Dias se passaram após a morte do pai de Elisa e lá estava ela novamente usando seu vestido preto, sobre mais lágrimas e angústia. Sua mãe não havia suportado a dor da perda de João e supostamente do filho Joaquim. Teresa esteve mal nos dias que se seguiram, a mulher não saía mais da cama e recusava se alimentar, ficando fraca, e tanta tristeza a sufocou, a ponto de seu coração não aguentar.
Sofrendo com sua perda, Elisa terminava de se despedir dos conhecidos que haviam estado no funeral. A maioria se tratava apenas de curiosos, ela sabia que todos faziam conversas sobre o quanto desamparada estava, afinal se tratava apenas de uma jovem de vinte anos, solteira e sem família. Muitos estavam certos de que ela cairia na vida fácil, já que rondava outro boato de que o grande fazendeiro João Álvares havia deixado apenas dívidas, e esta parte Elisa sabia muito bem que não eram apenas mexericos. Ela e sua mãe ficaram assustadas com a quantidade de promissórias que haviam encontrado no escritório do pai após sua morte. Entre todas as pessoas ali presentes, havia um casal do qual Elisa nunca tinha visto antes, o que também levantou certas conversas entre o povoado. Tratava-se de pessoas muito bem vestidas, o homem tinha os cabelos médios levemente encaracolados sob a cartola, olhos escuros e uma barba impecável, além de uma expressão fria e séria. A mulher não era muito diferente, tinha aparência de ter a idade para ser sua mãe, uma senhora de chapéu elegante e um vestido caro, além das joias exuberantes. Mesmo curiosa, Elisa não tinha forças para se aproximar, ainda estava presa em tanta dor pelo luto dos pais, era uma dor profunda e devastadora, talvez nunca passasse. A voz do padre Pedro sobre seus ouvidos a tirou do transe: — Minha filha, vá para casa e descanse um pouco, você parece exausta. Ele, que era a única referência de família que lhe havia restado, a amparava com carinho. O padre Pedro era primo de segundo grau de sua mãe, e agora, Elisa sabia que ele se sentia responsável por ela de alguma forma. Porém, tinha suas obrigações com a igreja e já não era tão jovem assim para assumir tanta responsabilidade. — Ai, padre, aquela casa... Tudo ali me lembra... Minha família. Ela suspirou fundo ao lado do padre. As pessoas saíam para fora e, aos poucos, a igreja ficava vazia... Então, Elisa fitou o casal misterioso com mais clareza, naquele instante eles pareciam se aproximar, algo dentro dela lhe dizia que não iria gostar do que eles tinham a dizer, seja lá o que fosse. — Boa tarde, Elisa. Gostaríamos de prestar nossas condolências — a mulher foi a primeira a falar. Como havia recebido uma boa educação, Elisa correspondeu ao cumprimento, estendendo com um gesto de cabeça. A mulher continuou: — Você é ainda mais bonita do que seu pai a descreveu. A forma como a mulher lhe analisava deixou Elisa desconcertada. — Obrigada, senhora. E... A senhora conhecia meu pai? — Sim, eu e meu filho... Ora, acho melhor nos apresentarmos. Imediatamente, o homem deu um passo à frente, interrompendo a mãe como se toda aquela formalidade fosse dispensável. — Sou Manuel Valença, e esta é minha mãe, Edna Valença. Ele estendeu-lhe a mão e Elisa ainda demorou para tocá-la e sentiu que tinha algo muito estranho com os dois à sua frente. Percebendo o desconforto, o padre Pedro foi logo tentando ajudar. — Me desculpem, mas Elisa está exausta, ela precisa se retirar para descansar. Naquele instante, Elisa agradeceu mentalmente ao padre por ajudá-la. — Não vamos demorar, na verdade, também desejo partir logo. Só vim buscar o que me pertence. Elisa estreitou os ombros, inquieta, e olhou para o padre, que devolveu o olhar, ambos estavam confusos. A mulher pigarreou ao notar o clima que se instalou. — Desculpem o meu filho, paciência não é muito o forte dele — falou, esboçando um falso sorriso. Manuel bufou, irritado com a intromissão da mãe, mas a deixou falar. — Acho que podíamos tomar uma água, assim podemos conversar com tranquilidade, afinal está bem quente o clima hoje. A mulher abriu seu leque e o balançou a fim de se refrescar. Elisa estava começando a se irritar com as duas figuras à sua frente, afinal, que tipo de pessoas eles eram por não respeitar seu momento de luto e serem tão inconvenientes? Respirou fundo e tentou ser o mais educada possível. — Olha, me perdoem, mas estou muito indisposta. Se quiserem conversar comigo, podemos marcar um outro dia... — Não, senhorita — Manuel interrompeu, mais irritado que antes.— Tenho um negócio no qual preciso tratar o mais rápido possível. Ainda mais desconfortável com a indelicadeza do homem, Elisa respirou fundo. — Cavalheiro, seja qual for o motivo que os trouxe aqui, infelizmente não poderei tratá-lo neste momento. Desculpe minha indelicadeza, mas preciso me retirar. Decidida, Elisa se virou de costas para sair. De repente, ela sentiu um mal estar, como se o casal ali presente não lhe trouxesse nada de bom, mas se manteve firme até ouvir o que viria a seguir: — A senhorita terá que se casar comigo — a voz do homem saiu em tom exageradamente autoritário. Elisa parou no exato momento, sentindo cada parte do seu corpo paralisar. Ela engoliu seco e olhou para o padre em desespero, como se aquelas palavras fossem uma loucura. A mulher, que se apresentou como Edna, novamente se manifestou na tentativa de amenizar as coisas: — Então... O que vocês acham de, além de tomarmos uma água bem fresquinha, nos servirmos um suco também? * Elisa não tinha outra alternativa que não fosse levá-los até a casa do padre, que ofereceu de bom grado. O clima não era dos melhores, havia um silêncio torturante enquanto aguardavam as bebidas. Era nítido que o tal Manuel não estava com muita paciência, ele balançava os pés enquanto Edna sacudia o leque com uma intensidade exagerada enquanto reclamava do calor pela terceira vez seguida. Um servo lhes serviu as bebidas. — Queria algo mais forte — resmungou Manuel, carrancudo. Edna lhe repreendeu: — Você está na casa de um sacerdote, se comporte! Ele, no entanto, revirou os olhos como se não se importasse. Enquanto isso, as palavras daquele homem ainda gritavam na cabeça de Elisa : A senhorita terá que se casar comigo! Aquilo não poderia ser possível. Edna bebeu um gole insignificante de sua bebida, demonstrando que a ideia de beber água havia sido apenas uma desculpa, enquanto Manuel nem havia tocado no copo. Ao perceber que Elisa estava à beira de um colapso nervoso, o padre tentou ajudá-la a resolver aquele engano e liberar a jovem para descansar. — Então, acho que devíamos ouvir o que vocês têm a dizer à Elisa para que ela possa se retirar e descansar. Manuel, apressado, foi logo dizendo: — Eu já disse tudo. Senhorita Elisa, você terá que se casar comigo. O padre ainda argumentou: — Deve estar havendo algum engano... — Não há engano algum. Eu tenho alguns documentos como prova do que digo. O senhor João Álvares devia à minha família uma quantia considerável em dinheiro, então fizemos um acordo com ele: se não quitasse a tempo a dívida, sua fazenda e a mão de sua filha seriam minhas. Então, eu vim com essa finalidade, para me apropriar do que é meu. Elisa ficou trêmula diante das palavras de Manuel, sentiu seu corpo fraco e se sentou rapidamente. — Isto é... Uma loucura... Não é possível — o padre quase gritou. — Talvez você tenha se confundido... Eu...— Elisa tentou achar alguma explicação, mas acabou se perdendo nas palavras. Edna levantou e colocou seu copo na bandeja. — Não, querida. Meu filho está certo, e já consultamos um juiz, trouxemos toda a documentação necessária. A fazenda Álvares nos pertence, e como ainda restam muitas dívidas, você deverá se casar com meu filho. E não se preocupe, você terá uma vida digna de uma rainha, se sinta lisonjeada com esta oportunidade que seu pai lhe deixou, afinal, você não tem mais ninguém e só lhe restariam uma fazenda que, acredito eu, está em ruínas, e muitas dívidas. Seu pai pensou em garantir o seu futuro. Você tem sorte, menina! A animação no final da frase da mulher deixou Elisa ainda mais perdida, aquelas eram muitas emoções para apenas um dia, na verdade, tinha enterrado os pais há pouco, não tinha notícias do irmão, e agora mais essa. — Me perdoem, mas preciso falar com o meu primo em particular — Elisa falou ainda trêmula enquanto olhava para o padre. O casal pareceu inquieto, como se desejassem acabar com aquilo logo, no entanto, não se opuseram. — Mas é claro — a mulher falou enquanto se abanava por causa do calor. O tal Manuel parecia irritado, mas não se manifestou. Ali, a sós com o padre, Elisa desabou em mais lágrimas. — Isto é um absurdo… — Acalme-se, minha filha. Ela fungou enquanto se sentava na cadeira ao lado, sendo amparada com ternura pelo único parente que lhe sobrara. — Elisa, vamos procurar um escrivão, talvez haja algo que possamos fazer. Aquilo acendeu uma chama de esperança. Elisa limpou os olhos com as costas das mãos. — O senhor acha que há esperança?— perguntou enquanto segurava as mãos do padre já marcadas pela idade. — Tenha fé, menina, acredito que tudo nesta vida tenha um propósito maior. Agora se recomponha e vamos ao cartório. Ela apenas engoliu seco, perdida em um emaranhado de dúvidas. Tinha muita fé, entretanto, ela travava uma batalha contra um mau presságio que a assombrava.O escrivão confirmou a autenticidade do documento, aquilo deixou Elisa devastada. Sentia-se sentenciada por algum crime não cometido. Apenas pôde ir até sua casa e buscar um vestido que não fosse de luto. O casamento aconteceria ali naquele mesmo dia. Era isso ou ir presa pelas altas dívidas acumuladas por seu pai, e a família Valença não estava de brincadeira quando prometeu fazê-lo se não aceitasse.Como qualquer jovem da sua idade, Elisa sonhava em ter um casamento incrível, com doces caseiros servidos e feitos em sua casa, escolhidos com muito carinho por ela e sua mãe. Um vestido bordado com pedras e rendas escolhidas a dedo, flores colhidas nos seus próprios jardins. Mas seu sonho havia se tornado um grande pesadelo, e subir ao altar com um desconhecido, tendo apenas a mãe dele como testemunha, foi tudo o que lhe restou. Então se casou, uniu-se em matrimônio a um completo estranho. Elisa desejava desesperadamente que tudo isso se tratasse de um pesadelo.A viagem até a cidade de
Após o banho relaxante, Elisa descansou por algumas horas. Poucas, pois apesar da exaustão, seus pensamentos vagavam em um certo homem de olhos claros e cabelos negros. Ela não entendia o motivo pelo qual o tal Fernando lhe invadia a mente, a deixando tão agitada. Talvez fosse por sua beleza, isso era inegável, ele tinha os olhos mais verdes que já tinha visto em toda sua vida, eram como dois lagos em meio a uma vegetação, e se destacava em seu rosto, não tinha como esquecer.Ela despertou depois de ouvir um som vindo do corredor, abriu os olhos devagar e rapidamente se atentou à porta do quarto. Pode ver sombras por debaixo da fresta. Sentiu por um instante um medo lhe percorrer, sentou-se na cama rapidamente e conferiu se estava bem vestida, imaginou se fosse Manuel, pensou em tantas possibilidades, e a principal era de que ele desejasse consumar o casamento. Seu corpo estremeceu de medo, e fez todas as orações possíveis que conhecia para que não fosse ele. Então, ouviu o som novame
O jantar acontecia em completo silêncio, havia ao redor da mesa apenas Manuel, Edna e as meninas, que pareciam ter ensaiado cada gesto sobre a mesa, como se errar fosse algo inaceitável. Joana ainda se esforçava para não olhar Elisa de canto e sorrir, até isso parecia não ser permitido. Entre o tilintar dos talheres, de repente uma agitação se iniciou com a chegada de alguém, e não era qualquer pessoa, se tratava dele, se lembrou de que as meninas disseram que se chamava Fernando. Elisa não pode conter os movimentos involuntários de suas pernas, felizmente estavam debaixo da mesa sobre as várias camadas de tecido.A expressão de Manuel ficou extremamente dura com a chegada do irmão, e as meninas não conseguiram conter a alegria, sendo reprimidas imediatamente.- Joana e Antônia, se comportem ou vão terminar a refeição no quarto! - Edna as recriminou quando Joana se moveu na direção de Fernando. - Deixe as meninas, elas só estavam com saudades, Edna! - Fernando esbravejou, forçando u
Ao chegar em seu quarto, Elisa se lançou em sua cama e fez a única coisa que soube fazer desde que sua vida se transformou naquele inferno: ela chorou.Sentia tanta raiva daquela família e principalmente de Fernando, ele havia sido um insensível. Quando viu o quanto as meninas demonstraram afeto por ele e seu cuidado por elas, Elisa havia chegado a acreditar que ele fosse diferente dos demais membros da parte frígida da família, porém demonstrou se tratar de um dos personagens principais, se não o pior deles. Então sentiu o seu peito ser esmagado por uma forte emoção de amargura, chorou por mais um tempo, e quando acreditava que não poderia ficar pior, ouviu a porta ser aberta com violência e sentiu todo o seu corpo estremecer com a presença de Manuel parado bem à porta, decidido a sabe-se lá o quê.Num impulso, ela sentou-se na cama e arrastou-se para trás rapidamente como um animal acuado enquanto enxugava suas lágrimas ainda com as mangas do vestido. Seu coração batia mais rápido
Assim que amanheceu, Elisa olhou em direção à janela, observando os raios de sol por sobre as cortinas. Havia dormido mal, na verdade fazia tempos que não dormia bem. Sua noite era agitada com pesadelos, sonhava com Jaoquim sendo atingido em combate, acordava assustada e angustiada. O pobre do seu irmão talvez nem soubesse da morte dos pais e nem que ela havia sido submetida a este casamento. Também sentia tanta falta dos pais, não tinha vivido o luto da forma apropriada. Se levantou, pediu à serva que lhe preparasse um banho. Antes que entrassem com os baldes de água quente, precisava fazer o que Manuel havia lhe pedido, era sua única garantia de que ele a deixaria em paz por um tempo.Logo no desjejum, soube que o clima naquela casa andava de mal a pior. Manuel tinha olheiras, como se também não dormisse a noite toda, foi difícil encará-lo depois do que havia acontecido na noite anterior. Elisa sentia medo daquele homem, o que era terrível, pois precisaria se acostumar a viver ao
O resto da manhã passou rápido. Elisa tinha pegado um livro na biblioteca, estava bastante envolvida em sua leitura sentada na sala. Antônia surgiu e foi logo perguntando:— Senhora Elisa, lê romance?Ela se sentou ao seu lado.— Me chame apenas de Elisa. E sim, gosto.Elisa analisou o título do livro em suas mãos.Antônia concordou com um sorriso e continuou aos suspiros:— São lindas as histórias de amor dos livros.Elisa sentiu tanta vontade de dizer à menina que na vida real era bem diferente, porém se calou.— Sim, são.— Elisa, será que algum dia vou encontrar um grande amor?Ela engasgou com a pergunta, então pode ter certeza de que a jovem se vestia como uma criança, porém já havia se tornado uma moça.Elisa fechou o livro e o colocou em seu colo delicadamente, se virando para Antônia. Percebeu que a menina estava vermelha com a pergunta que tinha lhe feito.— Antônia, quantos anos você tem?A jovem achou estranho aquela pergunta, porém respondeu com naturalidade:— Vou comp
Quando chegaram do passeio, a senhora Mazé levou as meninas para o banho. Ela parecia desejar se afastar urgentemente de Elisa e Fernando. Para Elisa, era impossível não ficar temerosa de que rumores surgissem, mas sabia o quanto a serva era discreta e sentia que se tratava de uma pessoa de confiança.O silêncio se instaurou entre os dois quando estavam a sós. Elisa achou melhor se retirar para não ter que tocar no assunto do passeio e de como ficou à vontade nos braços dele.Elisa chegou em seu quarto sentindo suas pernas ainda bambas. Fernando a deixava confusa, num momento insinuava que era uma interesseira e oportunista, entretanto, agora lhe tratava de forma doce e gentil.Logo tomou seu banho e descansou um pouco. Ao acordar, se sentiu um tanto entediada, além do mais, sua mente vagava o tempo todo em um Valença, porém se tratava do Valença errado. Sabia que era incorreto nutrir qualquer que fosse sentimento por Fernando. Mas tudo isso que sentia estava fora do seu controle, mas
De tudo que passava em sua mente, Elisa estava apavorada com a possibilidade de reencontrar Fernando. Felizmente, não se viram durante o jantar, os servos disseram que ele estava indisposto e por isso não esteve presente. Ela sabia que encontrar com ele não seria algo fácil, pois seu corpo ainda queimava com a lembrança do beijo que haviam trocado. Além do mais, ter seu atual marido e a megera da mãe dele à mesa não facilitava em nada as coisas.Elisa sentiu falta das meninas, elas também não estavam presentes. Quando perguntou por elas, Edna mudou de assunto imediatamente. Elisa tentou insistir, mas foi bruscamente reprimida por Manuel, que deixava claro que era o assunto de sua mãe e que não deveria insistir. Porém, não pôde deixar de notar o semblante triste em Mazé, que acompanhava o jantar em pé junto aos outros criados. Sentiu um nó na garganta, por algum motivo sabia que algo estava errado.Elisa se alimentou muito mal naquela noite, talvez devido à sua ansiedade com tantas coi