O peso da conversa ainda pairava sobre nós quando Isabelle mudou de assunto. Ou, pelo menos, tentou.
— E o Adam? — Ela perguntou de repente, cruzando os braços e me olhando com interesse.
Franzi o cenho.
— O que tem ele?
— Você não falou mais nada sobre ele. Achei que as coisas estavam indo bem.
Soltei uma risada curta e sem humor, girando a taça de vinho entre os dedos.
— Se ‘indo bem’ significa que ele quer algo sério e eu estou fazendo de tudo para fugir disso, então sim, está ótimo.
Isabelle suspirou, como se já esperasse essa resposta.
— Savannah…
— Não começa. — Alertei antes que ela pudesse soltar um daqueles discursos sobre como eu deveria me permitir sentir algo.
— Mas por quê? — Ela insistiu. — O Adam parece ser um cara incrível. Bonito, bem-sucedido, paciente… E, pelo que você disse, gosta mesmo de você.
Eu sabia disso.
Adam Carter era um cara bom. Bom demais para mim. Ele estava sempre presente, sempre tentando me entender, me dando espaço quando eu parecia precisar, mas nunca desistindo de tentar me alcançar.
E esse era exatamente o problema. Porque eu sabia que, em algum momento, toda essa dedicação, toda essa vontade de estar comigo poderia desaparecer assim que eu cedesse.
Respirei fundo, olhando para o fundo vermelho da taça, como se pudesse encontrar ali a resposta para uma pergunta que me assombrava desde a infância.
— Minha mãe também achava que meu pai era incrível. — Minha voz saiu baixa, como se eu temesse dizer aquelas palavras em voz alta.
O rosto de Isabelle suavizou.
— Sav…
— Ela achava que ele era perfeito. Que eles tinham tudo. — Continuei, ignorando sua tentativa de amenizar o assunto. — E então, um dia, ele simplesmente parou de amá-la.
As lembranças eram vívidas. Tão nítidas que às vezes pareciam estar acontecendo de novo, como um pesadelo recorrente do qual eu não conseguia fugir.
Eu tinha oito anos quando vi meu pai arrumar as malas e sair de casa. Ele não gritou. Não discutiu. Apenas disse à minha mãe que não a amava mais.
O que veio depois foi muito pior. Minha mãe se partiu em pedaços bem diante dos meus olhos.
Ela deixou de comer. Deixou de sair do quarto. Chorava todas as noites, pensando que eu estava dormindo e que não podia ouvi-la. Mas eu ouvia. Eu sempre ouvia.
— Ela acreditou que amor era suficiente. — Continuei, minha voz carregada com o peso daquela lembrança. — E ele provou que não era.
Isabelle ficou em silêncio, absorvendo minhas palavras.
— Ele nunca mais voltou? — Ela perguntou depois de um tempo.
Soltei um riso amargo.
— Voltar? Não. Ele só foi começar outra vida em outro lugar.
Porque, claro, ele tinha outra família. Minha mãe descobriu meses depois. Ele já estava com outra mulher, já tinha outra filha. E nunca mais procurou por mim.
— Eu cresci ouvindo minha mãe dizer que o amor machuca. Que destrói. Que nunca dura. — Murmurei, apertando os dedos ao redor da taça. — E quer saber? Ela estava certa.
— Não, Savannah. — Isabelle se inclinou para frente. — Ela estava ferida. Mas isso não significa que amar é errado.
— Então por que o amor acaba?
Ela piscou, como se não soubesse responder. Porque não havia resposta. Eu havia passado minha vida inteira observando relacionamentos se desintegrarem. O da minha mãe. O das amigas dela. Das minhas amigas.
Toda vez que alguém começava a se importar demais comigo, eu sentia um alarme disparar dentro de mim. Porque eu sabia como aquilo terminaria. Meu pai também amou minha mãe um dia. Ele também foi dedicado, apaixonado, disposto a tudo por ela. Até o dia em que não foi mais.
Então, como eu poderia confiar que isso não aconteceria comigo?
— É por isso que você não deixa Adam se aproximar? — Isabelle perguntou suavemente.
Não respondi de imediato. Apenas bebi o restante do vinho e coloquei a taça sobre o balcão.
— Eu não sou feita para isso, Isabelle. — Murmurei, olhando para ela. — Nunca fui.
Ela suspirou e balançou a cabeça, mas não insistiu mais. Porque no fundo, ela sabia que eu não estava pronta para mudar de ideia. Talvez… nunca estivesse.
Depois da conversa, fui para o meu quarto, enquanto Isabelle pedia uma pizza para gente jantar, Nenhuma de nós queria cozinhar. E sinceramente, não éramos boas no fogão.
Fechei a porta do quarto atrás de mim, soltando um longo suspiro enquanto passava a mão pelos cabelos. A conversa com Isabelle ainda ecoava na minha mente.
Eu não era alguém que se entregava fácil. Não era alguém que se iludia. E, definitivamente, não era alguém que acreditava no amor.
Mas então… por que Thomas Montserrat continuava aparecendo nos meus pensamentos?
Caí sobre a cama, encarando o teto escuro do quarto. Eu sabia a resposta. Era impossível ignorá-lo.
Aquele homem tinha algo que desafiava a lógica. Um magnetismo cruel, uma presença sufocante que fazia o ar ao seu redor pesar. Como se ele soubesse exatamente o impacto que causava e, pior, gostasse disso.
Ele era irritantemente bonito. Talvez Isabelle estivesse certa sobre ele ser perigoso.
Não do tipo comum, previsível. Não. Thomas era perigosamente bonito. O tipo de beleza que arruinava.
Traços fortes e perfeitamente esculpidos, como se tivesse sido moldado pelas mãos de um artista obcecado pela perfeição. Olhos de um azul tão intenso que pareciam enxergar tudo o que você tentava esconder. Ombros largos, um porte impecável, o jeito como vestia seus ternos com uma arrogância natural, como se o mundo lhe pertencesse.
E, de certa forma, pertencia mesmo.
Homens como ele sempre venciam. Eles conseguiam tudo o que queriam. E quando se cansavam, simplesmente descartavam as pessoas como se nunca tivessem existido. Eu já tinha visto isso acontecer antes. Com minha mãe. Com Isabelle. E, sem dúvida, com dezenas de outras mulheres que cometeram o erro de acreditar que poderiam ser especiais para eles.
Minha mandíbula travou. Eu não era como elas. Eu não era alguém que se encantava por rostos bonitos ou palavras bem colocadas. Eu sabia o que existia por trás daquela perfeição impecável: um abismo. Frio. Calculista. Letal.
E, mesmo assim, havia algo nele que fazia meu corpo reagir antes que minha mente pudesse impedi-lo. Um perigo silencioso, constante. Porque Thomas Montserrat não apenas destruía corações. Ele destruía almas. E quem se machucava por ele nunca recebia um pedido de desculpas. Porque ele não sentia remorso. Porque ele não se importava. Apertei os olhos com força, tentando afastar a sensação incômoda que se instalava em mim.
Eu estava ali para salvar a empresa. Não para entrar em um jogo que eu sabia que perderia. E Thomas Montserrat não era nada mais do que o inimigo. E eu faria questão de lembrá-lo disso.
O salão de reuniões estava iluminado pela luz fria dos lustres de cristal. Sentada à mesa, de frente para um grupo de diretores e acionistas, eu mantinha a postura impecável, os ombros retos, as mãos cruzadas sobre os documentos que eu mesma havia preparado.À minha frente, Thomas Montserrat se reclinava em sua cadeira de couro preto, a expressão de quem estava prestes a se divertir às minhas custas.Maldito.— Então, senhorita Harper… — Ele começou, com aquela entonação casualmente arrogante que fazia meu sangue ferver. — Deixe-me ver se entendi. Acredita que pode salvar a minha empresa?Cruzei as pernas e inclinei levemente a cabeça para o lado, sustentando seu olhar com firmeza.— Se não acreditasse, não estaria aqui.A sombra de um sorriso brincou no canto de sua boca.— Interessante. Porque eu ainda não estou convencido.Revirei os olhos, recostando-me na cadeira.— E desde quando a sua opinião importa?Houve um breve silêncio na sala, enquanto os diretores e acionistas trocavam
Assim que estacionei o carro em frente ao prédio onde morava, soltei um longo suspiro e fechei os olhos por um momento, tentando dissipar a tensão que ainda vibrava em meu corpo. Eu odiava essa sensação, de estar… dividida.Saí do carro e subi rapidamente até o meu apartamento, torcendo para que Isabelle já estivesse no quarto ou ocupada com outra coisa. Eu simplesmente não estava pronta para suas perguntas afiadas sobre Thomas Montserrat. Ela me conhecia bem demais. E eu… bem, eu ainda não tinha respostas para as perguntas que ela certamente faria.Fechei a porta do quarto atrás de mim e me encostei nela, soltando a respiração que nem percebi que estava prendendo. Então, aquilo aconteceu.O instante em que Thomas me ajudou a recolher os papéis. A forma como seus dedos roçaram nos meus quando me entregou os documentos. A maneira como sua presença era sufocante, intensa a ponto de fazer minha pele formigar, de uma forma irritantemente involuntária. Eu odiava isso."Ele está jogando com
O primeiro passo para salvar a Montserrat Enterprises era simples: cortar os excessos e recuperar a liquidez. A empresa estava sangrando dinheiro. Os números eram uma bagunça, e os gastos desnecessários eram tão evidentes que até uma criança de dez anos conseguiria enxergá-los.Cancelei contratos inúteis.Revisitei fornecedores.Realinhei investimentos.Em menos de duas semanas, a estrutura financeira da empresa já estava visivelmente mais sólida. E, claro, Thomas Montserrat odiava isso. Ele não gostava de ser contrariado, menos ainda de ser ignorado. E eu estava ignorando. Fazia questão de agir como se ele fosse só mais um CEO desesperado tentando provar que ainda tinha as rédeas da própria empresa.Mas a verdade era uma só: se eu não estivesse ali, ele já teria perdido tudo. E o engraçado? Mesmo com o pai dele no encalço, cobrando resultado, ele ainda tentava atrapalhar.✧ » ◇ « ✧ » ✦ « ✧ » ◇ « ✧— Você cortou o contrato com a Luxor Tech sem me consultar.A voz de Thomas soou atrás
Entro em casa exausta, mas determinada a não pensar mais em Thomas Montserrat até, pelo menos, amanhã. Só que o universo parece ter outros planos. Isabelle está na sala, sentada no sofá, pintando as unhas do pé com uma paciência que eu nunca tive para essas coisas. Ela ergue os olhos quando me vê, com um sorrisinho no canto dos lábios.— Até que enfim apareceu, né? Já estava achando que a Montserrat Enterprises tinha te sequestrado.Reviro os olhos, mas acabo soltando um meio sorriso. Faz dias que evito Isabelle, não porque não quero vê-la, mas porque sei que suas perguntas viriam como uma metralhadora e, sinceramente, eu não tenho muitas respostas. Mas hoje… hoje, depois daquela reunião infernal, me vejo precisando cavar mais a fundo a vida de Thomas.Largo minha bolsa e me sento ao lado dela, observando-a passar o pincel com perfeição sobre a unha.— Como estão as coisas? — Isabelle pergunta, sem levantar o olhar, mas sei que está atenta a cada detalhe da minha expressão.— Ocupada.
Na manhã seguinte, entro na Montserrat Enterprises pronta para colocar meu plano em prática. Thomas pode até achar que está no controle, mas eu sei exatamente o que estou fazendo. A primeira coisa que faço é reunir os diretores e líderes de equipe para implementar as medidas emergenciais. Algumas mudanças vão ser drásticas, mas necessárias. Cortes de gastos desnecessário em outros departamentos que Thomas não quis mudanças, reestruturação de setores improdutivos e uma nova estratégia de marketing para recuperar a confiança do mercado.Thomas está presente, claro, recostado em sua cadeira com os braços cruzados e aquela expressão de tédio quase ensaiado — como se tivesse algo melhor para fazer.— Isso parece ambicioso, Harper — ele comenta, com a voz carregada de ironia. — Não está com medo de morder mais do que pode mastigar?Cruzo os braços e encaro diretamente nos olhos dele.— Se eu tivesse medo, Sr. Montserrat, não estaria aqui.Um sorriso lento se forma em seus lábios. Ele gosta
Chego em casa remusgando, jogando as chaves na mesa do corredor com mais força do que o necessário. Idiota. Arrogante. Pretensioso. Como alguém pode ser tão difícil? Tudo o que eu queria era que ele reconhecesse o óbvio: eu estou fazendo o que ele não conseguiu. Eu estou salvando a empresa que ele estava deixando afundar. E ainda está.Mas não, Thomas Montserrat preferiu dar de ombros e me provocar como se isso fosse um jogo. Bem, se é um jogo, ele vai perder.— Você está bem?A voz de Isabelle vem da cozinha. Respiro fundo, tentando esconder minha irritação antes de entrar, mas falho miseravelmente.Ela está sentada no balcão, tomando seu chá com a calma de quem não tem ideia da frustração que estou sentindo.— Thomas é um idiota — solto, sem rodeios.Isabelle ergue uma sobrancelha e dá um gole generoso do seu chá.— Isso não é novidade. Mas o que ele fez dessa vez?Jogo minha bolsa em cima da mesa e puxo uma cadeira.— Ele se recusa a admitir que eu estou superando ele. Que estou fa
Passei os dias seguintes fugindo de Thomas como se minha vida dependesse disso. Se tínhamos uma reunião, eu era objetiva. Dizia exatamente o necessário, sem rodeios, sem pausas desnecessárias. Nada de discussões longas. Nada de provocações. Eu terminava de falar e saía da sala antes de todo mundo.Se ele me chamava? Eu fingia que não ouvia. Se não dava para fingir, eu inventava uma desculpa qualquer.Se ele cruzava meu caminho no corredor, eu desviava, mudava a rota, entrava em outra sala. Parecia um jogo, mas eu sabia que não podia me deixar envolver. Só que, quanto mais eu fugia, mais ele aparecia na minha mente. Como se fugir dele fisicamente não impedisse a força gravitacional que ele exercia sobre mim.Era irritante. Quase sufocante. E eu tinha certeza absoluta de que ele estava percebendo.Cada vez que eu evitava seu olhar, cada vez que saía apressada de um ambiente onde ele estava, eu sentia aqueles olhos em mim. Observando. Esperando. E Thomas não era o tipo de homem que gosta
No final da tarde, minha assistente entrou apressada na minha sala com um bilhete em mãos.— Senhorita Harper, Harry Montserrat pediu para encontrá-la hoje.Meu olhar se ergueu imediatamente do relatório à minha frente.Harry Montserrat. Era óbvio que esse pedido viria mais cedo ou mais tarde. O verdadeiro poder por trás da Montserrat Enterprises.Peguei o bilhete e li rapidamente. Era um convite formal, direto. Ele queria me ver em sua residência. A mansão dos Montserrat, que eu já conhecia. Há dois anos, fui a um evento lá. Na época, estava salvando uma empresa pertencente a um dos poucos amigos próximos de Harry. Lembrei-me bem da imponência do lugar, da arquitetura clássica, da grandiosidade que parecia existir apenas para lembrar a todos que estavam diante de um império. E, agora, aquele império estava à beira do colapso.Ajustei a postura na cadeira, sentindo algo se encaixar no fundo da minha mente. Minha contratação veio dele. Não de Thomas. De Harry Montserrat. Talvez isso ex