O dia tinha sido longo. Exaustivo. Estressante. E, ao mesmo tempo, estranhamente satisfatório. Enquanto dirigia de volta para casa, as palavras de Thomas ainda ecoavam na minha mente. Você me odeia? Ele não fazia ideia do que realmente se passava, do peso daquela pergunta.
Ódio? Talvez fosse exagero. Mas desprezo? Isso, sim, eu sentia.
Estacionei na garagem e soltei um suspiro pesado antes de sair do carro. Minha cabeça ainda fervilhava, tanto pelas estratégias que eu precisaria traçar para salvar a Montserrat Enterprises quanto pela promessa silenciosa que eu havia feito a mim mesma.
Mas, assim que abri a porta de casa, meu foco desviou completamente ao ver uma mala largada na sala e uma silhueta familiar parada na cozinha, segurando uma taça de vinho.
— Você voltou! — Falei surpresa, fechando a porta atrás de mim.
Isabelle virou-se para mim com um sorriso cansado.
— Voltei. — Ela ergueu a taça como se brindasse. — Surpresa?
— Claro que sim! Você disse que ficaria fora mais tempo!
— Mudei de ideia. — Ela deu um gole no vinho e me olhou com aquele olhar analítico que sempre tinha. — Agora, me conta... como foi o primeiro dia no trabalho novo?
Meu estômago revirou. Eu sabia que essa conversa viria, mas agora que estava aqui, me sentia ligeiramente desconfortável.
Deixei minha bolsa sobre o sofá, tirei os sapatos e fui até a cozinha, pegando outra taça e enchendo-a de vinho. Eu ia precisar.
— Bom... eu não sabia que o destino gostava tanto de brincar comigo. — Soltei uma risada seca e Isabelle franziu o cenho.
— O que você quer dizer?
Respirei fundo e me virei para encará-la.
— Fui contratada para salvar a Montserrat Enterprises.
O sorriso no rosto dela sumiu imediatamente. Seus olhos piscaram algumas vezes, como se precisasse processar a informação.
— Você está brincando.
— Não.
— Por favor, me diz que você não aceitou esse trabalho sabendo que essa empresa é dele.
Eu me inclinei no balcão e cruzei os braços.
— Foi exatamente por isso que eu aceitei.
— Savannah! — Ela largou a taça sobre a pia e passou a mão pelos cabelos. — Você tem noção do que está fazendo?
— Tenho.
— Não, você não tem! — A voz dela subiu um pouco. — Ele é perigoso, Savannah. Ele é ardiloso, sedutor, manipulador. Ele convence qualquer pessoa de qualquer coisa! Foi assim que ele me fez acreditar que...
Ela parou, como se tivesse se dado conta de que estava prestes a reviver uma lembrança dolorosa.
— Que te amava? — Completei por ela, suavemente.
Ela apertou os lábios e desviou o olhar.
— Sim.
Por um momento, um silêncio pesado se instalou entre nós. Eu sabia o quanto esse assunto era delicado, e vê-la ali, vulnerável, com o olhar perdido, só reforçou minha decisão.
— Eu vou fazer ele pagar, Isabelle. — Minha voz saiu firme, determinada. — Por você. Pelo que ele fez.
Isabelle me olhou, um misto de emoção e preocupação nos olhos.
— Savannah... você acha que consegue enfrentá-lo sem se envolver?
— Eu não estou me envolvendo. Eu estou enfrentando um inimigo.
Ela balançou a cabeça, parecendo frustrada.
— Mas e quando o seu trabalho acabar? Você vai sair de cena, não vai?
Eu não respondi de imediato.
— Savannah... — Ela insistiu.
— Quando eu terminar o que fui contratada para fazer, eu saio.
— Sem envolvimento pessoal. — Ela reforçou, os olhos fixos nos meus.
Suspirei, rolando minha taça entre os dedos.
— Se tudo correr como planejado, não tem motivo para isso acontecer.
Mas ela ainda não parecia convencida.
— Você ainda sente algo por ele? — Perguntei, mudando o foco da conversa.
Isabelle ficou em silêncio por alguns segundos, depois suspirou pesadamente.
— Já se passou um ano, Savannah. Muita coisa amenizou no meu coração. Mas... se eu dissesse que não sentiria absolutamente nada se o visse de novo, estaria mentindo.
Ela desviou o olhar para a taça vazia, como se estivesse absorvendo a própria confissão.
Eu apenas assenti, entendendo cada palavra.
O silêncio que se instalou depois da confissão de Isabelle era quase palpável.
Ela mantinha os olhos fixos no fundo da taça vazia, como se buscasse algo ali, uma resposta, uma certeza que talvez nunca encontrasse. Eu sabia o quanto aquele homem tinha a destruído. Eu sabia o quanto ela lutou para se reconstruir depois de Thomas Montserrat.
E ainda assim, seu coração não conseguia ser completamente imune a ele.
Apertei os dedos ao redor da minha própria taça, sentindo a tensão subir pelo meu corpo.
— Se ele estivesse aqui, agora, o que você faria? — Minha voz saiu baixa, quase hesitante.
Ela riu, mas não havia humor em seu sorriso.
— Depende. Eu estaria com um copo de vinho na mão?
— Sim.
— Então talvez eu jogasse na cara dele.
Eu deveria ter rido, mas não consegui. Porque, no fundo, eu sabia que não era tão simples assim.
— E se ele dissesse que sente muito?
Isabelle me olhou, dessa vez com um brilho estranho nos olhos.
— Você acha que Thomas Montserrat sente muito por alguma coisa?
Travei a mandíbula. Ela tinha razão. Um homem como ele não sente remorso. Não se arrepende.
— Ele seguiu em frente. Sem olhar para trás, sem se importar com o que deixou pelo caminho. — Ela continuou, baixinho, como se falasse consigo mesma. — Eu não significava nada para ele. Ele fez com que eu acreditasse que significava, mas no final… eu era só mais uma.
A dor em sua voz me atingiu como um soco.
Eu já sabia disso, já tinha ouvido essa história antes. Mas naquele momento, com o rosto dela parcialmente iluminado pela luz amarelada da cozinha, com sua expressão dividida entre força e vulnerabilidade, foi diferente.
Eu senti aquilo como se fosse meu próprio coração sendo partido.
Apoiei os cotovelos no balcão e esfreguei o rosto, sentindo um gosto amargo subir pela minha garganta.
— Você quer que eu desista disso? — Minha voz saiu baixa.
Isabelle ficou em silêncio.
Por um momento, achei que ela fosse dizer sim.
Mas então, ela soltou um suspiro longo e me olhou com aquele olhar que só uma amiga de verdade consegue ter.
— Não.
Piscando, ergui os olhos para ela.
— Não?
— Não. — Ela balançou a cabeça, mordendo o lábio. — Eu sei que você já tomou sua decisão. Sei que você não vai parar. Mas eu precisava te avisar.
— Avisar o quê?
— Que Thomas é perigoso. — Ela sussurrou, como se dissesse algo proibido. — Não só pelos negócios, não só pelo poder que ele tem nas mãos. Mas porque ele consegue entrar na sua pele antes mesmo que você perceba. Ele seduz, ele te faz querer agradá-lo, te faz pensar que talvez... só talvez... ele não seja tão ruim assim.
Engoli em seco.
Ela estava me alertando, me dizendo para ter cuidado. Para não me deixar envolver. E, naquele momento, jurei para mim mesma que isso jamais aconteceria. Eu não era como Isabelle. Eu não era uma garota ingênua esperando ser salva. Eu era o perigo. E Thomas Montserrat ainda não sabia disso.
O peso da conversa ainda pairava sobre nós quando Isabelle mudou de assunto. Ou, pelo menos, tentou.— E o Adam? — Ela perguntou de repente, cruzando os braços e me olhando com interesse.Franzi o cenho.— O que tem ele?— Você não falou mais nada sobre ele. Achei que as coisas estavam indo bem.Soltei uma risada curta e sem humor, girando a taça de vinho entre os dedos.— Se ‘indo bem’ significa que ele quer algo sério e eu estou fazendo de tudo para fugir disso, então sim, está ótimo.Isabelle suspirou, como se já esperasse essa resposta.— Savannah…— Não começa. — Alertei antes que ela pudesse soltar um daqueles discursos sobre como eu deveria me permitir sentir algo.— Mas por quê? — Ela insistiu. — O Adam parece ser um cara incrível. Bonito, bem-sucedido, paciente… E, pelo que você disse, gosta mesmo de você.Eu sabia disso.Adam Carter era um cara bom. Bom demais para mim. Ele estava sempre presente, sempre tentando me entender, me dando espaço quando eu parecia precisar, mas n
O salão de reuniões estava iluminado pela luz fria dos lustres de cristal. Sentada à mesa, de frente para um grupo de diretores e acionistas, eu mantinha a postura impecável, os ombros retos, as mãos cruzadas sobre os documentos que eu mesma havia preparado.À minha frente, Thomas Montserrat se reclinava em sua cadeira de couro preto, a expressão de quem estava prestes a se divertir às minhas custas.Maldito.— Então, senhorita Harper… — Ele começou, com aquela entonação casualmente arrogante que fazia meu sangue ferver. — Deixe-me ver se entendi. Acredita que pode salvar a minha empresa?Cruzei as pernas e inclinei levemente a cabeça para o lado, sustentando seu olhar com firmeza.— Se não acreditasse, não estaria aqui.A sombra de um sorriso brincou no canto de sua boca.— Interessante. Porque eu ainda não estou convencido.Revirei os olhos, recostando-me na cadeira.— E desde quando a sua opinião importa?Houve um breve silêncio na sala, enquanto os diretores e acionistas trocavam
Assim que estacionei o carro em frente ao prédio onde morava, soltei um longo suspiro e fechei os olhos por um momento, tentando dissipar a tensão que ainda vibrava em meu corpo. Eu odiava essa sensação, de estar… dividida.Saí do carro e subi rapidamente até o meu apartamento, torcendo para que Isabelle já estivesse no quarto ou ocupada com outra coisa. Eu simplesmente não estava pronta para suas perguntas afiadas sobre Thomas Montserrat. Ela me conhecia bem demais. E eu… bem, eu ainda não tinha respostas para as perguntas que ela certamente faria.Fechei a porta do quarto atrás de mim e me encostei nela, soltando a respiração que nem percebi que estava prendendo. Então, aquilo aconteceu.O instante em que Thomas me ajudou a recolher os papéis. A forma como seus dedos roçaram nos meus quando me entregou os documentos. A maneira como sua presença era sufocante, intensa a ponto de fazer minha pele formigar, de uma forma irritantemente involuntária. Eu odiava isso."Ele está jogando com
O primeiro passo para salvar a Montserrat Enterprises era simples: cortar os excessos e recuperar a liquidez. A empresa estava sangrando dinheiro. Os números eram uma bagunça, e os gastos desnecessários eram tão evidentes que até uma criança de dez anos conseguiria enxergá-los.Cancelei contratos inúteis.Revisitei fornecedores.Realinhei investimentos.Em menos de duas semanas, a estrutura financeira da empresa já estava visivelmente mais sólida. E, claro, Thomas Montserrat odiava isso. Ele não gostava de ser contrariado, menos ainda de ser ignorado. E eu estava ignorando. Fazia questão de agir como se ele fosse só mais um CEO desesperado tentando provar que ainda tinha as rédeas da própria empresa.Mas a verdade era uma só: se eu não estivesse ali, ele já teria perdido tudo. E o engraçado? Mesmo com o pai dele no encalço, cobrando resultado, ele ainda tentava atrapalhar.✧ » ◇ « ✧ » ✦ « ✧ » ◇ « ✧— Você cortou o contrato com a Luxor Tech sem me consultar.A voz de Thomas soou atrás
Entro em casa exausta, mas determinada a não pensar mais em Thomas Montserrat até, pelo menos, amanhã. Só que o universo parece ter outros planos. Isabelle está na sala, sentada no sofá, pintando as unhas do pé com uma paciência que eu nunca tive para essas coisas. Ela ergue os olhos quando me vê, com um sorrisinho no canto dos lábios.— Até que enfim apareceu, né? Já estava achando que a Montserrat Enterprises tinha te sequestrado.Reviro os olhos, mas acabo soltando um meio sorriso. Faz dias que evito Isabelle, não porque não quero vê-la, mas porque sei que suas perguntas viriam como uma metralhadora e, sinceramente, eu não tenho muitas respostas. Mas hoje… hoje, depois daquela reunião infernal, me vejo precisando cavar mais a fundo a vida de Thomas.Largo minha bolsa e me sento ao lado dela, observando-a passar o pincel com perfeição sobre a unha.— Como estão as coisas? — Isabelle pergunta, sem levantar o olhar, mas sei que está atenta a cada detalhe da minha expressão.— Ocupada.
Na manhã seguinte, entro na Montserrat Enterprises pronta para colocar meu plano em prática. Thomas pode até achar que está no controle, mas eu sei exatamente o que estou fazendo. A primeira coisa que faço é reunir os diretores e líderes de equipe para implementar as medidas emergenciais. Algumas mudanças vão ser drásticas, mas necessárias. Cortes de gastos desnecessário em outros departamentos que Thomas não quis mudanças, reestruturação de setores improdutivos e uma nova estratégia de marketing para recuperar a confiança do mercado.Thomas está presente, claro, recostado em sua cadeira com os braços cruzados e aquela expressão de tédio quase ensaiado — como se tivesse algo melhor para fazer.— Isso parece ambicioso, Harper — ele comenta, com a voz carregada de ironia. — Não está com medo de morder mais do que pode mastigar?Cruzo os braços e encaro diretamente nos olhos dele.— Se eu tivesse medo, Sr. Montserrat, não estaria aqui.Um sorriso lento se forma em seus lábios. Ele gosta
Chego em casa remusgando, jogando as chaves na mesa do corredor com mais força do que o necessário. Idiota. Arrogante. Pretensioso. Como alguém pode ser tão difícil? Tudo o que eu queria era que ele reconhecesse o óbvio: eu estou fazendo o que ele não conseguiu. Eu estou salvando a empresa que ele estava deixando afundar. E ainda está.Mas não, Thomas Montserrat preferiu dar de ombros e me provocar como se isso fosse um jogo. Bem, se é um jogo, ele vai perder.— Você está bem?A voz de Isabelle vem da cozinha. Respiro fundo, tentando esconder minha irritação antes de entrar, mas falho miseravelmente.Ela está sentada no balcão, tomando seu chá com a calma de quem não tem ideia da frustração que estou sentindo.— Thomas é um idiota — solto, sem rodeios.Isabelle ergue uma sobrancelha e dá um gole generoso do seu chá.— Isso não é novidade. Mas o que ele fez dessa vez?Jogo minha bolsa em cima da mesa e puxo uma cadeira.— Ele se recusa a admitir que eu estou superando ele. Que estou fa
Passei os dias seguintes fugindo de Thomas como se minha vida dependesse disso. Se tínhamos uma reunião, eu era objetiva. Dizia exatamente o necessário, sem rodeios, sem pausas desnecessárias. Nada de discussões longas. Nada de provocações. Eu terminava de falar e saía da sala antes de todo mundo.Se ele me chamava? Eu fingia que não ouvia. Se não dava para fingir, eu inventava uma desculpa qualquer.Se ele cruzava meu caminho no corredor, eu desviava, mudava a rota, entrava em outra sala. Parecia um jogo, mas eu sabia que não podia me deixar envolver. Só que, quanto mais eu fugia, mais ele aparecia na minha mente. Como se fugir dele fisicamente não impedisse a força gravitacional que ele exercia sobre mim.Era irritante. Quase sufocante. E eu tinha certeza absoluta de que ele estava percebendo.Cada vez que eu evitava seu olhar, cada vez que saía apressada de um ambiente onde ele estava, eu sentia aqueles olhos em mim. Observando. Esperando. E Thomas não era o tipo de homem que gosta