Recolho o maço e retomo minha atividade primordial.
Decido separar as manchetes por relevância e aproveito para descartar as especulações. No fim, só me restam alguns recortes. As informações levadas a corte e as informações vazadas pela imprensa. De posse dos recortes que valiam minha atenção, utilizo o barbante e a fita para organizar uma linha do tempo. Embora seja pouco, consigo analisar as evidências que tenho e chegar numa direção. Infelizmente nesse caso, a imprensa não conseguiu imagens de dentro do apartamento. As principais evidências que possuo são essas: A arma do crime desaparecida. Um corpo desaparecido e um cadáver sem digitais. Não houve sinal de arrombamento naquele dia. O assassino deve ter tido acesso ao apartamento em alguma outra ocasião ou usado habilidade de destrancar fechaduras. Muito recorrente a ladrões de carro e assaltantes profissionais. Kate trancou a porta, me lembro disso. A única janela com acesso estava emperrada. Excluindo a possibilidade de ele entrar por ela. A não ser que ele tenha encontrado uma forma. Eu preciso investigar essas hipóteses. Todavia não posso descartar nenhum suspeito, álibis podem ser forjados. Kate morava em um lugar perigoso, traficantes e usuários circulavam livremente. Isso, pode explicar a droga que injetaram em mim. Metanfetamina liquida. Seja quem for, não estou lidando com um amador. Não deixou digitais, premeditado. O que mais me intrigava era o desaparecimento de Kate. Só há duas opções. Ou ela está morta e desovada, ou então...se torna minha principal suspeita. No apartamento encontraram o sangue de ambas as vítimas, mas eu não sei o quanto. Ou como o sangue foi encontrado, isso pode me ajudar a definir a posição de cada uma delas. Por isso eu preciso da minha própria investigação. Ela esteve estranha nas últimas semanas. Sempre querendo interferir no meu casamento. Cada encontro mais impaciente. Agitada Embora eu tenha sido inocentado pela falta de provas, a promotoria está dividida no meu caso. Uns me consideram totalmente capacitado de cometer um crime desse grau, uma vez que ser investigador me qualifica. Outros se baseiam na minha reputação e me dão o benefício da dúvida. Ser policial me dá uma lista imensa de inimigos. Minha cabeça parece que vai explodir a qualquer momento. Eu cheguei em casa a algumas horas, depois de meses naquele cubículo apertado, precisando de proteção para dormir, comer, tomar banho. Isso não me poupou de algumas brigas, mas também aumentou minha lista. Um policial sem inimigos, não faz seu trabalho direito. Preciso confiar no trabalho da minha equipe, mas também não posso descartar que Eva corre perigo. Não consigo simplesmente cruzar os braços. Maldito dia. Maldito dia que conheci Kate Honey. Ou Kathelen Andrews, como consta no seu registro. Eu nunca fui um cara santo, porém nunca fiz nada que colocasse minha mulher em perigo. Fora os riscos do trabalho, é claro. Embora odeie admitir, Raul desta vez não estava preocupado por Eva sem fundamento. E pensar que tudo começou por uma m*****a estupidez. Não tinha mais o que fazer aqui por hoje. Apaguei a luz do galpão, tranquei a porta e voltei pra casa. Moro em um bairro caro e seguro, para proteger Eva. Visito a família dela contra minha vontade, sempre que ela me pede. Procuro fazer o que posso para vê-la feliz. Mas, aos poucos fomos nos afastando. Nossos trabalhos exigem muito do nosso tempo, o estresse. Nos tornamos estranhos debaixo do mesmo teto. Kate apareceu em um momento que eu me sentia necessitado. Sexo bom e barato, confidencialidade. Não foi difícil me envolver com ela. As coisas estavam indo bem, já não sentia a indiferença em casa, tinha sexo sempre que queria. Em pouco tempo já estava acomodado. O problema foi que Kate começou a sentir cada vez mais intima, confundiu trabalho com um romance que nunca existiu. Eu a tratava bem, dava presentes, não era como os outros clientes. E isso confundiu sua cabeça. Comecei a fugir da nossa rotina também. Sempre que ela vinha com a conversa de que eu precisava abandonar minha mulher, discutíamos e eu sumia por semanas. Mas, nunca encostei um dedo nela. Não do jeito errado. E agora, olha só onde eu estou? Supostamente ligado ao seu desaparecimento, e fui mantido encarcerado por um assassinato que eu não cometi. Preciso corrigir essa bagunça o quanto antes. Principalmente a bagunça que eu fiz no meu casamento. Minha casa é muito grande e espaçosa para duas pessoas. Isso porque tínhamos planos de aumentar a família no começo, hoje não tenho mais certeza. Ao menos, por enquanto. A única coisa certa, era que Eva por algum motivo não fez o que o pai propôs. Não terminou o nosso casamento. Isso precisava ter algum significado. ¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬°¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬ Depois de arrumar minhas coisas no quarto de hóspedes do andar superior, desço para cozinha e começo a fazer o jantar. Não costumo ter tempo para praticar hobbies, apesar de gostar de cozinhar. Por isso, não tenho forma melhor de passar o tempo, que não seja cozinhando. Não encontro tudo o que preciso, mas o suficiente para fazer um ravióli decente. Receita da minha Nonna. São dez e quinze da noite, de acordo com o relógio de parede. Eva chegará mais tarde. Tempo suficiente para terminar a refeição. Começo com a massa, e sigo o passo a passo de acordo com o que aprendi. Passado algum tempo, enquanto o molho de tomate cozinha, aproveito para olhar em volta. Eu sou bom em cozinhar e investigar crimes, mas péssimo em evitar sujeira e bagunça durante o preparo de uma simples receita. Minha intenção é causar uma boa impressão, com essa zona de guerra, não terei muitos pontos. Talvez arrumar a mesa, seria um bom reparo. Caminho até a despensa e procuro por um vaso entre as caixas que guardamos para usar em ocasiões especiais. Não foi muito fácil, tentei mexer sem correr o risco de quebrar algumas das louças da minha mulher. No jardim temos roseiras, duas delas me servirão como enfeite. Com tudo reunido, lembro de algumas velas aromáticas na gaveta do armário e levo todas as coisas até a sala de jantar. Enquanto estou arrumando a mesa, ouço o clique na porta principal. Confiro meu relógio de pulso, embora seja difícil de acreditar, ainda são onze horas. Só duas pessoas possuem a chave. Olhando para baixo, percebo que o avental não combina com a minha roupa. Retiro rapidamente o nó e o jogo na mesa, torço para que ele caia e fique escondido entre as cadeiras. Com as luzes apagadas, Eva passa sem perceber minha presença no cômodo. Fico na sombra, observando seus passos. Ela coloca a bolsa na escada e tiras os saltos, depois desabotoa os primeiros botões da camisa de seda azul que veste e estica o pescoço. Observando-a de tão perto, minha mente divaga nas noites que passei em claro. Tive tempo para avaliar algumas coisas. O fato de Eva não ter me abandonado, me dá esperanças. Esse jantar precisa deixar nítido que estou disposto a mudar nosso casamento.Aproveito que ela segue em direção as luzes acesas e procuro um disco de vinil especifico. Não é meu estilo musical favorito, mas aprendi a apreciar quando a conheci. Ao encontrar, coloco o disco no tocador e volto para a cozinha. Ando em passos lentos para surpreendê-la, assim que passo pelo batente, ela está distraída, remexendo o molho na panela. Mais perto do que estava antes, o aroma doce de baunilha e o toque floral de sândalo, se infiltram em minhas narinas. Respiro fundo e coloco a mão cobrindo seus olhos. — Eu conheço essas mãos — Apesar do susto, ela relaxa o corpo quando me toca — Posso ver o rosto agora?Retiro as mãos e a viro de frente a mim. Seus olhos azuis delineados por longos cílios, me encaram por alguns segundos. O aroma de comida, o perfume doce de Eva, a sonata tocando ao fundo. Por um momento, me lembrei de como éramos no começo. Nossas aventuras na cozinha, as vezes que fizemos amor nas bancadas. A ideia do jantar parecia melhor agora. — Seja, bem-vindo.
Em um gesto de carinho ela levanta o braço e me puxa para mais perto, passa por trás do meu pescoço e me abraça. Fico ali parado por um momento, sem saber ao certo, se devo prosseguir ou não. Noto que seu corpo está relaxado, e devido a falta de tensão encaro aquilo como um sinal verde e retribuo o gesto. Seu corpo comparado ao meu é pequeno e se encaixa perfeitamente. Desço a cabeça e apoio em seu peito, ouço o seu coração batendo descompassado." Ela está tão apreensiva quanto eu, mas sera que sente por mim o mesmo desejo que sinto por seu corpo?" Uma vontade quase irrefreável de beijá-la me consome, sinto rua respiração mudar de ritmo, e tenho certeza de que isso responde a minha pergunta. Mas, não sei se essa é uma boa ideia. A imagem do apartamento volta outra vez. Não consigo me livrar dessa cena, minha mente insiste em me punir. Preciso desesperadamente tirar isso da cabeça. Me afasto o suficiente para olhar seu rosto novamente. Eva não se move. Talvez ela também queira o mes
A imagem a minha frente, vem como um maldito flashback. A mesma posição, o mesmo ambiente, o mesmo corte. Mas, eu não conheço a garota.— Não faço ideia de quem seja.Ela me dá outra foto para olhar. Dessa vez eu vejo um apartamento, parecido com o de Kate, com exceção dos moveis e da cor da parede. Há sangue para todo lado, marcas de mãos, parece uma volta no tempo.— Onde foram tiradas essas fotos?— Pensei que você pudesse me dizer.Minha irritação começa a beirar o descontrole. Começo a ficar com raiva, aperto a mandíbula tentando conter as palavras quando elas saírem.— Eu não tenho como saber. Por acaso acham que fui eu? Por que eu faria isso agora?Ela não diz nada. Apenas me observa. Eu já fiz tudo o que ela está fazendo, eu sei qual é o jogo. E apesar de saber da minha inocência convictamente e de reconhecer que ela segue os protocolos, não posso evitar a fúria que queima em meu peito.— Eu já repeti isso inúmeras vezes, eu sou inocente. Eu fui incriminado no caso de Alicia M
Na manhã seguinte, ao sinal do primeiro raio de sol que atinge meu rosto, sinto o sono se dissipar e minha mente ficar desperta. Ao tatear a cama, vejo que a mesma se encontra vazia. Levanto rapidamente e começo a chamar por Eva enquanto desço as escadas apressadamente. Ela me responde com um som bem fraco e abafado.Ao mesmo tempo que me sinto aliviado de ouvir sua voz, a tensão surge quando lembro do armazém.— Onde você está?— Aqui no porão.Vejo a porta da escada entreaberta, e sigo em direção ao piso inferior. Faz muito tempo desde a última vez em que pisei aqui. E Eva também ao julgar pela quantidade de teias e poeira que consigo enxergar.— O que você está procurando? — Pergunto genuinamente curioso.Eva não se esforça em sair do meio das caixas, apenas me chama com a ponta dos dedos e eu me aproximo.— Eu acordei pensando no que me disse ontem. — Ela começa— Eu não quero ficar me sentido desprotegida.Não sei exatamente aonde ela pretende chegar, mas algo me diz que talvez eu
O departamento como sempre estava agitado. O burburinho das vozes e os sons dos telefones que tocavam ao fundo, faziam daquele ambiente um lugar muito familiar. Embora, eu nunca tenha gostado da parte da papelada, nem do moinho barulhento, naquela situação, me recordei da minha rotina de alguns meses atrás. Onde minha única preocupação era investigar crimes e prender bandidos. Minha localização era privilegiada em relação ao meu trabalho, poderia ter chegado em poucos minutos, no entanto, quando notei que estava sendo seguido por um paparazzo, precisei despistá-lo. Levei aproximadamente mais vinte minutos do que o esperado. Ao chegar na entrada do prédio, deixei o carro estacionado na calçada e corri em direção ao Jhonatan, assim que ele apareceu no saguão. Direcionado por ele, fui levado a uma parte do departamento que pouco frequentávamos.A sala de investigação dos nerds. Ou “ O cérebro” como chamamos entre nós.Os corredores daquele ambiente eram limpos, pintados com um branco se
Como se tudo ja não estivesse difícil, me sinto ainda pior quando a encontro chorando. Eu sabia que exercia culpa sobre isso, embora não esteja exatamente claro os motivos. Todavia, o esforço que ela provavelmente tem feito para aceitar as coisas como elas estão, foi testado hoje quando me vi obrigado a abandoná-la e sair correndo sem nenhuma explicação. Tenho tomado decisões erradas, desde que conheci Kate. Me meti nessa confusão por estar no lugar errado, com a pessoa errada. E Eva continua pagando por minhas más escolhas. “Que grande babaca eu sou” Por conta, do chuveiro ela não me ouve aproximar, abro a porta de vidro com cuidado e depois desligo a torneira. Assim que a água para de correr, ela apressadamente tira a mão do rosto e ergue a cabeça assustada. Seu semblante suaviza quando me vê, embora seu olhar não tenha mudado com a expressão. Parece sem o mesmo brilho. Pego a toalha e coloco sobre seu corpo, me ajoelhando até atingir sua altura. Ela abaixa os olhos e evita cont
Lembro-me como se fosse hoje... Dia 23 de novembro de 2003. 19:00 horas, aproximadamente. 3th avenue st com a E144th st Mott Haven — Bronx — O que você vai fazer amanhã? — Kate me perguntava entusiasmada. — Amanhã...? —Fingi surpresa, embora nós dois soubéssemos a resposta— Vejamos?... vou trabalhar e depois passar o jantar de ação de graças com a minha mulher! — respondi serenamente. O rosto dela apoiado sobre meu peito se contorceu em desprezo. E por instantes pareceu estar concentrada, talvez pensasse no que iria dizer em seguida. — Por que você continua indo pra aquela casa? — Kate andava me questionando sobre isso, muitas vezes, nos últimos meses. A minha resposta era sempre a mesma: — Como assim? Eu moro lá, é pra onde eu vou todos os dias depois do meu expediente.— Ela odiou ouvir isso, por que sabia que era verdade Mesmo assim, se levantou e ficou sentada na cama ao meu lado, me observando atentamente enquanto insistia naquela conversa. — Mentiroso! — me di
Horas mais tarde, eu acordei. Mas, algo havia acontecido durante meu sono. Assim que abri os olhos, percebi que minha visão estava embaçada, tentei me levantar da cama, mas não conseguia. Me sentia fraco e a cabeça estava girando. Eu não enxergava um palmo a minha frente sem ser borrões e sombras, e o braço estava dormente. Com muita dificuldade olhei para baixo e vi que tinha um elástico segurando minha circulação e um pontinho arroxeado ao redor do que parecia ser um furo. Alguém havia me drogado. Passei a mão na cintura. O coldre ainda estava lá. Mas, minha arma havia desaparecido. Por um momento de sobriedade, me lembrei de Kate. Olhei para o lado, mas ela não estava lá. Me forcei a levantar outra vez, e por fim, sentei na cama. Apoiei os braços no colchão e me pus de pé. Não conseguia andar um passo sem sentir que minhas pernas, poderiam ceder a qualquer momento. Comecei a chamar por Kate e nada de resposta. Fechei os olhos e parei, precisava de um minuto antes de tent