Capítulo 1

Dia, 4 de agosto de 2004.

160 W 87th St — Upper West Side

ᵐⁱⁿʰᵃ ᵛⁱᵈᵃ ᵉˢᵗᵃ ᶜᵃᵒᵗⁱᶜᵃ...

Depois de alguns meses longe do conforto de uma cama decente e um banho relaxante, nosso corpo fica mal-acostumado. Coisas simples e cotidianas acabam ganhando importância excessivamente desnecessária. Eu deveria estar saboreando este momento como uma segunda chance, mas tudo que eu consigo pensar é sobre aquele dia. Nada tem me tirado mais o sono, do que aquela m*****a noite. Detesto não ter respostas.

Infelizmente, na vida de um policial seja ele bom ou não, lidar com a frustação deveria ser algo natural. Vivemos uma profissão cheia de surpresas e reviravoltas.

"Droga! Nem nos meus piores pesadelos, imaginei viver algo assim."

Pela primeira vez aqui, depois de tanto tempo, observo cada detalhe atentamente. Noto que minha casa permanece igual, embora eu não a reconheça. O mesmo papel de parede bege, o piso laminado escuro e a decoração vintage que Eva escolheu. Todavia o que aconteceu comigo, faz com que eu me sinta um intruso dentro do meu próprio lar.

Jogo a mala pequena sobre o sofá, assim que atravesso o arco da sala. Vazia. Não há ninguém em casa. Tudo bem, não é como se eu esperasse uma recepção ou coisa parecida. Meu único anseio é consertar meus erros, e a paz da solidão, de fato me ajuda no que eu preciso fazer.

Caminho silenciosamente pelo corredor que liga à cozinha. Na bancada vejo uma folha de papel dobrada ao meio:

" Estou de plantão até tarde. Mas, volto antes das duas da manhã. Que tal jantar comida chinesa?"

Eva parecia estar lidando bem com a situação, mediante as circunstâncias. Mas, não tinha como ter certeza. Levando em consideração minha recente descoberta sobre meu senso de avaliação enferrujado. Mas, eu não quero pensar demais nisso. Minha mente, tem pensamentos sombrios demais para lidar. Digamos, que eu não tenho o recurso do tempo ao meu favor.

Depois do julgamento — apesar de ter sido absorvido dos assassinatos por falta de provas contundentes que me ligassem diretamente ao crime— eu ainda sou assombrado por minha consciência. É óbvio que a pessoa que tentou me incriminar, não irá perder tempo e voltar a atenção a mim novamente. A divisão de narcóticos também se tornou uma pedra no meu sapato.

Eu tenho que refazer os meus passos daquele dia, meu sentido me diz que deixei algo passar despercebido. A essa altura, as pistam tem grande chance de terem esfriado seu rastro. Eu estou de mãos atadas. Minha equipe ter examinado a cena, descartou a possibilidade de contar com qualquer contribuição da parte deles. Preciso fazer minha própria investigação. Meu nervosismo cresce a cada minuto que passo longe do departamento.

Eu estou sozinho. Não há dúvidas.

Assim que termino minha refeição, sigo até a despensa e pego um carretel de barbante, fita adesiva e um rolo de papel filme. Depois caminho até as portas dos fundos e vou ao galpão de jardinagem que nós nunca usamos, exceto os funcionários. Bom, preciso resolver isso. Não quero ninguém xeretando minha zona de trabalho.

Aos poucos vou retirando tudo e coloco em uma parte acessível que temos mais ao fundo, bem distante do galpão. Com ele vazio, começo a organizar o espaço. Entre as quinquilharias que estavam guardadas, acho um painel descartado do consultório de Eva. Terei uma função muito melhor para ele, a partir de agora. Volto para o interior da minha casa e pego algumas lâmpadas da decoração do natal passado. Uma vez reunidas as coisas de que preciso, estou pronto para voltar ao galpão quando a campainha toca.

Em outro momento eu não precisaria atender, mas a meu pedido, Eva havia dado férias a Rosalina nossa governanta e alguns outros funcionários precisaram ser reduzidos. Um corte necessário para a privacidade de que preciso.

Ao chegar na porta —embora o vidro temperado distorça a imagem—reconheço a silhueta parada a soleira do lado externo.

— E aí, meu parceiro? — O homem parado a minha frente, apesar do rosto ser o mesmo, está diferente sem a barba.

— Pensei que você fosse me buscar. Mudança no visual?

Faço um gesto me referindo ao seu rosto. Ele olha o perímetro da rua antes de entrar, mesmo ela estando quase deserta àquela hora do dia.

— Foi mal. Você sabe que nós não podemos ser vistos juntos.

— Tem medo de sujar sua reputação também? — Brinco— Entra logo.

Assim que ele passa pelo batente, decido checar uma outra vez. Sempre tinha algum jornalista ou paparazzi rodeando. O que não era a situação de agora.

— Morar num bairro como esse te ajuda na descrição, difícil ter alguém perambulando... — Jay parecia nervoso — Mesmo assim, precisa ficar atento.

— Eu conheço a ficha dos meus vizinhos. Desencana. Trouxe o que eu pedi?

Jonathan Walker, me olha desconfiado. Retira o maço de papel debaixo do braço e antes que eu possa pegar, ele segura com mais firmeza.

— O que você está aprontando?

Olho para ele com certo desconforto.

— Não posso te contar. Você já se arriscou demais trazendo isso — puxo o maço novamente— Vai por mim, é melhor assim.

— Quer saber, tem razão...— No fim, ele cede e me entrega— Não quero ficar sabendo dessa merda que você está tramando. Já fui em muitos interrogatórios por sua causa.

Não posso dizer que me sinta comovido. Faz parte do nosso trabalho.

Olho os jornais, um por um, muitas manchetes sobre o meu caso. Talvez não tivesse tanta repercussão se eu não fosse casado com Eva. Ela vem de uma família rica e fluente na cidade. O pai ex-governador, o irmão deputado. Caí de paraquedas nesse mar de tubarões.

— Profissionalmente odeio esses babacas — Falo — Mas, é justamente dessa babaquice que eu preciso agora. Eles têm muitas fontes internas.

— Uma pedra no nosso sapato. — Ele afirma.

— É. Por isso que eu preciso deles agora.

Enquanto separo os que tem mais relevância, Jay fica móvel ao meu lado observando o que eu faço, intrigado.

— Você precisa manter isso em sigilo.

Sua voz em um tom pesado de apreensão.

— É claro. — Levanto a cabeça e o encaro— Pra quem eu contaria? Somos parceiros, não somos?

— Sim. Mas, é que...

Antes que consiga continuar, a campainha toca novamente. Nos encaramos por um segundo em silêncio, até que ela toca outra vez.

— Você está esperando mais alguém? — Jay sussurra.

Nego com a cabeça e faço sinal para que ele se esconda. Mas, antes entrego os jornais e espero até que ele suma da minha visão. Caminho até a porta um tanto cauteloso, percebo uma outra silhueta parada.

— Você...— Minha voz soa mais surpresa do que eu gosto.

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