— Não vai me convidar para entrar?
Em geral receber uma visita do sogro não costuma ser ruim. Mas, isso não se encaixa, se o mesmo for Raul Thomas Budwin. — Tenho outra opção? — Pergunto com certa aspereza. Raul, passa pelo batente observando cada detalhe. — Eva deve estar trabalhando. — Ele afirma diretamente — Então, vou poupar nosso tempo. Pela expressão em seu rosto, é evidente que essa, não será uma conversa amistosa. — Eu nunca gostei de você, isso é obvio. Gosto menos agora. No entanto, Eva não quis seguir meu conselho e aceitar a entrada do divórcio, quando você ainda estava preso. Não posso dizer que o teor seja uma surpresa. Sempre esperei o dia em que esse momento chegaria. — Estou bem, obrigado! — Uso todo meu sarcasmo— Sendo assim, porque se deu ao trabalho de vir aqui? Ela não costuma voltar atrás no que quer. Eu nunca o deixei se sobrepor. Raul é do tipo de cara que usava sua posição e seu dinheiro, para dominar as outras pessoas. Ele era um babaca com poder, não se pode esperar muito desse tipo. — Bom, eu não ligo para o que você faz com sua vida miserável, mas me importo quando isso envolve minha filha. E o nome da minha família. Fui claro? Tenciono a mandíbula para não dizer o que penso. — Você disse que pouparia nosso tempo vai direto ao assunto, ou terei que te mandar embora. Ele me retribui com um olhar de desdém, como se eu fosse um inseto em que ele pudesse pisar. — Gostaria que você pensasse no divórcio. Olho para ele com um sorriso irônico. — Você veio aqui só para isso? Pensei que não desperdiçaria nosso tempo. Impaciente, faço sinal para que ele saia em direção a porta. Mas, ao invés de se mover ele permanece imóvel. — Você é um parasita difícil de se desprender. — Suspira enfadado — Embora isso não seja nenhuma surpresa. — Devo te lembrar que ofender um oficial da lei, pode atuar em sua prisão? — Mais uma vez tenciono os músculos da mandíbula, ele não vale o esforço. Raul, se aproxima despreocupadamente da poltrona e senta-se. — Difícil compreender o objetivo da sua visita. Veio me ofender, me pedir pra deixar sua filha. Ou o quê? Seja rápido. Ele permanece quieto, apenas me encara, como se avaliasse minhas reações. — Não sei, se você matou a garota ou não. Mas, as provas te colocaram na rua. — Fala sem muita convicção — No entanto, quero te dar uma oportunidade de limpar sua sujeira e desvincular o nome da minha família, dessa infelicidade que você trouxe. De repente, a conversa deixa de ser desagradável e se torna interessante. Se tem algo que o deixa preocupado, é perder seus apoiadores. — Não preciso da sua ajuda. As provas falam por elas. Eu sou inocente. Dessa vez, ele ri com ironia. — É verdade, no entanto, você ainda está sobre investigação. E afastado do trabalho, se não me engano. — Enfatiza. — Vejo que você continua pagando bem suas fontes. Não que eu me interesse. Mas, vai fazer o quê? Subornar meu departamento inteiro? As veias saltam do seu pescoço. Mais uma vez, ele fica mudo. É provável que ele já tenha cogitado a ideia. — Infelizmente tem departamentos da lei, que o dinheiro não está acima. Todavia, tenho muitos favores que posso cobrar. Detesto políticos. Uma laia cheia de predadores que se acham acima da lei. Eva é o único motivo que me faz permanecer nessa família hipócrita de merda. — Se o discurso já acabou, a porta da rua é serventia da casa. Sua postura permanece prepotente. Essa não é a primeira vez que ele me oferece ajuda. O tipo de acordo que fazemos com o diabo. Minha postura, faz com que ele perceba que não estou disposto a negociar. Ele se levanta e caminha lentamente em minha direção, para alguns passos a minha frente e coloca a mão em meu ombro direito. — Na sua situação, essa é uma oportunidade indispensável. Pensa com calma. Eva tem o meu número. Assim que sua sombra passa para o lado de fora, fecho a porta com força o bastante para descontar minha raiva. O vidro ameaça quebrar, mas permanece intacto. — Desgraçado. Jonathan, ressurge assim que escuta o motor do carro se afastando. — Nunca fui com a cara desse sujeito. Evito encará-lo. Ao invés disso decido socar a parede. Não uso força o suficiente para causar dano a estrutura, diferente do hematoma que aparece na parte superior da mão. —Hey, calma aí. Esse cara não vale isso — Jay coloca o maço de jornal na mesa de apoio— Não posso usar meu telefone, mas eu dou um jeito de entrar em contato. Ele diz isso com um aceno e vai em direção a porta. Antes de desaparecer, ele me faz um gesto que no nosso meio significa " Fica de olho na retaguarda" E depois desaparece. Assim que Jonathan sai, fico sozinho. Apoio a mão na parede e corro os olhos pela casa. Tudo que está aqui—incluindo o imóvel— foi comprado com o meu salário e o de Eva. Eu recebo uma mixaria comparado a minha mulher, é certo. Mesmo assim nunca aceitamos um centavo que viesse dos Budwin. Caminho até o banheiro e lavo o rosto. Era isso, ou socar outra parede. Não era preciso muitos sinais para que minha atenção com essa gente ficasse em alerta. Não confiava em nenhum deles, exceto Eva. Comparada a sua família, ela sempre pareceu um peixe fora d'água. Nunca gostou das extravagâncias da sua mãe ou do exibicionismo do pai. Até mesmo veio desprovida da má índole do irmão mais velho. No entanto, independente da sua relação com eles ser fria, ela era a única filha que eles tinham. E embora não gostasse do fato, seu pai, apesar de um escroto, faria qualquer coisa por ela. Soltei um palavrão quando lembrei da arrogância do sujeito em vir na minha casa, me dizer o que fazer, ou propor qualquer trato que ele sequer pensou que Eu aceitaria. Quando obtivesse as respostas que procurava, iria esfregar na cara do babaca toda sua prepotência m*****a. Suspirei fundo e decidi voltar para o meu principal objetivo.Recolho o maço e retomo minha atividade primordial. Decido separar as manchetes por relevância e aproveito para descartar as especulações. No fim, só me restam alguns recortes. As informações levadas a corte e as informações vazadas pela imprensa. De posse dos recortes que valiam minha atenção, utilizo o barbante e a fita para organizar uma linha do tempo. Embora seja pouco, consigo analisar as evidências que tenho e chegar numa direção. Infelizmente nesse caso, a imprensa não conseguiu imagens de dentro do apartamento. As principais evidências que possuo são essas: A arma do crime desaparecida. Um corpo desaparecido, cadáver sem digitais e nossos aparelhos celulares também foram levados. Não houve sinal de arrombamento naquele dia. O assassino deve ter tido acesso ao apartamento em alguma outra ocasião ou usado habilidade de destrancar fechaduras. Muito recorrente a ladrões de carro e assaltantes profissionais. Kate trancou a porta, me lembro disso. A única janela com acesso esta
Aproveito que ela segue em direção as luzes acesas e procuro um disco de vinil especifico. Não é meu estilo musical favorito, mas aprendi a apreciar quando a conheci. Ao encontrar, coloco o disco no tocador e volto para a cozinha. Ando em passos lentos para surpreendê-la, assim que passo pelo batente, ela está distraída, remexendo o molho na panela. Mais perto do que estava antes, o aroma doce de baunilha e o toque floral de sândalo, se infiltram em minhas narinas. Respiro fundo e coloco a mão cobrindo seus olhos. — Eu conheço essas mãos — Apesar do susto, ela relaxa o corpo quando me toca — Posso ver o rosto agora? Retiro as mãos e a viro de frente a mim. Seus olhos azuis delineados por longos cílios, me encaram por alguns segundos. O aroma de comida, o perfume doce de Eva, a sonata tocando ao fundo. Por um momento, me lembrei de como éramos no começo. Nossas aventuras na cozinha, as vezes que fizemos amor nas bancadas. A ideia do jantar parecia melhor agora. — Seja, bem
Em um gesto de carinho ela levanta o braço e me puxa para mais perto, passa por trás do meu pescoço e me abraça. Fico ali parado por um momento, sem saber ao certo, se devo prosseguir ou não. Noto que seu corpo está relaxado, e devido a falta de tensão encaro aquilo como um sinal verde e retribuo o gesto. Seu corpo comparado ao meu é pequeno e se encaixa perfeitamente. Desço a cabeça e apoio em seu peito, ouço o seu coração batendo descompassado. " Noto que Eva está tão apreensiva quanto eu, mas sera que sente por mim o mesmo desejo que sinto por ela ?" Uma vontade quase irrefreável de beijá-la me consome, sinto rua respiração mudar de ritmo, e tenho certeza de que isso responde a minha pergunta. Mas, não sei se essa é uma boa ideia. A imagem do apartamento volta outra vez. Não consigo me livrar dessa cena, minha mente insiste em me punir. Preciso desesperadamente tirar isso da cabeça. Me afasto o suficiente para olhar seu rosto novamente. Eva não se move. Talvez ela também que
A imagem a minha frente, vem como um maldito flashback. A mesma posição, o mesmo ambiente, o mesmo corte. Mas, eu não conheço a garota. — Não faço ideia de quem seja. Ela me dá outra foto para olhar. Dessa vez eu vejo um apartamento, parecido com o de Kate, com exceção dos moveis e da cor da parede. Há sangue para todo lado, marcas de mãos, parece uma volta no tempo. — Onde foram tiradas essas fotos? — Pensei que você pudesse me dizer. Minha irritação começa a beirar o descontrole. Começo a ficar com raiva, aperto a mandíbula tentando conter as palavras quando elas saírem. — Eu não tenho como saber. Por acaso acham que fui eu? Por que eu faria isso agora? Ela não diz nada. Apenas me observa. Eu já fiz tudo o que ela está fazendo, eu sei qual é o jogo. E apesar de saber da minha inocência convictamente e de reconhecer que ela segue os protocolos, não posso evitar a fúria que queima em meu peito. — Eu já repeti isso inúmeras vezes, eu sou inocente. Eu fui incriminado no c
Na manhã seguinte, ao sinal do primeiro raio de sol que atinge meu rosto, sinto o sono se dissipar e minha mente ficar desperta. Ao tatear a cama, vejo que a mesma se encontra vazia. Levanto rapidamente e começo a chamar por Eva enquanto desço as escadas apressadamente. Ela me responde com um som bem fraco e abafado. Ao mesmo tempo que me sinto aliviado de ouvir sua voz, a tensão surge quando lembro do depósito. — Onde você está? — Aqui no porão. Vejo a porta da escada entreaberta, e sigo em direção ao piso inferior. Faz muito tempo desde a última vez em que pisei aqui. E Eva também ao julgar pela quantidade de teias e poeira que consigo enxergar. — O que você está procurando? — Pergunto genuinamente curioso. Eva não se esforça em sair do meio das caixas, apenas me chama com a ponta dos dedos e eu me aproximo. — Eu acordei pensando no que me disse ontem. — Ela começa— Eu não quero ficar me sentido desprotegida. Não sei exatamente aonde ela pretende chegar, mas algo me
O departamento como sempre estava agitado. O burburinho das vozes e os sons dos telefones que tocavam ao fundo, faziam daquele ambiente um lugar muito familiar. Embora, eu nunca tenha gostado da parte da papelada, nem do moinho barulhento, naquela situação, me recordei da minha rotina de alguns meses atrás. Onde minha única preocupação era investigar crimes e prender bandidos. Minha localização era privilegiada em relação ao meu trabalho, poderia ter chegado em poucos minutos, no entanto, quando notei que estava sendo seguido por um paparazzo, precisei despistá-lo. Levei aproximadamente mais vinte minutos do que o esperado. Ao chegar na entrada do prédio, deixei o carro estacionado na calçada e corri em direção ao Jhonatan, assim que ele apareceu no saguão. Direcionado por ele, fui levado a uma parte do departamento que pouco frequentávamos. A sala de investigação dos nerds. Ou “ O cérebro” como chamamos entre nós. Os corredores daquele ambiente eram limpos, pintados com um bran
Como se tudo ja não estivesse difícil, me sinto ainda pior quando a encontro chorando. Eu sabia que exercia culpa sobre isso. Todo esforço que ela provavelmente tem feito para aceitar as coisas como elas estão, foi testado hoje quando me vi obrigado a abandoná-la, e sair correndo sem nenhuma explicação. Tenho tomado decisões erradas, desde que conheci Kate. Me meti nessa confusão por estar no lugar errado, com a pessoa errada. E Eva continua pagando por minhas más escolhas. “Que grande babaca eu sou” Por conta, do chuveiro ela não me ouve aproximar, abro a porta de vidro com cuidado e depois desligo a torneira. Assim que a água para de correr, ela apressadamente tira a mão do rosto e ergue a cabeça assustada. Seu semblante suaviza quando me vê, embora seu olhar não tenha mudado com a expressão. Parece sem o mesmo brilho. Pego a toalha e coloco sobre seu corpo, me ajoelhando até atingir sua altura. Ela abaixa os olhos e evita contato visual. No momento desejo abraça-la, mas não
Após as dezoito horas, o relógio parecia correr em câmera lenta.Absolutamente entediado estou terminando de colocar a louça na máquina, quando sinto meu bipe vibrar. Deixo o serviço inacabado para olhar o remetente. Número desconhecido. Minha intuição grita “armadilha”, porém minha curiosidade acaba gritando mais alto. Movo a tecla para o lado e uma sequência numérica aparece. Analiso o que vejo por uns instantes, até perceber que se tratam de altitude e latitude. Uma localização. Minha primeira reação é disfarçar o quanto fico perturbado com o conteúdo. Olho ao redor, a procura de Eva. A encontro entretida, remexendo em alguns papéis. Sem me importar com que fazia antes, saio da cozinha e caminho até onde ela está. Ela levanta ligeiramente o olhar e sorri ao me ver. Tento retribuir sem que ela perceba minha inquietação. Me sento ao seu lado e retiro o celular do bolso. Eu sei que devo reportar para o capitão e não me envolver, mas há algo que me impede de obedecer. — Está tudo