02

Dias se passaram após a morte do pai de Elisa e lá estava ela novamente usando seu vestido preto, sobre mais lágrimas e angústia. Sua mãe não havia suportado a dor da perda de João e supostamente do filho Joaquim. Teresa esteve mal nos dias que se seguiram, a mulher não saía mais da cama e recusava se alimentar, ficando fraca, e tanta tristeza a sufocou, a ponto de seu coração não aguentar. 

Sofrendo com sua perda, Elisa terminava de se despedir dos conhecidos que haviam estado no funeral. A maioria se tratava apenas de curiosos, ela sabia que todos faziam conversas sobre o quanto desamparada estava, afinal se tratava apenas de uma jovem de vinte anos, solteira e sem família. Muitos estavam certos de que ela cairia na vida fácil, já que rondava outro boato de que o grande fazendeiro João Álvares havia deixado apenas dívidas, e esta parte Elisa sabia muito bem que não eram apenas mexericos. Ela e sua mãe ficaram assustadas com a quantidade de promissórias que haviam encontrado no escritório do pai após sua morte.

Entre todas as pessoas ali presentes, havia um casal do qual Elisa nunca tinha visto antes, o que também levantou certas conversas entre o povoado. Tratava-se de pessoas muito bem vestidas, o homem tinha os cabelos médios levemente encaracolados sob a cartola, olhos escuros e uma barba impecável, além de uma expressão fria e séria. A mulher não era muito diferente, tinha aparência de ter a idade para ser sua mãe, uma senhora de chapéu elegante e um vestido caro, além das joias exuberantes.

Mesmo curiosa, Elisa não tinha forças para se aproximar, ainda estava presa em tanta dor pelo luto dos pais, era uma dor profunda e devastadora, talvez nunca passasse. 

A voz do padre Pedro sobre seus ouvidos a tirou do transe:

— Minha filha, vá para casa e descanse um pouco, você parece exausta.

Ele, que era a única referência de família que lhe havia restado,  a amparava com carinho. O padre Pedro era primo de segundo grau de sua mãe, e agora, Elisa sabia que ele se sentia responsável por ela de alguma forma. Porém, tinha suas obrigações com a igreja e já não era tão jovem assim para assumir tanta responsabilidade.

— Ai, padre, aquela casa... Tudo ali me lembra... Minha família. 

Ela suspirou fundo ao lado do padre.

As pessoas saíam para fora e, aos poucos, a igreja ficava vazia... Então, Elisa fitou o casal misterioso com mais clareza, naquele instante eles pareciam se aproximar, algo dentro dela lhe dizia que não iria gostar do que eles tinham a dizer, seja lá o que fosse.

— Boa tarde, Elisa. Gostaríamos de prestar nossas condolências — a mulher foi a primeira a falar.

Como havia recebido uma boa educação, Elisa correspondeu ao cumprimento, estendendo com um gesto de cabeça. A mulher continuou:

— Você é ainda mais bonita do que seu pai a descreveu.

A forma como a mulher lhe analisava deixou Elisa desconcertada.

— Obrigada, senhora. E... A senhora conhecia meu pai?

— Sim, eu e meu filho... Ora, acho melhor nos apresentarmos.

Imediatamente, o homem deu um passo à frente, interrompendo a mãe como se toda aquela formalidade fosse dispensável.

— Sou Manuel Valença, e esta é minha mãe, Edna Valença.

Ele estendeu-lhe a mão e Elisa ainda demorou para tocá-la e sentiu que tinha algo muito estranho com os dois à sua frente.

Percebendo o desconforto, o padre Pedro foi logo tentando ajudar.

— Me desculpem, mas Elisa está exausta, ela precisa se retirar para descansar.

Naquele instante, Elisa agradeceu mentalmente ao padre por ajudá-la.

— Não vamos demorar, na verdade, também desejo partir logo. Só vim buscar o que me pertence.

Elisa estreitou os ombros, inquieta, e olhou para o padre, que devolveu o olhar, ambos estavam confusos.

A mulher pigarreou ao notar o clima que se instalou.

— Desculpem o meu filho, paciência não é muito o forte dele — falou, esboçando um falso sorriso.

Manuel bufou, irritado com a intromissão da mãe, mas a deixou falar. 

— Acho que podíamos tomar uma água, assim podemos conversar com tranquilidade, afinal está bem quente o clima hoje.

A mulher abriu seu leque e o balançou a fim de se refrescar.

Elisa estava começando a se irritar com as duas figuras à sua frente, afinal, que tipo de pessoas eles eram por não respeitar seu momento de luto e serem tão inconvenientes? Respirou fundo e tentou ser o mais educada possível.

— Olha, me perdoem, mas estou muito indisposta. Se quiserem conversar comigo, podemos marcar um outro dia...

— Não, senhorita — Manuel interrompeu, mais irritado que antes.— Tenho um negócio no qual preciso tratar o mais rápido possível.

Ainda mais desconfortável com a indelicadeza do homem, Elisa respirou fundo.

— Cavalheiro, seja qual for o motivo que os trouxe aqui, infelizmente não poderei tratá-lo neste momento. Desculpe minha indelicadeza, mas preciso me retirar.

Decidida, Elisa se virou de costas para sair. De repente, ela sentiu um mal estar, como se o casal ali presente não lhe trouxesse nada de bom, mas se manteve firme até ouvir o que viria a seguir:

— A senhorita terá que se casar comigo — a voz do homem saiu em tom exageradamente autoritário.

Elisa parou no exato momento, sentindo cada parte do seu corpo paralisar.

Ela engoliu seco e olhou para o padre em desespero, como se aquelas palavras fossem uma loucura.

A mulher, que se apresentou como Edna, novamente se manifestou na tentativa de amenizar as coisas:

— Então... O que vocês acham de, além de tomarmos uma água bem fresquinha, nos servirmos um suco também?

*

Elisa não tinha outra alternativa que não fosse levá-los até a casa do padre, que ofereceu de bom grado. O clima não era dos melhores, havia um silêncio torturante enquanto aguardavam as bebidas. Era nítido que o tal Manuel não estava com muita paciência, ele balançava os pés enquanto Edna sacudia o leque com uma intensidade exagerada enquanto reclamava do calor pela terceira vez seguida.

Um servo lhes serviu as bebidas.

— Queria algo mais forte — resmungou Manuel, carrancudo.

Edna lhe repreendeu:

— Você está na casa de um sacerdote, se comporte!

Ele, no entanto, revirou os olhos como se não se importasse.

Enquanto isso, as palavras daquele homem ainda gritavam na cabeça de Elisa : A senhorita terá que se casar comigo!

Aquilo não poderia ser possível. 

Edna bebeu um gole insignificante de sua bebida, demonstrando que a ideia de beber água havia sido apenas uma desculpa, enquanto Manuel nem havia tocado no copo.

Ao perceber que Elisa estava à beira de um colapso nervoso, o padre tentou ajudá-la a resolver aquele engano e liberar a jovem para descansar.

— Então, acho que devíamos ouvir o que vocês têm a dizer à Elisa para que ela possa se retirar e descansar.

Manuel, apressado, foi logo dizendo:

— Eu já disse tudo. Senhorita Elisa, você terá que se casar comigo.

O padre ainda argumentou:

— Deve estar havendo algum engano...

— Não há engano algum. Eu tenho alguns documentos como prova do que digo. O senhor João Álvares devia à minha família uma quantia considerável em dinheiro, então fizemos um acordo com ele: se não quitasse a tempo a dívida, sua fazenda e a mão de sua filha seriam minhas. Então, eu vim com essa finalidade, para me apropriar do que é meu. 

Elisa ficou trêmula diante das palavras de Manuel, sentiu seu corpo fraco e se sentou rapidamente.

— Isto é... Uma loucura... Não é possível — o padre quase gritou.

— Talvez você tenha se confundido... Eu...— Elisa tentou achar alguma explicação, mas acabou se perdendo nas palavras.

Edna levantou e colocou seu copo na bandeja.

— Não, querida. Meu filho está certo, e já consultamos um juiz, trouxemos toda a documentação necessária. A fazenda Álvares nos pertence, e como ainda restam muitas dívidas, você deverá se casar com meu filho. E não se preocupe, você terá uma vida digna de uma rainha, se sinta lisonjeada com esta oportunidade que seu pai lhe deixou, afinal, você não tem mais ninguém e só lhe restariam uma fazenda que, acredito eu, está em ruínas, e muitas dívidas. Seu pai pensou em garantir o seu futuro. Você tem sorte, menina!

A animação no final da frase da mulher deixou Elisa ainda mais perdida, aquelas eram muitas emoções para apenas um dia, na verdade, tinha enterrado os pais há pouco, não tinha notícias do irmão, e agora mais essa. 

— Me perdoem, mas preciso falar com o meu primo em particular — Elisa falou ainda trêmula enquanto olhava para o padre.

O casal pareceu inquieto, como se desejassem acabar com aquilo logo, no entanto, não se opuseram.

— Mas é claro — a mulher falou enquanto se abanava por causa do calor.

O tal Manuel parecia irritado, mas não se manifestou.

Ali, a sós com o padre, Elisa desabou em mais lágrimas.

— Isto é um absurdo…

— Acalme-se, minha filha.

Ela fungou enquanto se sentava na cadeira ao lado, sendo amparada com ternura pelo único parente que lhe sobrara.

— Elisa, vamos procurar um escrivão, talvez haja algo que possamos fazer.

Aquilo acendeu uma chama de esperança. Elisa limpou os olhos com as costas das mãos.

— O senhor acha que há esperança?— perguntou enquanto segurava as mãos do padre já marcadas pela idade.

— Tenha fé, menina, acredito que tudo nesta vida tenha um propósito maior. Agora se recomponha e vamos ao cartório.

Ela apenas engoliu seco, perdida em um emaranhado de dúvidas. Tinha muita fé, entretanto, ela travava uma batalha contra um mau presságio que a assombrava.

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