— Como é que é? — Sandra disse, assustada com a notícia dada de última hora.
— Eu já não sei nem mais o que fazer, Sandra. Eu não quero me casar e já falei com painho, mas ele insiste que tem que ser com aquele homem nojento — enquanto falava, Cida fazia expressões de nojo, como se estivesse chupando um limão bem azedo. Os braços cruzados e o bico deixavam bem claro sua insatisfação com essa ideia. — Amiga, quando, como? Me conte do começo, porque eu não tô entendendo mais nada. De onde que seu Antônio tirou essa ideia da cabeça? E logo com o Zé? Tanto homem mais bem-apresentado nesse lugar — quanto mais ouvia, mais confusa Sandra ficava com a situação que sua amiga estava. Ela desejava tudo de bom a Cida e não a imaginava nunca indo se casar logo com um homem tão asqueroso como o primo. — Olha, sabe de uma, vamo terminar de comprar as coisas logo que seu pai chega e eu to batendo perna com ocê, ele num vai gostar. Bom que cê vai lá pra casa mais eu e assim explico logo do início. Pode ser assim? — Claro. Bom que eu já tomo um café também, que essa história me deu fome. As duas rodaram a feira inteira e, por onde passavam, chamavam cada vez mais a atenção. Ao longe, podiam escutar as moças mais novas da cidade sussurrarem algo sobre casamento e rameira, mas não davam importância, afinal, já estavam acostumadas. O que realmente as deixavam felizes era a arrumação da cidade. As bandeirolas traziam vida a muros e portões. A correria das pessoas na pressa pra comprar milho e amendoim eram ainda maiores no dia da festividade e as carroças, que carregavam pedaços de pau para montagem da fogueira, tomavam conta das estradas. Até mesmo um cachorro de gravata xadrez, as meninas encontraram, o que arrancou gargalhadas aos montes. Quase meia hora depois, elas finalmente chegaram em casa. — Pai, eu cheguei, o senhor já separou os peixe pra eu…— então, num susto, ela percebeu que seu pai não estava sozinho na cozinha, seu primo Zé estava sentado à mesa, tomando café. Ela o olhou de cima a baixo, reparando nele. Os olhos meio tortos, o sorriso todo errado e a cara de desejo que ele estava fazendo enquanto olhava para ela a deixavam enjoada. Ele tinha uns 40 anos, mas a vida na roça o deixou mais velho, e suas roupas amarrotadas e meio sujas mostravam que ele não seria alguém tão fácil de conviver. Ela até pôde notar um pedaço de alguma coisa em seu dente, mas preferiu ignorar, pois sabia que, se descobrisse o que é, não ficaria de boca fechada. — Cida, fia. Olha quem tá aqui? Num morre mais, porque a gente tava falando de você agora, agora! — Seu Antônio segurava sua xícara de café enquanto sorria para a menina, que parecia cada vez mais assustada. — Então cê tá ai, menina. Tô aqui falando com seu pai, ele me contou que quer deixar o casório pra depois do São João. Se fosse por mim, a gente casava era logo hoje, o que cê acha?-nesse momento, ele levantou da cadeira, todo desengonçado e partiu pra cima de Cida, que rapidamente agarra Sandra e começa a puxar a amiga para o quarto, enquanto tenta fugir do abraço do homem. — Ah, vamo deixar mais pra frente. Pra que pressa, né? Temos a vida toda ainda. Agora me dá licença que eu preciso ajudar Sandra numas coisas, mas depois a gente conversa melhor. Agora, vem mulher, que tem muita coisa pra hoje. Sandra, que estava em choque com a situação, apenas se deixou levar pela amiga, sem dizer nem ao menos um oi, pensando tanto no casamento de Cida, quanto no café que ela queria tomar e não conseguiu. No quarto, Cida simplesmente desabou em choro. — Aí, Sandrinha, eu não sei o que fazer. Meu pai inventou que ele tá pra morrer e agora quer que eu me case logo, mas a única pessoa que ele acha que vai me aceitar é o Zé. Mas me diz, como um homem que tem 40 anos e ainda não casou, vai ser bom pra mim? Ele tem mais de 20 anos de diferença. Eu não quero não, mas não sei o que fazer, sabe? Me ajuda, vai!— Amiga, é o seguinte. Você precisa enfrentar seu pai e dizer não, porque olha, aquele homem te olhou com uma cara de safado, que eu fiquei até com nojo. Ele não disfarçou em nada a vontade que ele tá de te pegar viu. Pelo menos seu Antônio quer deixar o casamento pra depois do São joão… Já pensou se fosse hoje mesmo? Do jeito que o povo já gosta de falar, ia comentar era que tu tá grávida.— Ave Maria, Sandra. Era pra me ajudar ou pra me botar medo?— Desculpa, não era a intenção. Mas pensa, hoje a gente vai dançar muito juntas e você vai poder se divertir antes da sentença. Deixa pra pensar nisso depois, mulher, que logo é dia de muito arrasta pé.— Olha, você tem razão. Eu vou curtir os festejos, depois eu enrolo meu pai o máximo até conseguir dar um jeito dele mudar de ideia. Agora, vem cá, você por algum acaso já escolheu a roupa? — nessa hora, Sandra deu um grito agudo, lembrando que não tinha terminado de colar os farrapos no vestido rodado, nem levado as compras pra mãe, que d
Quando o dia seguinte chegou, o cheiro de milho-cozido e amendoim torrando enchia toda a vila, finalmente era São João e todos tinham um momento para festejar. Os pescadores, que tanto trabalhavam todos os dias, tinham um momento de descanso onde ninguém os julgaria pela bebedeira. As moças mais tímidas finalmente poderiam dançar sem o risco de ficarem mal faladas e as que já eram mal faladas teriam uma noite onde não precisavam se importar com nada. Era São João, afinal, o dia em que a fogueira crepitava no chão do sertão e a vida difícil virava enredo de cordel.Quando o sol caiu, Cidinha estava se olhando no espelho com um sorriso de orelha a orelha. Seus olhos brilhavam com empolgação e por um momento, ela até esqueceu do destino triste que a aguardava depois daquela festa. Seus lábios grossos estavam penteados pelo batom vermelho, os olhos bem delineados por uma sombra que combinava perfeitamente com sua pele morena e as bochechas coradas pela alegria que ela sentia diante daque
— Ah, Cida, mar tu tá bonita mulher! — Sandra falou, sorrindo para a amiga com muita animação. — Todo mundo vai te olha assim, duvido tu não arranjar um marido melhor hoje! — Num fala bobagem, mulher — Cidinha reclamou, rindo levemente. — Tu também tá muito bonita! Tua mãe que fez o vestido foi?Sandra usava um vestido vermelho que combinava com ela, tinha uma saia rodada com alguns babados e um decote sutil, mas muito bonito e até um pouco sensual. Ela usava um colarzinho dourado delicado e seus cabelos estavam soltos livres como o vento e como ela mesma. Seus lábios estavam brilhantes e seu rosto ostentava uma maquiagem bem leve que, pela primeira vez, Cida a viu usar. — Foi, acredita? Ela também passou essas coisa em mim — Sandrinha apontou para o rosto levemente maquiado. — Disse que eu já to na idade de me arrumar como mulher. — Pois cê ficou foi bonita! — Cidinha elogiou, entrelaçando o braço ao da amiga e começando a caminhar. — Cê ta falando que eu vou arrumar um marido me
Em seguida, ele voltou os olhos para o violão, depois de ver o rosto corado da jovem que, ao menos para ele, era sem dúvidas a garota mais bonita da pista. Sandrinha percebeu o flerte do homem e gargalhou, ele era bonito até, não era dali, era um cantor de fora da cidade, e elas bem sabiam que os moços da cidade eram fogo. Quando menos esperavam as duas meninas foram separadas e, inesperadamente, Cida foi tirada para dançar por um rapaz que ela havia visto algumas vezes, mas com quem nunca mais havia falado desde o que aconteceu no ano anterior. Naquele momento, ele tinha um sorriso lindo nos lábios e parecia não se importa com a reputação dela, ninguém na pista parecia ligar para aquilo, ao menos não ainda. Ela colocou o corpo ao do rapaz, dançando com ele e movendo o quadril no ritmo da música, esquecendo de todos os problemas ao som da voz doce do cantor enquanto o garoto a conduzia naquele forró delicioso que aquecia seu coração. Trocou de parceiro várias vezes enquanto as músi
Cida corria desesperadamente, a alegria da pista de dança havia sido arruinada e ela estava ofegante olhando para trás a cada passo e percebendo que Jonas ainda estava em seu encalço. Não havia mais festa, nem animação, agora ela só sentia medo e vergonha, medo do que falariam vergonha por ter sido tocada por ele de novo como se fosse dele, de ouvir aquelas coisas como se eles ainda tivessem alguma coisa. Os olhos dela marejaram e, sem que sequer notasse, as lágrimas começaram a rolar por seu rosto, deixando sua visão turva. Cida sentia o coração apertado, aquela era sua noite de alegria e agora já não havia mais felicidade. Será que um dia ele me deixa em paz, meu Deus? O que eu fiz pra nossa senhora pra sofrer assim?, ela pensou, passando a mão nos olhos e sentindo duas mãos a empurrando delicadamente para algum lugar. Quando abriu os olhos, Cida se viu na janelinha da barraca do beijo e ouviu algumas vozes femininas atrás dela, gargalhando e a incentivando. — Vi menina! Todo mu
Assim que pisou os pés na praça da vila, Beto sorriu, vendo as luzes amareladas e a grande fogueira no centro. Fazia muito tempo que não participava do São João da comunidade, não desde que terminou o colégio e saiu dali para cursar contabilidade na cidade grande. Seu pai era implacável e, para o senhor Joaquin Santana, o melhor era mandar o filho cursar uma boa faculdade antes que ele tomasse a posse das fazendas da família. De fato, a faculdade o havia ajudado, mas ele odiava a cidade grande. No fim, nada se comparava ao cheiro gostoso do campo, aos cavalos e a acordar de manhã bem cedo e ordenhar o leite que tomaria logo em seguida. Por isso ele estava encantado com a festa, com o clima, com a música, aquele era seu lugar. O homem caminhou tranquilamente por entre as pessoas, os moradores não o conheciam ou ao menos não se lembraram dele, mas não havia como julgá-los, afinal, ele havia mudado muito. O menino franzino de 19 anos que saiu dali agora era um homem e seis anos fizer
Se dona Norma soubesse que ele estava ali, ela certamente teria um infarto. O ponto é que Beto não é mais um menino, deseja honrar o desejo de seu pai, mas jamais vai jurar amor a uma mulher que não o atrai de forma alguma, e Lucia sabia disso desde o começo. — Eu conheço essa cara — falou Leo, interrompendo os pensamentos do irmão e mudando a direção da caminhada. — Vamos, tem um lugar que eu sei que vai te deixar animado. — Que lugar? — Beto perguntou, seguindo o outro enquanto olhava ao redor, decidindo o que faria primeiro. — Fecha o olho — Leo falou e, instantes depois, os olhos de Beto foram vendados e ele ouviu risinhos femininos. Naquele momento ele soube exatamente onde estava. Suas experiências com a barraca do beijo de São João eram as melhores que um homem poderia ter, foi num lugar assim onde deu seu primeiro beijo e não pensava em forma melhor de começar a noite, por isso, não resistiu nem um pouco quando foi empurrado e posicionado onde deveria estar. O beijo
Parecia que a noite tinha realmente começado ali e, com conversas e risadas, Cida dançou durante muito tempo. A cada nova música, mais gargalhadas ecoavam e a moça se sentiu exatamente como chegou na festa, viva! Beto era apenas um estranho e ela não sabia o porquê da conexão entre eles ser tão forte, mas decidiu que também não seria naquele momento que iria descobrir. Curtiria a noite como nenhuma outra e dançaria até que seus pés não aguentassem mais, pois, logo estaria casada com alguém que sequer a amava e não estava pronta para esse tormento.O som da banda enchia o local de alegria e as barracas de comida enchiam cada vez mais. O cheiro dos ximangos recém assados preencheu o local, misturado a pólvora das bombinhas que as crianças soltavam. As moças ao redor não entendiam o que Cida tinha, que despertava tanto desejo nos homens e muito menos de onde era o rapaz charmoso que ela tinha arranjado para dançar. Então, começaram a invejar ainda mais a menina.— Como é que pode um tre