05

O jantar acontecia em completo silêncio, havia ao redor da mesa apenas Manuel, Edna e as meninas, que pareciam ter ensaiado cada gesto sobre a mesa, como se errar fosse algo inaceitável. Joana ainda se esforçava para não olhar Elisa de canto e sorrir, até isso parecia não ser permitido.

Entre o tilintar dos talheres, de repente uma agitação se iniciou com a chegada de alguém, e não era qualquer pessoa, se tratava dele, se lembrou de que as meninas disseram que se chamava Fernando. Elisa não pode conter os movimentos involuntários de suas pernas, felizmente estavam debaixo da mesa sobre as várias camadas de tecido.

A expressão de Manuel ficou extremamente dura com a chegada do irmão, e as meninas não conseguiram conter a alegria, sendo reprimidas imediatamente.

- Joana e Antônia, se comportem ou vão terminar a refeição no quarto! - Edna as recriminou quando Joana se moveu na direção de Fernando.

- Deixe as meninas, elas só estavam com saudades, Edna! - Fernando esbravejou, forçando um tom cordial.

Deu um passo à frente para se aproximar de Joana.

Manuel se manifestou completamente irritado:

- Não interfira na educação das meninas!

No entanto, Fernando ignorou. Joana estava numa mistura de tensão e desejo de se lançar nos braços do irmão, mas parou quando ouviu a mãe. Edna ordenou, em tom ríspido:

- Se você tocar em Fernando, eu juro que passará dois dias no quartinho.

Elisa não imaginava o que era o quartinho, mas seja lá o que fosse, a ameaça fez com que todo o brilho no rosto da menina desaparecesse, restando apenas uma palidez e olhos esbugalhados.

Fernando bufou frustrado e decidiu se sentar, certamente pelo bem da menina, e Elisa achou bastante digno da parte dele.

Edna chamou Mazé e ordenou que levasse as meninas para terminarem o jantar no quarto.

Se o clima já era frio antes, com a chegada de Fernando tudo era ainda mais gélido. Manuel usava os utensílios com brutalidade sobre a mesa, não disfarçando seu desconforto. Elisa se sentia a cada instante mais angustiada por estar presa a uma família tão vazia, sentiu pena de Joana e Antônia.

Quando as meninas se retiraram, a voz carregada de provocação de Edna quebrou o silêncio angustiante da mesa.

- Pensávamos que você não fosse jantar conosco. Já que costuma sair à noite para fazer sabe-se lá o que e retornar somente ao amanhecer.

Fernando respirou fundo e tentou se desviar das palavras da mulher, então seus olhos encontraram os de Elisa naquele instante. Ele praguejou mentalmente um " inferno", não entendia o motivo pelo qual ela o inquietou tanto, afinal se tratava de uma mulher comum, não tinha nada de diferente nela, a não ser pelo fato de ser sua cunhada casada com seu irmão. Mas que poderia ter sido sua, seria por isso que ele estava pensando tanto nela?

Fernando se recordou do momento em que o testamento de seu pai foi aberto, exatamente há seis meses. Ele havia falecido em um trágico acidente, quando caiu de seu cavalo e bateu a cabeça em uma pedra, foi uma tragédia fatal que os havia assolado. No testamento, Fernando era indicado a chefe da família de forma temporária, por ser o mais velho, uma diferença de apenas um ano e meio do irmão Manuel, porém o pai deixou uma cláusula onde declarava que aquele que se casasse primeiro se tornaria o chefe da família definitivamente e teria o direito de administrar todos os bens. Fernando acreditava que esse era o principal motivo por Manuel ter se casado tão depressa. Dentre os documentos de herança havia também uma dívida a ser paga por uma família de Santana, e que se a família não tivesse dinheiro para quitar toda a dívida deveria ser entregue os bens que restavam e a mão de sua filha em casamento, Fernando achava aquilo um absurdo e quando iniciou a administração deixou bem claro que jamais iriam exigir que esta dívida fosse paga desta forma, ele até chegou a consultar o escrivão sobre a possibilidade de anular tal cláusula, mas devido a tanto trabalho acabou se esquecendo e seu irmão foi mais esperto reclamando aquele direito que pela lógica, Fernando era o chefe da família mesmo que temporariamente, era o direito dele se o quisesse, e até então jurava por Deus que não o faria, um casamento forçado e de conveniência era um absurdo para ele, na verdade qualquer casamento era um absurdo, Fernando não tinha intenção de se casar tão cedo e era óbvio que Manuel se aproveitou disso. Fernando soube de tudo através de um mensageiro que foi enviado em segredo por um de seus funcionários de confiança. Ele havia lhe contado que Edna e Manuel tinham viajado para Santana e que ambos espalharam pela fazenda que ele buscaria uma esposa. Por este motivo, Fernando retornara de sua viagem o mais rápido que pôde, mas não havia conseguido impedir tal loucura. Agora estava ali, sentado à mesa de jantar, tentando não olhar para ela, a mulher de seu irmão, o que o fazia sentir como se estivesse ali presente apenas de corpo, pois em pensamentos ele estava em outro lugar qualquer tomando a única mulher que lhe era proibida, mas que ele estava desejado de todas as formas possíveis naquele instante, o que era bastante estranho para ele.

A voz irritante de Edna continuou a lhe infortunar, ao menos o fez desviar o foco.

- Mas, já que veio nos dar o ar de sua graça, acho que Manuel deveria lhe apresentar sua esposa.

Tanto Elisa quanto Fernando se remexeram na cadeira e tentavam desviar o olhar um do outro que insistiam em se encontrar.

Manuel, pela primeira vez, tocou as mãos de Elisa por cima da mesa. Ela sentiu seu corpo ficar frio, o toque dele lhe causava pânico, ela não entendia o motivo. Naquele instante, praticamente prendeu seu fôlego com toda a sobrecarga de nervosismo.

- Esta é Elisa, Fernando. Minha esposa, espero que saiba tratá-la bem.

Os olhos de Fernando estavam em Manuel e sua mão sobre a de Elisa, era como se ele sentisse um forte desejo de arrancá-lo dali. Era nítido o quanto nervosa ela estava, mas sabia que Manuel era insensível demais para notar. Naquele instante, Fernando percebeu o quão ridículo ele estava sendo. Por mais que não aprovasse aquele casamento, sabia que não tinha que se envolver, pois sabia que tudo que estava sentindo era apenas uma atração passageira, afinal Elisa era uma mulher comum, porém uma mulher comum linda.

Edna não perdeu a oportunidade e foi logo dizendo:

- Breve iremos até a corte para que Manuel tome o lugar que lhe é devido.

Fernando olhou para a mesa e riu.

- Eu sabia que não iriam demorar para exigir tal coisa.

Manuel, que já havia soltado a mão de Elisa, permitindo-lhe respirar, encarou Fernando, lhe enfrentando:

- Não fale como se eu estivesse cometendo um crime, só quero tomar posse dos meus direitos!

Fernando levou a taça de água à boca e depois a colocou com excesso de força na mesa.

- Tenho certeza de que papai não queria que a nossa administração ficasse nas mãos de alguém que fraudou um contrato.

Manuel deu um salto da cadeira como se fosse partir para cima de Fernando, a cadeira na qual ele estava sentado se moveu do lugar com sua fúria e Edna se levantou imediatamente, colocando a mão à sua frente, o impedindo de seguir adiante.

- Seu maldito, eu não fraudulei nada!

- Calma, meu filho, não caia nas provocações de Fernando - Edna pediu, tensa.

Fernando se levantou tão irritado quanto seu irmão.

- Vocês dois pensam que vão conseguir manter isso por muito tempo? Não pensem que eu vou engolir este casamento. Podem sim chamar o juiz, pois eu vou provar que o único que tinha o direito de reaver a dívida com os Álvares era eu, pois eu sou administrador atual. Se era para fazer da moça esposa, ela deveria ser minha, a dívida de seu pai estava nas minhas mãos! Vejo que ela aceitou muito bem tudo isso, afinal terá uma vida digna de uma rainha agora que se tornou uma Valença!

Elisa ficou chocada com as palavras de Fernando e a forma bruta com que ele dizia. Ela levou a mão à boca, era um absurdo que ele a julgasse sem ao menos imaginar todo o inferno em que ela estava vivendo. A cada instante, aquela família lhe fazia sentir como algum tipo de objeto, e agora uma golpista e interesseira. Felizmente, aqueles sentimentos estranhos que sentira por Fernando se esvaíram, dando lugar ao mesmo nojo que sentia por Manuel.

Ela se levantou, ainda perplexa da mesa, e tentou caminhar.

- Acho melhor ir para o meu quarto. Com licença - falou com a voz trêmula.

Pôde ouvir Fernando bufar e rir baixo na sequência, aquilo a deixou muito irritada. Ela encarou Fernando nos olhos e notou que ali havia um vazio tão grande quanto o que ela sentia desde que tanta desgraça lhe assolou. Mesmo assim, não sentiu compaixão alguma depois de tudo que ouviu dele.

- Você não sabe nada a meu respeito - foram as únicas palavras que ela conseguiu proferir, estava cheia de mágoa e nem entendia o porquê de ele a deixar mexida daquela forma, afinal demonstrava ser tão podre quanto o resto da família. Claro que não diz respeito às meninas.

A briga entre os irmãos ainda continuou de forma calorosa. Fenando se sentiu satisfeito por conseguir ignorar a forma como Elisa o enfrentou. Ele tentou não se comover com o brilho de dor que ela carregava, poderia dizer que ela se sentiu ofendida, mas ignorou, certamente era boa atriz, pois realmente achava que ela havia aceitado muito depressa tudo isso, afinal, se o pai dono da dívida havia falecido, onde estaria a mãe dela? Quando começou na administração e procurou saber mais sobre a tal dívida, ele soube que o João Alvares tinha dois filhos, Elisa e outro, um que era militar, mas todos a permitiram se casar, claro, se tratava de um Valença, rico, e poderoso, ou do contrário teriam ajudado a moça a fugir, ou seja, qualquer outra coisa e não permitiria essa insanidade. Mas era óbvio que o casamento fosse trazer algum benefício para todos. Nesse caso, em peso e gramas de ouro.

Quando Elisa saiu, Edna se viu preocupada, principalmente pelas coisas que a garota havia ouvido. Mas também pelas ameaças de Fernando.

- Quer saber, eu também não vou ficar aqui discutindo com vocês! - Fernando disse, saindo da sala de jantar.

Certamente iria para o bar e beber, e talvez fosse procurar alguma das moças na casa noturna. Ele sentia que precisava se descarregar de tanta tensão e um bordel talvez ajudasse.

Ele jogou o guardanapo na mesa com mais força do que as regras de etiqueta exigiam e saiu apressado.

Manuel também desejava sair dali, bordéis não eram seu lugar predileto, os frequentava para provar sua masculinidade. Por muito tempo funcionou, porém não estava mais dando certo.

- Acho melhor eu também sair para esfriar a cabeça!

Manuel sentiu a mão de sua mãe lhe puxar pelo antebraço com força.

- Eu acho melhor você subir para o quarto da sua esposa e consumar de vez este casamento para que não haja nenhuma possibilidade de seu meio-irmão te impugnar!- falou de forma séria e rígida.

Manuel engoliu seco, como se aquilo fosse algo difícil, passou a mão no rosto tenso, e sem argumentar, pois não estava a fim de ouvir mais sermões de sua mãe, e no mais, ela estava certa, precisava se esforçar para consumar o casamento, e estava decidido, faria de Elisa sua mulher, custe o que custasse.

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