Capítulo 02

       No dia seguinte, foi falar com Daniel assim que o viu sentado no banco.

   — Oi, bom dia! Eu quero lhe pedir desculpas por aquele dia. – comentou ao se aproximar dele.

       Daniel continuou olhando para a quadra que ficava em frente ao portão, sem tirar os olhos de lá.

   — É, eu também lhe devo um pedido de desculpas, naquele dia eu não estava bem. Estava com a cabeça cheia de problemas e você não tem nada a ver com isso. – disse dando um pesado suspiro.

       Paula observou-o por um momento como se lhe dissesse que sentia por tudo o que aconteceu a ele.         

   — Eu sei bem como é. Foi bem horrível o que aconteceu.

       Ele olhou para ela imediatamente, franzindo as sobrancelhas achando estranho o que havia dito. Respirou fundo e perguntou de modo áspero:

   — Do que você está falando?

       Ela rapidamente percebeu que não deveria ter tocado naquele assunto pela expressão no seu rosto.

   — Ora Daniel, estou falando da história do seu pai... Estou falando daquela tragédia que aconteceu com sua família no passado, por causa do que aconteceu com seu pai. Você acabou perdendo seu irmão anos mais tarde. Eu sinto muito pelo seu irmão. Acabei lendo sobre isto mais a fundo na internet.

   — O que? Isso já era pra ser passado, não quero falar nisso e nem mesmo ouvir falar disso. Entendeu? – disse enfurecido, levantando-se rapidamente, enquanto a encarava.

       Ela ficou nervosa, mas tentou logo se acalmar.

   — Sim, mas eu só investiguei sua história de vida mais a fundo para te conhecer melhor e para saber qual o motivo de ser assim. Queria muito te ajudar de alguma forma com isso. Fiquei desconsertada por saber que você é um Bragança. Olha, pode deixar, não vou reavivar uma história como esta se não quer falar ou não quer que eu fale. Mas sei de tudo o que aconteceu com sua família naquela época. Você deve ter guardado isso para si mesmo depois que a história foi esquecida pela mídia. Deve ter sido muito difícil para você conviver com isto.

       Ele bufou sentindo seu sangue ferver e com ironia respondeu:

   — É, foi sim. Fez um ótimo trabalho, parabéns detetive.

       Depois se dirigiu até sua sala de aula sem dar mais um pio e se quer olhou para trás.

       Paula mais uma vez respirou fundo e começou a pensar que ele poderia não querer mais falar com ela depois do que fez. Durante a conversa, percebeu que Daniel parecia muito preocupado com essa descoberta dela e também estava muito furioso pelo mesmo motivo. De alguma forma, isto a deixou inquieta e pensativa pelo resto do dia.

                                                     

       Durante o final de semana, Daniel pensou bastante sobre o que Paula havia feito e resolveu dar um susto nela como lição para que aprendesse a não fuxicar a vida dos outros sem que lhe dessem permissão.

       Ele pegou boa parte de suas economias e saiu da cidade, foi até uma das casas que seus pais tinham na região dos lagos e a modificou totalmente esperando que ela aceitasse seu convite para passarem as férias lá.

       Na semana seguinte, Daniel procurou-a para falar com ela e não a encontrou, então pediu à uma de suas amigas para quando a visse, avisasse que queria conversar com ela. As outras garotas ouviram aquilo e acharam muito estranho ainda mais vindo do cara mais esquisito e misterioso da escola, mas mesmo assim, Nicole a avisou.

       Quando recebeu o recado dele, Paula ficou surpresa, curiosa e muito nervosa com o que poderia ser isso e no intervalo procurou-o imediatamente.

       Ao vê-la, Daniel lhe pediu desculpas pelo o que havia acontecido naquele dia e lhe chamou para viajar com ele durante uma parte das férias no final daquele ano.

   — Você tem certeza? Quer que eu vá mesmo? Afinal a gente nem se conhece direito. – perguntou estranhando sua mudança repentina.

   — Claro que sim. Vamos começar do zero e esquecer tudo o que aconteceu. Afinal é passado não vale a pena brigar por ele e vai ser bom para nos conhecermos melhor. – respondeu com um sorriso malicioso e falso.

       Então ele estendeu a mão à ela como sinal de trégua e perguntou:

   — Sem ressentimentos?                                                              

       Ela apertou sua mão sem perceber aquele sorriso estranho nos teus lábios.

   — Tudo bem então, mas me deixa conversar primeiro com minha mãe. – comentou sem graça, olhando-o com um meio sorriso, um pouco desconfiada.    

   — A propósito, para onde nós vamos?

       Se sentindo estranhamente e sinceramente feliz demais por dentro, mas sem querer isso, ele tentou ao máximo manter aquele sorriso maldoso, o qual ela visivelmente parecia não ter entendido sua intenção.

   — Para Búzios. – respondeu olhando-a fixamente. — É que minha família tem um casarão lá. Eu acho esse lugar apropriado para nossa viajem.

   — Está bem, assim que tiver a resposta da minha mãe eu falo contigo. – olhou-o sem graça por um breve momento e depois desviou o olhar.

   — Tá, ficarei esperando. – disse Daniel reparando em sua timidez cuja demonstrava sua clara ingenuidade, imaginando logo, o quanto isso iria ser fácil.

       Cada um foi para um lado do corredor. Paula ficou animada, pelo fato do grande passo dado rumo ao o que queria, que era conhecê-lo mais e quem sabe ajudá-lo com isso. Enquanto Daniel estava ansioso para colocar seu plano em ação. 

       Na ida pra casa, Paula ficou pensando bem sobre o que iria inventar para que sua mãe a deixasse viajar com ele. Por todo o caminho, ficou distraída pensando nisso. Era óbvio que sua mãe não iria deixá-la ir facilmente, então teria que bolar um plano muito bom para que ela deixasse. Quando chegou em casa, chamou sua mãe pra conversar.

   — Mãe, precisamos conversar. – disse ao chegar na porta da sala, onde encontrou-a assistindo ao noticiário.

   — Tá, venha até a cozinha comigo que eu estou terminando de fazer o almoço. – respondeu-lhe se virando e indo até a cozinha enquanto Paula a seguia sentindo-se um pouco nervosa por esta conversa.

       Lá na cozinha, ela sentou-se à mesa e foi direta.

   — Sabe mãe, Nicole me chamou pra ir viajar com ela nas férias de fim de ano.

   — Sério? E quem vai? – olhou-a prontamente aparando de mexer na louça que estava dentro da pia.

   — Bem, acho que os pais dela e alguns colegas nossos.

       Graça olhou pra ela sorrindo.

   — Hum, e será que entre esses colegas vai estar alguém que você gosta? Porque você vem mencionando demais sobre um garoto novo que está em sua turma e...

   — Não tem nada a ver mãe, ele é lindo e... Sei lá. – interrompeu-a revirando os olhos, sem graça. — Vamos esquecer isso e voltar ao assunto principal? Você me deixa ir? – perguntou esperançosa.

   — Não sei... – olhou-a desconfiada.

   — Ah mãe, deixa vai. – insistiu em tom manhoso. — Você sempre me deixou ir viajar com Nicole, por que não deixaria agora?

       Graça olhou-a fixamente por um breve momento e depois se virou para a pia retornando aos seus afazeres.

   — Por que quer ir de novo? Faz tempo que você não vai pra casa de sua Tia Catarina e eu achei que você fosse esse ano. – comentou sem olhá-la.

   — Porque ir pra casa de tia Catarina e bem diferente disso e você sabe muito bem o porquê. Lá é chato e sem graça, prefiro ir com Nicole. – respondeu-lhe de imediato dando um suspiro impaciente.

   — Tá, não vou discutir sobre isso. Só irei deixar você ir, depois que falar com os pais de Nicole. – disse Graça querendo encerrar o assunto.

   — O que? Você só pode estar de brincadeira não é? Pare de me tratar feito criança mãe, eu já tenho dezenove anos. – reclamou se levantando da mesa e indo até a pia.

   — Não é porque você tem dezenove anos que vai andar largada por aí. – Graça respondeu-lhe asperamente olhando-a séria.

   — Mas mãe, querer falar com os pais dela já é demais, não acha?

   — Nada é demais quando se trata de onde e com quem você vai sair, ainda mais se tratando de ficarem alguns dias fora. – rebateu tentando fazê-la parar de falar nisso de uma vez.

   — Ai mãe deixa de ser tão antiquada. Você já me deixou ir uma vez, lembra?

   — O que? Eu antiquada? – olhou-a surpresa. — Você não faz ideia da merda que está o mundo em que vivemos. – respondeu-lhe de modo grosseiro.

   — Tá, chega desse discurso enfadonho. – Paula revirou os olhos bufando.

   — Toda vez que te peço algo assim você o faz... – logo parou de falar assim que Graça a olhou séria. — Mãe será que dava pra você falar só com Nicole? Não me faça passar vergonha. – pediu calmamente.

   — Vergonha por quê? Se da última vez eu falei com eles... – Graça a olhou e percebeu que não iria adiantar continuar seu discurso. — Está bem, eu facilito pra você. Poderia ligar pra eles e falar por telefone já que isso te envergonha tanto... Mas, pra onde vão afinal?

   — Eles têm casa em Búzios. – respondeu num tom animado.

   — Ainda mais onde, perto de praia. Você sabe bem que não se dá bem com mar. – olhou-a receosa.

   — Eu gosto de praia, sempre gostei. Nós já fomos para lugares com praia e eu já me dei bem. – Paula cruzou os braços olhando-a séria.

   — Você gosta, mas não sabe se comportar e sempre acaba se afogando. Daquela vez aconteceu algo assim. Você lembra? – comentou Graça encarando-a.

   — Ah mãe, faz tempo que não vou à praia. Isso já tem um bocado de tempo que aconteceu. Vai mãe, me deixa ir.

   — Façamos o seguinte, diga à Nicole pra pedir aos pais dela pra me ligarem. – disse Graça na intenção de dificultar um pouco as coisas.

       Na verdade, ela não queria deixá-la ir de jeito nenhum nessa viajem. Sua preocupação era tamanha que mal deixava a pobrezinha sair com as amigas para tomar um sorve ou para simplesmente passear no shopping e ir ao cinema seja com quem fosse.        

   — Ah mãe, não faz isso. – pediu irritada.

   — É isso ou então você não vai. – rebateu encarando-a.

   — Tá, a senhora vai me deixar ir se falar com os pais dela?

   — Não dou certeza, vamos ver.

   — Está bem, ligarei pra ela agora mesmo e falarei da sua condição.

       Irritada e nervosa, Paula foi correndo para seu quarto para ligar para Nicole e tentar fazer com que ela a ajudasse com seu plano mirabolante e perigoso.

   — Não podemos meter meus pais nisso. – disse Nicole surpresa depois de ouvir todo seu plano doido. 

   — Eu sei, fica tranquila. – disse imediatamente. — A gente marca um dia, você aparece aqui em casa e diz que seus pais estão ocupados para falar com ela.

   — Ai amiga você só está me enrolando. – comentou nervosa.

   — Nick, faz isso pra mim, por favor. – Paula insistiu suavemente.

   — Tá. Pra que servem as amigas como eu? – revirou os olhos bufando.

       Paula deu pulos de alegria. 

   — Só acho isso a pior roubada e espero que não me meta em problemas com sua mãe. – avisou-a receosa.

   — Não irá se meter em problemas, pode ter certeza disso. – prometeu animada.

   — Tá... O que não faço por você... Está na cara que você está caidinha por esse cara.

   — Não estou nada. – rebateu Paula e logo as duas riram.

   — Tá sim, mas olha, por favor, toma cuidado. Ele parece estranho demais. Eu admito que ainda estou receosa quanto a isso.

   — Deixe de ser boba, você e seus pais vão estar lá também e quem sabe a casa dele não fique perto da de vocês. Qualquer coisa a gente se fala.

   — Está bem, passarei aí pra conversar com dona Graça, mas quero que me garanta que quando precisar de mim irá me procurar. Eu deixarei meu endereço de lá contigo.

   — Pode deixar, não irá acontecer nada. Nós só iremos nos conhecer melhor. – comentou Paula animada sentindo seu coração disparar momentaneamente.

   — Eu sei, mas é que estou achando esse convite dele estranho demais e você é louca de ter aceitado um convite assim de quem você mal conhece. – Nicole repreendeu-a, sua voz demonstrava o quanto estava preocupada com a doida da sua amiga cabeça dura. 

   — Nós acabamos de falar sobre isso, você sabe muito bem que eu me interessei demais pela história dele e quero ajudá-lo com isso.

   — Uhum, tá, foi mesmo só pela história dele que você se interessou. – disse ironicamente. — Eu vou fingir que acredito nisso.

   — Para Nicole, você sabe que é só por isso sim. Eu quero me aproximar dele pra fazer amizade e pra fazê-lo se enturmar na escola, só isso. – insistiu dando um longo suspiro em seguida.

   — Você sabe que vai ser difícil não é? – indagou balançando a cabeça.

   — Sei, mas se não der certo, pelo menos eu tentei.

   — Você quem sabe, mas sei que entrou nisso também porque está a fim dele. Pode admitir que é por isso também. – Nicole sorriu maliciosamente como se ela a pudesse ver.

   — Tá, também é por isso. – disse sem graça.

   — Viu só? Eu sabia. – Nicole riu. — Também, quem não se apaixonaria por aquele cara? Mesmo sendo estranho é um gato.

   — Ei, espere aí, eu não disse que estava apaixonada, disse que estava afim dele. Isso é diferente. – rebateu de modo áspero.

   — Tá, pode ser, mas nessa viagem tudo pode acontecer. Olha, só toma cuidado tá? Também não quero que se machuque por causa dele caso não seja isso tudo que está pensando. Você sabe do que estou falando. – alertou-a temerosa.

   — Está bem, pode deixar, tomarei todo cuidado possível. – insistiu Paula revirando os olhos, de saco cheio de todo aquele papo preocupado de Nicole.

   — Assim espero. – Nicole ouviu seus pais chegando. — Amiga, vou ter que desligar agora, meus pais chegaram aqui. Amanhã nos falamos melhor na escola, tá?

   — Está bem, mas vamos fazer logo isso porque não quero ficar enrolado pra dar a resposta a ele. Não quero ficar parecendo filhinha de mamãe na frente dele, isso me envergonharia muito porque ele parece tão independente dos pais, que me deixa sem graça por minha condição. – comentou exausta. 

   — Entendo, mas não me apresse quanto a isso, temos que pensar em um plano muito bom pra que sua mãe te deixe ir comigo logo de cara. Sei que ela não é fácil de ser dobrada.

   — Uhum, com certeza, essa dona Graça não é fácil mesmo. – concordou de modo irônico ao referir-se à própria mãe, dando um risinho. — Pensaremos em algo amanhã. Agora desligue logo que eu também tenho lição de casa pra fazer.

   — Beijos amiga. – disse Nicole rindo.

   — Beijos.

       Ambas desligaram o celular e Paula foi pegar seu caderno de Matemática pra fazer as lições.

                                                          ***

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