havia guardado especialmente para aquele momento, foi o último presente que ganhou do homem que estragou sua reputação, mas quem lhe deu pouco importava, o que era importante é que ela ficava linda nele e nunca o havia usado. Era de uma cor clara, quase branco, com pequenas florzinhas roxas, tinha mangas de meio ombro curtas, com um belo babado de renda no final e uma prega no busto, entre os seios que os deixava em evidência e de uma sensualidade ingênua que combinava perfeitamente com a jovem, a saia era leve e caia por suas pernas como uma cobertura que mostrava o contorno de suas belas pernas. À medida que caminhava, as bordas do vestido, levemente onduladas e feitas da mesma renda do babado das mangas, balançavam com o vento, que colava o tecido levemente ao seu corpo, deixando-a uma visão de causar suspiros em qualquer um.  

Seus cabelos estavam soltos quase que por completo, apenas duas mechas laterais estavam presas no fundo, com uma presilha em forma de flor que era uma lembrança de sua mãe, uma joia bonita que a mãe de sua mãe havia dado de presente no aniversário de dezoito anos, e a mãe de Cida deixou para que ela usasse nessa mesma idade. 

Depois disso, calçou o único par de saltos que ela tinha, que eram claros e estavam bem limpinhos, então, passando o perfume com cheiro de flores e colocando um par de brincos delicados e um colarzinho fininho com um único pingente, ela finalmente estava pronta. 

Cida saiu do quarto apressada e encontrou seu pai sentado no pequenino sofá que ele mesmo havia feito, muitos anos atrás, com uma caneca de café na mão e um pão na outra. Ainda não era noite, mas seu Antônio sempre tomava café bem cedo e, depois das sete, normalmente já estava na cama. 

Quando viu a filha tão bonita, ele sorriu, Cida era igualzinha a mãe naquela idade, uma moça muito bonita e que tinha o potencial para dar muito trabalho. Foi impossível para o senhor não sorrir enquanto a encarava, o retrato da única mulher que amou e a quem foi fiel à vida inteira, mesmo depois que ela morreu, Maria. 

— Oh, minha fia… Ocê tá tão bonita — comentou o senhor, levantando do sofá e deixando a caneca sobre o braço do estofado, equilibrando o pão em cima dela antes de caminhar até a filha. 

Antônio passou as mãos delicadamente nos cabelos longos da filha, a olhando com olhos brilhantes de carinho e enfiando uma das mãos no bolso, tirando de lá um bolinho com algumas notas. 

— Sei que cê não gosta da minha decisão, mas é o melhor… Eu quero que alguém cuide da minha menina quando Deus me levar, cê entende o pai? — perguntou ele, segurando a mão da filha e colocando as notas na mão dela. — Toma aqui, um dinheirinho pra ocê se divertir com sua amiga, vá aproveitar a festa, amanhã é dia de começar a organizar o casório. 

— Tudo bem, painho — Cida suspirou, abaixando o olhar por um momento. — Num vou fugir nem nada, prometo.

— Sei que num vai… Mas juízo nessa cabeça, viu? — Antônio riu, dando um beijo na testa dela e se afastando. — Vô deixar a portinha da cozinha aberta pra tu voltares. 

Cida não disse nada, apenas assentiu e sorriu para ele, já se adiantando para sair da casa. Assim que passou pela porta, a imagem de Sandrinha tomou seu campo de visão e ela abriu um grande sorriso, guardando as notas dentro do decote e oferecendo a mão para a amiga.

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