Capítulo 4

Aproveito que ela segue em direção as luzes acesas e procuro um disco de vinil especifico. Não é meu estilo musical favorito, mas aprendi a apreciar quando a conheci. Ao encontrar, coloco o disco no tocador e volto para a cozinha. Ando em passos lentos para surpreendê-la, assim que passo pelo batente, ela está distraída, remexendo o molho na panela. Mais perto do que estava antes, o aroma doce de baunilha e o toque floral de sândalo, se infiltram em minhas narinas. Respiro fundo e coloco a mão cobrindo seus olhos.

— Eu conheço essas mãos — Apesar do susto, ela relaxa o corpo quando me toca — Posso ver o rosto agora?

Retiro as mãos e a viro de frente a mim.

Seus olhos azuis delineados por longos cílios, me encaram por alguns segundos.

O aroma de comida, o perfume doce de Eva, a sonata tocando ao fundo. Por um momento, me lembrei de como éramos no começo. Nossas aventuras na cozinha, as vezes que fizemos amor nas bancadas. A ideia do jantar parecia melhor agora.

— Seja, bem-vindo.

Eva parece sincera. Observo atentamente seu corpo, seus olhos, suas mãos.

— É muito bom ouvir isso. — Paro e escolho as palavras, não é tão fácil dizer qualquer coisa no momento— Você está linda.

Seu cabelo parece mais comprido, ondas se formam abaixo da linha do queixo até o ombro. Algumas mechas se destacam mais claras que outras.

— Eu continuo a mesma. — Ela abaixa os olhos e assim como eu, procura o que dizer.

Eu não quero um clima estranho entre nós. Embora, entenda os motivos caso isso aconteça. Tentando deixá-la menos tensa, pego sua mão direita e a beijo.

— Eu tentei te ver... — Eva começa e então para. — Me desculpa!

Ela se refere as visitas que nunca fez. Mas, não posso culpá-la, de certo modo me senti aliviado. Não queria que ela me visse daquela forma.

— Não...— coloco o dedo na boca carnuda, pedindo seu silencio— Você não tem que me pedir desculpa.

Pego seu rosto com a mão e encaro seus olhos.

— Só eu preciso me desculpar aqui. Entendeu? Me perdoa.

Eva desvia o olhar e coloca a mão em meu peito.

— Teremos muito tempo para conversar sobre isso.

Concordo com a cabeça.

— O que você está cozinhando?

Percebo que o assunto a deixa desconfortável.

Talvez seja muito cedo para tocarmos no assunto, embora eu sinta urgência em me desculpar.

— Ravióli — Digo sorrindo.

Os olhos dela se iluminam.

— Você sabe que eu adoro — Eva pega outro avental na gaveta — Posso ajudar? Você parece estar precisando.

Estou quase terminando. Mas, pode ser uma boa oportunidade para evitar qualquer tensão.

— Claro.

Eva começa a limpar a bagunça que eu fiz, e eu na minha vez, cuido do molho e da massa que termina de cozinhar. Em alguns minutos, tudo já está terminado. Coloco a comida em uma travessa que ela me passa e depois pegamos a louça e levamos até a mesa de jantar. Ao entrarmos, Eva me olha surpresa e um tanto animada, eu diria.

— Você teve todo esse trabalho?

Meneio a cabeça em gesto afirmativo.

— Eu só iria chegar tarde hoje. Por acaso, iria ficar de tocaia me esperando? — Ela diz sorrindo.

— Sim — Eu tento disfarçar meu constrangimento — Valeria a pena, quando você chegasse.

Eva não responde. Antes, que ela se sente, pego a cadeira e a afasto.

— Senhorita? — Meu cavalheirismo está mais enferrujado que meu senso de avaliação, não soa tão confiante, quanto gostaria.

Eva se senta e eu a sirvo. Faço o mesmo para mim e me sento ao seu lado.

O jantar segue bem. Eva se sente relaxada, os ombros estão baixos, sua respiração tranquila. Conversamos sobre o seu trabalho, depois falamos sobre alguns amigos em comum. Eva se esforça para me manter informado em uma conversa casual, em nenhum momento menciona minha detenção, ou o meu caso. Não sei se fico tranquilo também. Não sou muito paciente quando tenho urgência em algum assunto em especifico. No entanto, não quero arriscar tudo agora.

Depois de algumas horas em um clima amistoso, e um tanto nostálgico. Eva se levanta e começa a recolher as coisas da mesa, eu me levanto para ajuda-lá. Depois de tudo recolhido ela segue em direção a sala e eu a sigo.

— Eu vou subir, já volto — Esboça um sorriso e pega a bolsa.

Me sento no sofá a tempo de inclinar a cabeça e observar o movimento das suas nádegas dançando na saia. Não preciso de mais para sentir a resposta do meu corpo. Nem mesmo toda essa pressão atual, inibe meus instintos naturais. Mudo a posição no sofá tentando aliviar o volume que pressiona meu quadril.

Ligo a televisão no canal do noticiário e procuro tirar a imagem da saia da minha mente. Manter distância vai ser mais difícil do que eu imaginei. O tempo passa lentamente , percebo que Eva demora um pouco a retornar. O brilho da tela começa a pesar meus olhos, não durmo bem a muito tempo. Aos poucos, a imagem vai se tornando um borrão, minha vista vai escurecendo...

*Estou em um vazio escuro. Ouço risos, sinto cheiro de sangue. Estou caminhando sem direção, até que encontro uma luz fraca ao longe. Decido me aproximar, conforme a luz fica mais forte, reconheço alguns elementos que me cercam. Estou no apartamento de Kate. Há sangue para todo o lado. Ouço a voz de Nicolai Viena, falando sobre o corte da cebola...*

Acordo assustado.

Sinto o peso que cai do meu ombro.

Em um instante já estou sentado inclinado no sofá. A televisão no mesmo canal de culinária daquela m*****a noite. Embora reconheça a sala de casa, ainda me sinto desnorteado. Um toque macio nas minhas costas, faz com que eu me vire imediatamente.

Eva está sentada ao meu lado. Me olha assustada.

— Está tudo bem? — Seus olhos me fitam com preocupação— Você estava dormindo e não quis te acordar. Eu mudei de canal e...

— Fica calma — Interrompi. Não quero que ela se preocupe— Foi só um pesadelo.

Mesmo que minha intenção seja não a preocupar, vejo pela maneira como me olha que não posso evitar isso. Coloco os cotovelos apoiados na perna e apoio o rosto nas mãos

— Eu sinto muito. Aposto que não tem dormido bem. Quer que eu te ajude?

Levanto a cabeça e me inclino em sua direção. Fico a centímetros do seu rosto. Sinto o hálito fresco de menta, o cheiro de lavanda da pele. Sua respiração começa a ficar acelerada.

— Vai ficar tudo bem. — Digo em um sussurro.

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