Após o banho relaxante, Elisa descansou por algumas horas. Poucas, pois apesar da exaustão, seus pensamentos vagavam em um certo homem de olhos claros e cabelos negros. Ela não entendia o motivo pelo qual o tal Fernando lhe invadia a mente, a deixando tão agitada. Talvez fosse por sua beleza, isso era inegável, ele tinha os olhos mais verdes que já tinha visto em toda sua vida, eram como dois lagos em meio a uma vegetação, e se destacava em seu rosto, não tinha como esquecer.
Ela despertou depois de ouvir um som vindo do corredor, abriu os olhos devagar e rapidamente se atentou à porta do quarto. Pode ver sombras por debaixo da fresta. Sentiu por um instante um medo lhe percorrer, sentou-se na cama rapidamente e conferiu se estava bem vestida, imaginou se fosse Manuel, pensou em tantas possibilidades, e a principal era de que ele desejasse consumar o casamento. Seu corpo estremeceu de medo, e fez todas as orações possíveis que conhecia para que não fosse ele. Então, ouviu o som novamente, percebeu que parecia uma risada infantil seguida de um pedido de silêncio em um sussurro. Curiosa em saber do que se tratava, Elisa se levantou da cama lentamente, colocou os pés para fora da cama e, bem devagar, caminhou até a porta, ouviu o som quase inaudível dizendo: — Já chega, agora vamos embora, Joana! — Elisa notou que se tratava de uma voz meiga, como de uma jovem. Na sequência, a outra voz, bastante infantil, reverberou de forma rebelde: — Não, eu quero ver como ela é! Então, Elisa tocou a maçaneta e abriu a porta de repente. Ela se deparou com duas figuras à sua frente, dois pares de olhos verdes, a mais nova teria cerca de seis anos, e a mais velha, bem... Elisa teve dúvidas, ficou confusa, pois se tratava de uma bela jovem de corpo formado e cabelos negros enfeitados de fita e laço, como se tivesse a mesma idade da pequena. Suas roupas também eram o tipo de roupa que uma criança vestia, porém em tamanho maior. Poderia afirmar que a jovem teria entre quinze e dezessete anos, mas se vestia como se tivesse doze. As duas se entreolharam, assustadas por terem sido pegas, e Elisa cruzou os braços, demonstrando que não havia estado satisfeita por estar sendo espiada. A menor era mais falante, e foi logo dizendo, mesmo temerosa: — Nos perdoe, senhorita... A mais velha lhe deu um empurrão com os quadris, pois era bastante alta, e a interrompeu, corrigindo-a: — Ela é uma senhora, esqueceu que se casou com o nosso irmão? — disse, olhando para a pequena e depois voltou para Elisa. Era nítido que a mais velha era bastante tímida. Um pouco mais tranquila por notar que eram tão inocentes, Elisa decidiu pegar mais leve. Respirou fundo e descruzou os braços, as meninas ficaram visivelmente aliviadas. A pequena ainda implorou, aflita, cruzando as mãos como se fizesse uma oração para alguma divindade. — Por favor, não fale nada para mamãe, e nem para Francesca, elas vão nos deixar de castigo por duas semanas. A inocência da menina tornava a situação até um pouco engraçada. Elisa sentiu vontade de rir, mas se conteve, ficou pensando que tipo de ser humano era capaz de punir uma criança tão adorável? A mais velha não conseguia olhar para Elisa e disse, fitando o chão: — Joana queria muito te conhecer, e como fomos proibidas de sair do quarto até o jantar, eu a trouxe aqui escondido. A pequena, com toda sua simpatia, deu um passo à frente e estendeu a mão. — Eu sou Joana. Elisa segurou a mãozinha tão pequena e delicada da garota encantadora, pôde notar que as unhas da menina estavam bem crescidas e que havia uma boa quantidade de terra sob elas. — Sou Elisa Al... — ela havia se esquecido de que havia se casado e que por isso não tinha mais o sobrenome de solteira. Então concluiu: — Quer dizer, Elisa Valença. Joana sorriu, achando graça de algo. — Sim, agora você é uma de nós. A jovem, que até então Elisa não sabia o nome, se ergueu e se apresentou em tom delicado e baixo: — Sou Antônia. E nos desculpe por isso, Senhora Elisa. — Ah, tudo bem, adorei conhecer vocês. Chame-me apenas pelo nome. Então, são irmãs de Manuel? Ambas se entreolharam com uma expressão desgostosa. E a pequena rangiu os dentes. Em uníssono, responderam: — Sim. Elisa se perguntou que diabos de homem era esse Manuel que despertava sentimentos tão ruins nas pessoas, e principalmente em crianças. — E do Fernando também! — agora Joana gritou mais animada que antes. Quando as sílabas que compunham aquele nome soaram, Elisa não pode deixar de se sentir estranha. E também não pode deixar de notar como as meninas haviam mudado o comportamento ao se referir ao outro irmão. Joana, que é bem mais desinibida, abriu um sorriso de orelha a orelha, e Antônia, que parecia ser tão acanhada, abriu sua expressão de uma radiante de repente. — Você já o conheceu? — Joana perguntou curiosa. Elisa engasgou, não sabia o que dizer. Então, como se manteve em silêncio, a menina continuou a tagarelar: — Ele é tão lindo! Novamente, Antônia empurrou a irmã com os quadris. — Joana, não pode falar assim com Elisa, ela é esposa de Manuel! A pequena arrebitou o nariz sem se importar com as palavras da irmã e cruzou os braços. — Bem que ela se casou com o irmão errado. — Joana! Antônia ficou chocada com as palavras da menina. E Elisa também estava surpresa, mas não conseguia se irritar de forma alguma com Joana. Antes que aquela conversa se estendesse, foram interrompidas pela chegada de alguém. As meninas ficaram gélidas e bastante assustadas. Elisa pode notar que realmente elas eram punidas quando desobedeciam regras, o que até então era normal, mas o desespero de ambas e o medo que carregavam era além do normal. Tentou não imaginar que tipo de castigo elas eram submetidas. Mas percebeu o alívio imediato das meninas quando a presença de outra criada ficou explícita, ela era diferente apesar de se vestir como Francesca. A serva ficou surpresa em ver as meninas ali, e fez uma careta para ambas, que apenas abaixaram a cabeça. Ela se virou para Elisa e fez uma mesura. — Senhora, vim buscar as meninas para jantar, ainda bem que as vi primeiro — ela olhou de canto para as garotas. — Me perdoe, mas elas não deveriam estar aqui. Joana foi logo dizendo: — Senhora Mazé, eu queria muito conhecer Elisa. Os olhinhos de Joana brilhavam e Elisa sentiu vontade de apertá-la nos braços. — Elas a estão infortunando, senhora.— A criada afirmou para Elisa. — Não, claro que não. Elas são uns amores. — Céus, se a senhora Edna ou Francesca as vierem aqui, não quero imaginar que tipo de punição elas terão. — A mulher de aproximadamente quarenta anos disse, levando a mão ao rosto preocupado. Era nítido que nutria carinho pelas meninas. Elisa respirou fundo com tanta pressão. Logo ouviram outro som de alguém se aproximando distantemente. Elisa fez sinal para que a senhora Mazé e as meninas seguissem pelo corredor sentido contrário para que não fossem vistas, e assim fizeram, saíram rapidamente. E logo Elisa fechou a porta, ainda respirando acelerado. Se ajeitou quando ouviu batidas na porta, não pode negar que temia ser seu então, marido. Sentia tanto pavor e medo, e refletia se seria assim sempre, se viveria neste tormento constantemente. Passou a mão pelos cabelos e ajeitou o vestido. Quando abriu a porta, sentiu um alívio, se tratava de outra criada que viera comunicar sobre o jantar. Ela respirou mais calmamente e agradeceu, avisando que em breve se juntaria a todos.O jantar acontecia em completo silêncio, havia ao redor da mesa apenas Manuel, Edna e as meninas, que pareciam ter ensaiado cada gesto sobre a mesa, como se errar fosse algo inaceitável. Joana ainda se esforçava para não olhar Elisa de canto e sorrir, até isso parecia não ser permitido. Entre o tilintar dos talheres, de repente uma agitação se iniciou com a chegada de alguém, e não era qualquer pessoa, se tratava dele, se lembrou de que as meninas disseram que se chamava Fernando. Elisa não pode conter os movimentos involuntários de suas pernas, felizmente estavam debaixo da mesa sobre as várias camadas de tecido.A expressão de Manuel ficou extremamente dura com a chegada do irmão, e as meninas não conseguiram conter a alegria, sendo reprimidas imediatamente.- Joana e Antônia, se comportem ou vão terminar a refeição no quarto! - Edna as recriminou quando Joana se moveu na direção de Fernando. - Deixe as meninas, elas só estavam com saudades, Edna! - Fernando esbravejou, forçando u
Ao chegar em seu quarto, Elisa se lançou em sua cama e fez a única coisa que soube fazer desde que sua vida se transformou naquele inferno: ela chorou.Sentia tanta raiva daquela família e principalmente de Fernando, ele havia sido um insensível. Quando viu o quanto as meninas demonstraram afeto por ele e seu cuidado por elas, Elisa havia chegado a acreditar que ele fosse diferente dos demais membros da parte frígida da família, porém demonstrou se tratar de um dos personagens principais, se não o pior deles. Então sentiu o seu peito ser esmagado por uma forte emoção de amargura, chorou por mais um tempo, e quando acreditava que não poderia ficar pior, ouviu a porta ser aberta com violência e sentiu todo o seu corpo estremecer com a presença de Manuel parado bem à porta, decidido a sabe-se lá o quê.Num impulso, ela sentou-se na cama e arrastou-se para trás rapidamente como um animal acuado enquanto enxugava suas lágrimas ainda com as mangas do vestido. Seu coração batia mais rápido
Assim que amanheceu, Elisa olhou em direção à janela, observando os raios de sol por sobre as cortinas. Havia dormido mal, na verdade fazia tempos que não dormia bem. Sua noite era agitada com pesadelos, sonhava com Jaoquim sendo atingido em combate, acordava assustada e angustiada. O pobre do seu irmão talvez nem soubesse da morte dos pais e nem que ela havia sido submetida a este casamento. Também sentia tanta falta dos pais, não tinha vivido o luto da forma apropriada. Se levantou, pediu à serva que lhe preparasse um banho. Antes que entrassem com os baldes de água quente, precisava fazer o que Manuel havia lhe pedido, era sua única garantia de que ele a deixaria em paz por um tempo.Logo no desjejum, soube que o clima naquela casa andava de mal a pior. Manuel tinha olheiras, como se também não dormisse a noite toda, foi difícil encará-lo depois do que havia acontecido na noite anterior. Elisa sentia medo daquele homem, o que era terrível, pois precisaria se acostumar a viver ao
O resto da manhã passou rápido. Elisa tinha pegado um livro na biblioteca, estava bastante envolvida em sua leitura sentada na sala. Antônia surgiu e foi logo perguntando:— Senhora Elisa, lê romance?Ela se sentou ao seu lado.— Me chame apenas de Elisa. E sim, gosto.Elisa analisou o título do livro em suas mãos.Antônia concordou com um sorriso e continuou aos suspiros:— São lindas as histórias de amor dos livros.Elisa sentiu tanta vontade de dizer à menina que na vida real era bem diferente, porém se calou.— Sim, são.— Elisa, será que algum dia vou encontrar um grande amor?Ela engasgou com a pergunta, então pode ter certeza de que a jovem se vestia como uma criança, porém já havia se tornado uma moça.Elisa fechou o livro e o colocou em seu colo delicadamente, se virando para Antônia. Percebeu que a menina estava vermelha com a pergunta que tinha lhe feito.— Antônia, quantos anos você tem?A jovem achou estranho aquela pergunta, porém respondeu com naturalidade:— Vou comp
Quando chegaram do passeio, a senhora Mazé levou as meninas para o banho. Ela parecia desejar se afastar urgentemente de Elisa e Fernando. Para Elisa, era impossível não ficar temerosa de que rumores surgissem, mas sabia o quanto a serva era discreta e sentia que se tratava de uma pessoa de confiança.O silêncio se instaurou entre os dois quando estavam a sós. Elisa achou melhor se retirar para não ter que tocar no assunto do passeio e de como ficou à vontade nos braços dele.Elisa chegou em seu quarto sentindo suas pernas ainda bambas. Fernando a deixava confusa, num momento insinuava que era uma interesseira e oportunista, entretanto, agora lhe tratava de forma doce e gentil.Logo tomou seu banho e descansou um pouco. Ao acordar, se sentiu um tanto entediada, além do mais, sua mente vagava o tempo todo em um Valença, porém se tratava do Valença errado. Sabia que era incorreto nutrir qualquer que fosse sentimento por Fernando. Mas tudo isso que sentia estava fora do seu controle, mas
De tudo que passava em sua mente, Elisa estava apavorada com a possibilidade de reencontrar Fernando. Felizmente, não se viram durante o jantar, os servos disseram que ele estava indisposto e por isso não esteve presente. Ela sabia que encontrar com ele não seria algo fácil, pois seu corpo ainda queimava com a lembrança do beijo que haviam trocado. Além do mais, ter seu atual marido e a megera da mãe dele à mesa não facilitava em nada as coisas.Elisa sentiu falta das meninas, elas também não estavam presentes. Quando perguntou por elas, Edna mudou de assunto imediatamente. Elisa tentou insistir, mas foi bruscamente reprimida por Manuel, que deixava claro que era o assunto de sua mãe e que não deveria insistir. Porém, não pôde deixar de notar o semblante triste em Mazé, que acompanhava o jantar em pé junto aos outros criados. Sentiu um nó na garganta, por algum motivo sabia que algo estava errado.Elisa se alimentou muito mal naquela noite, talvez devido à sua ansiedade com tantas coi
Dormir era algo impossível desde o momento em que os olhos de Fernando viram Elisa pela primeira vez. E ele nunca havia sentido nada parecido por mulher alguma. Elisa era uma mistura angelical e sedutora ao mesmo tempo, possuía um longo cabelo castanho cheio de cachos que se destacavam em sua pele rosada e olhos cor de mel. Sua boca era bem desenhada, lábios grossos e macios, e agora ele sabia o quanto deliciosos eram, pois os havia experimentado. Fernando sabia que era muito errado o que tinha feito, e quase a beijou novamente no quarto de suas irmãs. Ele se sentia um mau-caráter por isso, além do mais, aquela era a esposa de seu irmão. Se ela ao menos não tivesse se entregado a Manuel, talvez houvesse uma chance de anular o casamento, assim Fernando não se sentiria tão condenado ao inferno. Porém, restava apenas um desejo desenfreado que sentia por sua cunhada, e precisava se manter longe dela o máximo que conseguisse, ou não saberia se controlar.Naquela manhã, Fernando deu ordens
Antônia ficou eufórica quando recebeu a notícia de que iria à cidade com Elisa. Ambas estavam animadas, pois quem as acompanharia seria a senhora Mazé.Naquele dia, Fernando organizou suas coisas e, após a discussão com Manuel e Edna, partiu para a cidade com dois propósitos antes de ir para Vargem. Precisava procurar um amigo que lhe devia um favor, o major Gregório Sonata. Queria saber quais eram as chances de encontrar o irmão de Elisa, e sabia que Gregório seria útil. Também se encontraria com o senhor Menezes, seu advogado. Ele estava empenhado em busca de respostas, e Fernando precisava urgentemente de um argumento legal para tentar parar Manuel e Edna, aqueles dois à frente dos negócios da família eram capazes de levá-los à falência em pouco tempo. Seu meio-irmão não entendia nada de administração, e sua querida mãe era descontrolada nos gastos.A visita ao Major lhe rendeu alguma notícia, ele havia lhe dito sobre um grupo de soldados que tinha sido enviado à trincheira de Sant