Capítulo 3

Recolho o maço e retomo minha atividade primordial.

Decido separar as manchetes por relevância e aproveito para descartar as especulações. No fim, só me restam alguns recortes. As informações levadas a corte e as informações vazadas pela imprensa. De posse dos recortes que valiam minha atenção, utilizo o barbante e a fita para organizar uma linha do tempo. Embora seja pouco, consigo analisar as evidências que tenho e chegar numa direção. Infelizmente nesse caso, a imprensa não conseguiu imagens de dentro do apartamento.

As principais evidências que possuo são essas: A arma do crime desaparecida. Um corpo desaparecido, cadáver sem digitais e nossos aparelhos celulares também foram levados.

Não houve sinal de arrombamento naquele dia. O assassino deve ter tido acesso ao apartamento em alguma outra ocasião ou usado habilidade de destrancar fechaduras. Muito recorrente a ladrões de carro e assaltantes profissionais. Kate trancou a porta, me lembro disso. A única janela com acesso estava emperrada. Excluindo a possibilidade de ele entrar por ela. A não ser que ele tenha encontrado uma forma. Eu preciso investigar essas hipóteses.

Todavia não posso descartar nenhum suspeito, álibis podem ser forjados. Kate morava em um lugar perigoso, traficantes e usuários circulavam livremente. Isso, pode explicar a droga que injetaram em mim. Metanfetamina liquida. Seja quem for, não estou lidando com um amador. Não deixou digitais, premeditado. O que mais me intrigava era o desaparecimento de Kate.

Só há duas opções.

Ou ela está morta e desovada, ou então...se torna minha principal suspeita.

No apartamento encontraram o sangue de ambas as vítimas, mas eu não sei o quanto. Ou como o sangue foi encontrado, isso pode me ajudar a definir a posição de cada uma delas. Por isso eu preciso da minha própria investigação. Ela esteve estranha nas últimas semanas. Sempre querendo interferir no meu casamento. Cada encontro mais impaciente. Agitada

Embora eu tenha sido liberado pela falta de provas, a promotoria está dividida no meu caso. Uns me consideram totalmente capacitado de cometer um crime desse grau, uma vez que ser investigador me qualifica. Outros se baseiam na minha reputação e me dão o benefício da dúvida. Ser policial me dá uma lista imensa de inimigos.

Minha cabeça parece que vai explodir a qualquer momento. Eu cheguei em casa a algumas horas, depois de meses naquele cubículo apertado, precisando de proteção para dormir, comer, tomar banho. Isso não me poupou de algumas brigas, mas também aumentou minha lista.

Um policial sem inimigos, não faz seu trabalho direito. Preciso confiar no trabalho da minha equipe, mas também não posso descartar que Eva corre perigo. Não consigo simplesmente cruzar os braços.

Maldito dia. Maldito dia que conheci Kate Honey.

Ou Kathelen Andrews, como consta no seu registro. Eu nunca fui um cara santo, porém nunca fiz nada que colocasse minha mulher em perigo. Fora os riscos do trabalho, é claro. Embora odeie admitir, Raul desta vez não estava preocupado por Eva sem fundamento. E pensar que tudo começou por uma m*****a estupidez.

Não tinha mais o que fazer aqui por hoje.

Apaguei a luz do galpão, tranquei a porta e voltei pra casa.

Moro em um bairro caro e seguro, para proteger Eva. Visito a família dela contra minha vontade, sempre que ela me pede. Procuro fazer o que posso para vê-la feliz. Mas, aos poucos fomos nos afastando. Nossos trabalhos exigem muito do nosso tempo, o estresse. Nos tornamos estranhos debaixo do mesmo teto. Kate apareceu em um momento que eu me sentia necessitado. Sexo bom e barato, confidencialidade. Não foi difícil me envolver com ela.

As coisas estavam indo bem, já não sentia a indiferença em casa, tinha sexo sempre que queria. Em pouco tempo já estava acomodado. O problema foi que Kate começou a sentir cada vez mais intima, confundiu trabalho com um romance que nunca existiu. Eu a tratava bem, dava presentes, não era como os outros clientes. E isso confundiu sua cabeça. Comecei a fugir da nossa rotina também. Sempre que ela vinha com a conversa de que eu precisava abandonar minha mulher, discutíamos e eu sumia por semanas. Mas, nunca encostei um dedo nela. Não do jeito errado.

E agora, olha só onde eu estou? Supostamente ligado ao seu desaparecimento, e fui mantido encarcerado por um assassinato que eu não cometi.

Preciso corrigir essa bagunça o quanto antes. Principalmente a bagunça que eu fiz no meu casamento.

Minha casa é muito grande e espaçosa para duas pessoas. Isso porque tínhamos planos de aumentar a família no começo, hoje não tenho mais certeza. Ao menos, por enquanto. A única coisa certa, era que Eva por algum motivo não fez o que o pai propôs. Não terminou o nosso casamento. Isso precisava ter algum significado.

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Depois de arrumar minhas coisas no quarto de hóspedes do andar superior, desço para cozinha e começo a fazer o jantar. Não costumo ter tempo para praticar hobbies, apesar de gostar de cozinhar. Por isso, não tenho forma melhor de passar o tempo, que não seja cozinhando.

Não encontro tudo o que preciso, mas o suficiente para fazer um ravióli decente. Receita da minha Nonna. São dez e quinze da noite, de acordo com o relógio de parede. Eva chegará mais tarde. Tempo suficiente para terminar a refeição.

Começo com a massa, e sigo o passo a passo de acordo com o que aprendi. Passado algum tempo, enquanto o molho de tomate cozinha, aproveito para olhar em volta. Eu sou bom em cozinhar e investigar crimes, mas péssimo em evitar sujeira e bagunça durante o preparo de uma simples receita. Minha intenção é causar uma boa impressão, com essa zona de guerra, não terei muitos pontos. Talvez arrumar a mesa, seria um bom reparo.

Caminho até a despensa e procuro por um vaso entre as caixas que guardamos para usar em ocasiões especiais. Não foi muito fácil, tentei mexer sem correr o risco de quebrar algumas das louças da minha mulher. No jardim temos roseiras, duas delas me servirão como enfeite. Com tudo reunido, lembro de algumas velas aromáticas na gaveta do armário e levo todas as coisas até a sala de jantar. Enquanto estou arrumando a mesa, ouço o clique na porta principal. Confiro meu relógio de pulso, embora seja difícil de acreditar, ainda são onze horas.

Só duas pessoas possuem a chave. Olhando para baixo, percebo que o avental não combina com a minha roupa. Retiro rapidamente o nó e o jogo na mesa, torço para que ele caia e fique escondido entre as cadeiras. Com as luzes apagadas, Eva passa sem perceber minha presença no cômodo. Fico na sombra, observando seus passos.

Ela coloca a bolsa na escada e tiras os saltos, depois desabotoa os primeiros botões da camisa de seda azul que veste e estica o pescoço. Observando-a de tão perto, minha mente divaga nas noites que passei em claro. Tive tempo para avaliar algumas coisas. O fato de Eva não ter me abandonado, me dá esperanças. Esse jantar precisa deixar nítido que estou disposto a mudar nosso casamento.

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