Horas mais tarde, eu acordei.
Mas, algo havia acontecido durante meu sono. Assim que abri os olhos, percebi que minha visão estava embaçada, tentei me levantar da cama, mas não conseguia. Me sentia fraco e a cabeça estava girando. Eu não enxergava um palmo a minha frente sem ser borrões e sombras, e o braço estava dormente. Com muita dificuldade olhei para baixo e vi que tinha um elástico segurando minha circulação e um pontinho arroxeado ao redor do que parecia ser um furo. Alguém havia me drogado. Passei a mão na cintura. O coldre ainda estava lá. Mas, minha arma havia desaparecido. Por um momento de sobriedade, me lembrei de Kate. Olhei para o lado, mas ela não estava lá. Me forcei a levantar outra vez, e por fim, sentei na cama. Apoiei os braços no colchão e me pus de pé. Não conseguia andar um passo sem sentir que minhas pernas, poderiam ceder a qualquer momento. Comecei a chamar por Kate e nada de resposta. Fechei os olhos e parei, precisava de um minuto antes de tentar andar. Uma ligeira tontura me tomava, mas me mantive firme e depois de quase arrancar os olhos de tanto cocá-los, finalmente consegui abri-los e enxergar melhor. O apartamento estava intacto, sem nenhum móvel fora do lugar. Com exceção do sangue. Havia sangue para todo o lado, e eu observei as marcas na parede e no chão, havia uma trilha que levava para a porta de entrada.... Talvez Kate, tivesse sido arrastada. Eu estava numa cena de crime, e diretamente ligado a ela! Continuei chamando. Seja lá, o que havia acontecido ali, eu não escutei nada. Não vi nada e no momento era a única pessoa presente. Eu não podia entrar em desespero, precisaria manter a calma, lembrar do tratamento com a terapeuta e manter a razão funcionando. Voltei alguns passos até aonde me lembrei que havia deixado o celular. Mas, ele também não estava. Olhei de relance e vi algo brilhando debaixo da cama. Por um momento, eu temia que fosse algo relacionado a Kate, então fui olhar. Me apoiei na beirada da cama e na mesinha de cabeceira e consegui me equilibrar o suficiente para me abaixar e examinar, mesmo que de maneira comprometedora, já que eu não enxergava cem por cento ainda. Eu vi um pingente e puxei. Era a corrente que eu dei pra Kate no natal passado. Me esforcei mais um pouco e me abaixei ainda mais, eu sabia que precisava ligar para o capitão e avisar o que estava acontecendo. Não consegui muito êxito devido as náuseas. Ajoelhei com dificuldade e apenas estiquei o braço. Tateei até bater em algo gelado, fechei a mão e senti que era retangular. Meu bipe. Quando puxei, realmente era meu aparelho. E nele tinha uma digital ensanguentada. Eu não podia limpar, era evidência. E como eu iria ligar? Me lembrei do carro. A questão era sua localização, do outro lado da rua. Eu teria que andar até lá, descer os dois lances de escadas e ainda atravessar. Justamente com a minha dificuldade de andar, eu precisaria tentar. Quanto mais tempo eu demorasse a relatar pra delegacia e ficasse perambulando no ambiente, mais eu contaminaria o ambiente com as minhas digitais. Peguei o bipe com cuidado para não borrar a digital e fui andando passo a passo, me apoiando na parede até chegar próximo a cozinha... Quando eu vi, fiquei aturdido. Eu estava acostumado com cenas como aquelas, mas não com pessoas que eu conhecia. Alicia, a amiga de Kate do apartamento ao lado, estava morta na cozinha. Havia um corte de ponta a ponta em sua garganta, e uma poça de sangue. Mas, por que ela está aqui? Cadê a Kate? Pensamentos e mais pensamentos começavam a me inundar, perguntas e mais perguntas. Eu não tinha tempo para procurar respostas. Mantive os passos firmes até chegar na porta de entrada. Sem nenhum sinal de arrombamento, nem de força, mas o sangue continuava em borrões na parede, pareciam marcas de dedos. Continuei observando meu trajeto e vi rastros de sangue que saiam de dentro da casa, provavelmente da Kate. Quem havia me drogado e matado a Alicia, havia levado ela. O prédio onde as duas garotas moravam, não era seguro, assim como o bairro. Circulavam traficantes, usuários e todo tipo de gente. Infelizmente aquele ela o imóvel mais acessível a Kate. Eu nunca quis me comprometer com ajuda financeira, era um vínculo que eu evitava a todo custo. E agora, eu estava no meio desse furacão. Muito provavelmente quem fez aquilo, havia visto meu distintivo ao lado da jaqueta e não quis me matar também. Aparentemente, aquilo parecia planejado. Quem quer que fosse, conhecia as garotas. Cheguei no lance de escadas e me deparei com alguns usuários subindo para os andares de cima, eu fazia vista grossa, por que não era meu departamento, mas eles também faziam vista grossa para mim e não mexiam mais com a Kate. Parecia tudo resolvido, até aquele momento. Todos que passavam por mim, me olhavam assustados. Eu pensei que fosse, por que eu me parecia com eles... Minha visão já estava um pouco melhor, nada que me ajudasse com aqueles degraus escuros, mas eu estava perto. As paredes pichadas, acabaram servindo de bussola. Foi tudo bem, até os últimos cinco, onde eu acabei não conseguindo levantar a perna e tropecei. A queda acabou me gerando um roxo na testa e uns hematomas no braço. Quando cheguei na entrada do prédio, ouvi gritos de cima. Eu percebi, que havia esquecido de fechar a porta. Acelerei mais ainda os passos, eu precisava garantir que ninguém conseguisse ligar antes de mim. Eu sabia que aquilo iria me deixar encrencado até o pescoço. Ao tocar na calçada, senti o ar gelado contra o rosto e avistei meu carro do outro lado da rua, um Toyota Corola cinza escuro, meu rádio estava no painel. Com todo esforço que fizera e a droga no meu organismo, que eu não fazia ideia de qual era, quando mais eu respirava, mais ficava enjoado. Eu corri o mais rápido que conseguia, evitando a buzina do carro que passava por mim, e cheguei até a porta do veículo. A situação era pior do que eu imaginava. Mesmo drogado e anestesiado, eu estava com a camisa ensanguentada, foi então que pude entender a reação das pessoas que passaram por mim. Eu também tinha um corte na mão, que só notei quando tentei abrir a maçaneta do motorista. Depois disso, eu me sentei, peguei o rádio e fiz uma chamada para a minha delegacia. Falei com o meu capitão e fiquei no carro aguardando as viaturas chegarem. Tudo o que aconteceu em seguida, foi uma sucessão de caos. ¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬°¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬Dia, 4 de agosto de 2004. 160 W 87th St — Upper West Sideᵐⁱⁿʰᵃ ᵛⁱᵈᵃ ᵉˢᵗᵃ ᶜᵃᵒᵗⁱᶜᵃ...Depois de alguns meses longe do conforto de uma cama decente e um banho relaxante, nosso corpo fica mal-acostumado. Coisas simples e cotidianas acabam ganhando importância excessivamente desnecessária. Eu deveria estar saboreando este momento como uma segunda chance, mas tudo que eu consigo pensar é sobre aquele dia. Nada tem me tirado mais o sono, do que aquela maldita noite. Detesto não ter respostas.Infelizmente, na vida de um policial seja ele bom ou não, lidar com a frustação deveria ser algo natural. Vivemos uma profissão cheia de surpresas e reviravoltas."Droga! Nem nos meus piores pesadelos, imaginei viver algo assim."Pela primeira vez aqui, depois de tanto tempo, observo cada detalhe atentamente. Noto que minha casa permanece igual, embora eu não a reconheça. O mesmo papel de parede bege, o piso laminado escuro e a decoração vintage que Eva escolheu. Todavia o que aconteceu comigo, faz c
— Não vai me convidar para entrar? Em geral receber uma visita do sogro não costuma ser ruim. Mas, isso não se encaixa, se o mesmo for Raul Thomas Budwin.— Tenho outra opção? — Pergunto com certa aspereza. Raul, passa pelo batente observando cada detalhe. — Eva deve estar trabalhando. — Ele afirma diretamente — Então, vou poupar nosso tempo. Pela expressão em seu rosto, é evidente que essa, não será uma conversa amistosa.— Eu nunca gostei de você, isso é obvio. Gosto menos agora. No entanto, Eva não quis seguir meu conselho e aceitar a entrada do divórcio, quando você ainda estava preso. Não posso dizer que o teor seja uma surpresa. Sempre esperei o dia em que esse momento chegaria.— Estou bem, obrigado! — Uso todo meu sarcasmo— Sendo assim, porque se deu ao trabalho de vir aqui? Ela não costuma voltar atrás no que quer. Eu nunca o deixei se sobrepor. Raul é do tipo de cara que usava sua posição e seu dinheiro, para dominar as outras pessoas. Ele era um babaca com poder, não
Recolho o maço e retomo minha atividade primordial. Decido separar as manchetes por relevância e aproveito para descartar as especulações. No fim, só me restam alguns recortes. As informações levadas a corte e as informações vazadas pela imprensa. De posse dos recortes que valiam minha atenção, utilizo o barbante e a fita para organizar uma linha do tempo. Embora seja pouco, consigo analisar as evidências que tenho e chegar numa direção. Infelizmente nesse caso, a imprensa não conseguiu imagens de dentro do apartamento. As principais evidências que possuo são essas: A arma do crime desaparecida. Um corpo desaparecido, cadáver sem digitais e nossos aparelhos celulares também foram levados. Não houve sinal de arrombamento naquele dia. O assassino deve ter tido acesso ao apartamento em alguma outra ocasião ou usado habilidade de destrancar fechaduras. Muito recorrente a ladrões de carro e assaltantes profissionais. Kate trancou a porta, me lembro disso. A única janela com acesso esta
Aproveito que ela segue em direção as luzes acesas e procuro um disco de vinil especifico. Não é meu estilo musical favorito, mas aprendi a apreciar quando a conheci. Ao encontrar, coloco o disco no tocador e volto para a cozinha. Ando em passos lentos para surpreendê-la, assim que passo pelo batente, ela está distraída, remexendo o molho na panela. Mais perto do que estava antes, o aroma doce de baunilha e o toque floral de sândalo, se infiltram em minhas narinas. Respiro fundo e coloco a mão cobrindo seus olhos. — Eu conheço essas mãos — Apesar do susto, ela relaxa o corpo quando me toca — Posso ver o rosto agora? Retiro as mãos e a viro de frente a mim. Seus olhos azuis delineados por longos cílios, me encaram por alguns segundos. O aroma de comida, o perfume doce de Eva, a sonata tocando ao fundo. Por um momento, me lembrei de como éramos no começo. Nossas aventuras na cozinha, as vezes que fizemos amor nas bancadas. A ideia do jantar parecia melhor agora. — Seja, bem
Em um gesto de carinho ela levanta o braço e me puxa para mais perto, passa por trás do meu pescoço e me abraça. Fico ali parado por um momento, sem saber ao certo, se devo prosseguir ou não. Noto que seu corpo está relaxado, e devido a falta de tensão encaro aquilo como um sinal verde e retribuo o gesto. Seu corpo comparado ao meu é pequeno e se encaixa perfeitamente. Desço a cabeça e apoio em seu peito, ouço o seu coração batendo descompassado. " Noto que Eva está tão apreensiva quanto eu, mas sera que sente por mim o mesmo desejo que sinto por ela ?" Uma vontade quase irrefreável de beijá-la me consome, sinto rua respiração mudar de ritmo, e tenho certeza de que isso responde a minha pergunta. Mas, não sei se essa é uma boa ideia. A imagem do apartamento volta outra vez. Não consigo me livrar dessa cena, minha mente insiste em me punir. Preciso desesperadamente tirar isso da cabeça. Me afasto o suficiente para olhar seu rosto novamente. Eva não se move. Talvez ela também que
A imagem a minha frente, vem como um maldito flashback. A mesma posição, o mesmo ambiente, o mesmo corte. Mas, eu não conheço a garota. — Não faço ideia de quem seja. Ela me dá outra foto para olhar. Dessa vez eu vejo um apartamento, parecido com o de Kate, com exceção dos moveis e da cor da parede. Há sangue para todo lado, marcas de mãos, parece uma volta no tempo. — Onde foram tiradas essas fotos? — Pensei que você pudesse me dizer. Minha irritação começa a beirar o descontrole. Começo a ficar com raiva, aperto a mandíbula tentando conter as palavras quando elas saírem. — Eu não tenho como saber. Por acaso acham que fui eu? Por que eu faria isso agora? Ela não diz nada. Apenas me observa. Eu já fiz tudo o que ela está fazendo, eu sei qual é o jogo. E apesar de saber da minha inocência convictamente e de reconhecer que ela segue os protocolos, não posso evitar a fúria que queima em meu peito. — Eu já repeti isso inúmeras vezes, eu sou inocente. Eu fui incriminado no c
Na manhã seguinte, ao sinal do primeiro raio de sol que atinge meu rosto, sinto o sono se dissipar e minha mente ficar desperta. Ao tatear a cama, vejo que a mesma se encontra vazia. Levanto rapidamente e começo a chamar por Eva enquanto desço as escadas apressadamente. Ela me responde com um som bem fraco e abafado. Ao mesmo tempo que me sinto aliviado de ouvir sua voz, a tensão surge quando lembro do depósito. — Onde você está? — Aqui no porão. Vejo a porta da escada entreaberta, e sigo em direção ao piso inferior. Faz muito tempo desde a última vez em que pisei aqui. E Eva também ao julgar pela quantidade de teias e poeira que consigo enxergar. — O que você está procurando? — Pergunto genuinamente curioso. Eva não se esforça em sair do meio das caixas, apenas me chama com a ponta dos dedos e eu me aproximo. — Eu acordei pensando no que me disse ontem. — Ela começa— Eu não quero ficar me sentido desprotegida. Não sei exatamente aonde ela pretende chegar, mas algo me
O departamento como sempre estava agitado. O burburinho das vozes e os sons dos telefones que tocavam ao fundo, faziam daquele ambiente um lugar muito familiar. Embora, eu nunca tenha gostado da parte da papelada, nem do moinho barulhento, naquela situação, me recordei da minha rotina de alguns meses atrás. Onde minha única preocupação era investigar crimes e prender bandidos. Minha localização era privilegiada em relação ao meu trabalho, poderia ter chegado em poucos minutos, no entanto, quando notei que estava sendo seguido por um paparazzo, precisei despistá-lo. Levei aproximadamente mais vinte minutos do que o esperado. Ao chegar na entrada do prédio, deixei o carro estacionado na calçada e corri em direção ao Jhonatan, assim que ele apareceu no saguão. Direcionado por ele, fui levado a uma parte do departamento que pouco frequentávamos. A sala de investigação dos nerds. Ou “ O cérebro” como chamamos entre nós. Os corredores daquele ambiente eram limpos, pintados com um bran