Capítulo 2

A porta do escritório se fechou com um leve estalo, mas a sensação de estar presa naquele lugar, sob a mesma cobertura que Thomas Montserrat, me seguiu até o corredor. Eu poderia sentir o peso do seu olhar, mesmo quando ele não estava mais tão perto. Naquele momento, ele já era uma presença que eu não conseguiria ignorar.

Respirei fundo, tentando afastar a sensação de estar completamente absorvida pela sua aura, pela maneira como ele me desafiava a cada vez que fala, com cada gesto. Não era apenas o poder dele que me afetava. Era algo mais profundo. 

Quando passei pela porta do prédio e saí para a rua, as ruas movimentadas da cidade pareciam mais tranquilas, como se o mundo tivesse recuado por um momento, me dando espaço para respirar. Mas minha mente estava longe da calma da cidade. 

Eu nunca tinha odiado alguém da maneira como odiava Thomas. Não era um ódio visceral, mas algo mais sutil, uma amargura que crescia a cada momento que ele estava ao meu redor. Algo que eu cultivava há tempos.

Era tudo culpa dele.

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A primeira vez que ouvi falar de Thomas Montserrat, ele não estava sendo falado com respeito. Thomas, o bilionário herdeiro, o homem que aparentemente podia ter qualquer mulher que quisesse e que gostava de brincar com seus corações como se fossem brinquedos descartáveis. Isso foi o que ouvi de uma amiga, Isabelle, a única pessoa que um dia me falou sobre ele com tanta intensidade. E foi o que me fez decidir que Thomas Montserrat era uma criatura a ser evitada a todo custo.

Isabelle tinha 24 anos, era bem mais jovem que eu, mas sempre fora cheia de vida, cheia de sonhos. Ela conheceu Thomas durante um evento de caridade, um daqueles encontros de gala que ele aparecia com frequência. Ela estava deslumbrante, cheia de confiança, encantada pela atenção que ele lhe dava. Ele a olhou como se fosse a única mulher na sala, falou com ela de forma encantadora, com aquele sorriso que faria qualquer uma se derreter. Isabelle estava encantada, e por semanas não parou de falar sobre ele.

Mas então, depois de alguns meses, a história dela mudou. Thomas simplesmente sumiu. Não atendia às ligações dela, não respondia às mensagens. Foi isso que aconteceu com Isabelle: ela se apaixonou, e Thomas a deixou no vazio. Ele a usou e depois a descartou, sem mais nem menos.

Eu lembro de ver o olhar perdido dela, como se ela tivesse sido esmagada por uma verdade cruel. Como se o próprio amor tivesse sido arrancado dela sem qualquer consideração. Isabelle não conseguia entender o que acontecera. Eu podia ver na maneira como ela falava sobre ele que, para ela, Thomas Montserrat representava algo mais do que apenas um homem bonito e rico. Ele representava a ideia de algo verdadeiro, e ele destruiu essa ideia, sem esforço, sem remorso.

Isso ficou na minha cabeça. Não apenas a dor que ela sentia, mas o modo como ele parecia se divertir com a dor que causava nos outros. Como se as pessoas ao seu redor fossem joguetes para o seu prazer, e não importasse quem elas fossem.

Eu nunca disse nada para Isabelle, mas ali, no fundo, em algum lugar dentro de mim, eu criei um ressentimento profundo por ele. Não porque ele tivesse me machucado diretamente, mas porque ele machucou alguém que eu amava. Isso me fez vê-lo não apenas como um homem arrogante e poderoso, mas como alguém que era incapaz de empatia, que tratava os outros como objetos. E a ideia de que ele fosse agora o meu chefe… não era algo que eu sabia como engolir. Eu tinha que salvar a empresa dele. A Montserrat Enterprises estava em ruínas e meu trabalho era consertar o que ele, com toda a sua frieza, destruiu, o que seu pai levou uma vida toda para construir.

Eu estava ali para fazer o que deveria fazer, mas o problema era que eu tinha uma missão pessoal: vencê-lo, e vingar toda a dor de Isabelle. 

As coisas não seriam fáceis. Ele não era um homem que se deixava influenciar. Ele era o tipo de cara que controlava tudo e todos à sua volta, e não aceitaria que uma mulher, qualquer mulher, fosse mais inteligente ou mais eficiente do que ele. Mas ele não sabia quem eu era. Não sabia do ódio silencioso que eu carregava em meu coração.

Ele não sabia que, mesmo antes de chegar lá para salvar a sua empresa, já tinha algo muito maior para conquistar: o meu próprio orgulho.

Agora, com ele tão próximo, tudo o que eu sentia por dentro parecia mais quente, mais feroz. Uma coisa era manter meu ódio à distância, mas estar em seu campo de ação, ser tão próxima a ele, só tornava tudo mais difícil. Ele tinha essa maneira de fazer você questionar tudo o que pensava sobre si mesma, de desestabilizar sua segurança, como se ele estivesse sempre no controle. Ele gostava disso. Ele gostava de ter poder sobre os outros.

E eu… Eu não podia permitir que ele tivesse o poder sobre mim. Não de novo.

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A grande sala de conferências era fria e impessoal, o tipo de lugar onde negócios sérios aconteciam. Um longo mesa de vidro dominava o centro do ambiente, com cadeiras de couro preto ao redor, ocupadas pelos principais acionistas e diretores da Montserrat Enterprises. Estavam todos ali para discutir o futuro da empresa que estava, lentamente, sendo levada à falência. O peso das decisões era palpável, e eu estava ali para dar a última esperança de salvação.

As luzes acima eram fortes, quase cruéis, lançando sombras sobre os rostos sérios das pessoas à mesa. Eu estava sentada na extremidade, uma cadeira entre mim e Thomas Montserrat. Ele estava em sua cadeira de CEO, como sempre, com a postura impecável e a expressão impassível, como se fosse o único capaz de manter o controle da situação.

E, de certa forma, ele ainda era. Mas hoje, ele não teria o luxo de ser o único com a palavra final. Eu estava ali para mudar o rumo das coisas, e ele saberia disso em breve.

A reunião começou com as apresentações e as discussões sobre a situação financeira da empresa. Todos ao redor da mesa estavam preocupados, ansiosos para encontrar uma solução, mas nenhum deles parecia ter as respostas necessárias. Era como se todos estivessem esperando por um milagre, e foi isso que trouxe a mim para aquele espaço.

Thomas não tirava os olhos dos documentos à sua frente, mas eu sentia o peso de seu olhar, como se ele estivesse ciente de que, embora fosse o líder ali, ele não estava no comando. Pelo menos, não de mim.

Eu estava começando a explicar as estratégias que eu havia traçado para salvar a empresa, os cortes necessários, a reestruturação, o foco no que realmente trazia retorno. Minha voz era clara, calma, mas cheia de autoridade. Eu sabia que esse momento era crucial. Cada palavra minha poderia determinar se Thomas aceitaria minha abordagem ou se tentaria tomar o controle.

— Como você pretende lidar com a dívida da empresa? — A pergunta de Daniel Harris, um dos principais acionistas, fez com que eu desviasse o olhar para ele por um instante.

Eu já sabia que ele estava no limite de sua paciência com o rumo da empresa e que todos ali aguardavam ansiosamente por um plano. A sala estava cheia de expectativas, e eu era o ponto focal.

— O primeiro passo é cortar custos e realocar os recursos de forma estratégica. A reestruturação será focada em áreas de maior rentabilidade e, se necessário, venda de algumas divisões não essenciais. Isso, claro, não é um processo fácil, mas é a única forma de manter a integridade da empresa a longo prazo.

Minha resposta foi técnica, precisa, mas, para Thomas, parecia não ser suficiente. Ele se inclinou para frente na cadeira, com uma expressão fechada, ainda mais concentrado do que antes. Os olhos dele estavam fixos em mim, como se me estudasse de uma maneira que eu não gostava. Como se estivesse tentando encontrar algum ponto fraco em meu discurso.

— Srta. Harper, — ele começou, interrompendo minha explicação, — a proposta parece razoável, mas como você pretende garantir que essa reestruturação não prejudique ainda mais os nossos principais clientes? Estamos falando de contratos de longo prazo que, se desfeitos, podem nos custar milhões.

Eu sabia que ele não estava preocupado com os clientes. Ele estava preocupado com o impacto que minha estratégia poderia ter no controle dele sobre a empresa. Ele nunca gostou de se sentir vulnerável, e eu estava ali para forçá-lo a se tornar vulnerável.

Olhei para ele, com o rosto impassível, enquanto todos ao redor da mesa aguardavam minha resposta. Eu sabia o que ele estava fazendo. Ele queria me provocar, me testar. 

— Sr. Montserrat, — respondi com calma, — a reestruturação inclui a negociação estratégica com nossos maiores clientes. A ideia não é desestabilizar, mas estabelecer parcerias mais sólidas e vantajosas para ambas as partes. E, por mais que eu entenda suas preocupações com a manutenção da imagem da empresa, precisamos agir rápido. A falência não espera pelo seu bom senso.

Ele permaneceu em silêncio por um instante, estudando-me, como se estivesse considerando minhas palavras. Mas havia algo mais ali. Algo além do simples interesse empresarial.

A tensão na sala aumentava, e eu sabia que todos estavam observando não apenas os meus planos, mas também o jogo entre Thomas e eu. O ambiente estava carregado de eletricidade, uma linha tênue entre o profissional e o pessoal, e, com cada troca de palavras, parecia que a tensão aumentava ainda mais.

Thomas se recostou na cadeira, entrelaçando as mãos à sua frente, e seu olhar se suavizou por um breve segundo. Como se a tensão que ele havia criado tivesse se dissipado momentaneamente.

— Deixe-me ser claro, srta. Harper. — Ele usou aquele tom autoritário novamente, que fazia com que todos na sala se calassem e prestassem atenção. — Não há espaço para falhas. Se você estiver aqui para salvar a empresa, terá que entender as minhas regras. 

Eu quase sorri, mas me contive. Ele ainda não sabia que, no jogo entre nós dois, quem estava sendo desafiado era ele. Porque, no fim das contas, Thomas Montserrat gostava de pensar que controlava tudo. Mas não controlava o que eu sentia. Não controlava o quanto eu o desprezava. E, pior, não controlava o fato de que eu estava disposta a vencê-lo, de qualquer maneira.

— As mesmas regras que levou essa empresa à beira do colapso, Sr. Montserrat. — Eu disse, mantendo a firmeza na voz, sabendo que todos os olhos estavam agora em nós dois. — Estou aqui por isso, lembre-se.

O olhar dele se escureceu com um lampejo de algo que eu não sabia identificar. Um brilho intenso que parecia mesclar raiva com algum outro sentimento que eu não conseguia identificar. Mas ele não disse mais nada. Apenas se recostou na cadeira, olhando-me com uma expressão que, por um momento, pareceu mais pessoal do que profissional.

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