Capítulo 05

       No dia seguinte, pôs seu plano em ação, ajeitou tudo e deixou aqueles manequins os mais assustadores possíveis. Quando terminou de ajeitar tudo no mesmo lugar em que havia um cemitério de mentira, ficou bem orgulhoso de seu trabalho e logo pensou que dessa vez iria conseguir o que vinha tentando há dias.

       Como aquela tarde estava nublada e ventava um pouco, isto deu um tom um pouco mais assustador à toda aquela cena ridícula que criou.

       Quando Paula foi até a cozinha falar com a governanta, viu pela porta central  que dava para a varanda, e que por acaso estava aberta naquele dia, aquelas criaturas medonhas seguindo em direção à cozinha. Visivelmente eram bonecos bem sugestivos sendo controlados por intermédio de um controle, algo não muito sofisticado. Ela ficou superassustada com tudo aquilo, por um momento os ficou observando dizendo para si mesma que não eram reais, porém dessa vez, seu medo venceu a fazendo acreditar que aquilo realmente estava acontecendo e era pra valer. Então, antes que pudesse correr para longe dali, avisou à governanta para correr o mais rápido que pudesse para bem longe, mas ela nem lhe deu ouvidos, pois sabia do plano todo dele e infelizmente não podia fazê-lo parar e nem mesmo podia contar isso à ela, porque certamente perderia seu emprego.

       Paula estava completamente apavorada, então correu para seu quarto sem se quer olhar para trás. Não conseguia acreditar no que estava vendo, mas não queria ficar pra ter certeza de que eram reais ou não.

       Assim que entrou no quarto, tentou ligar várias vezes para Nicole, mas não conseguiu falar com ela e por mais que estivesse verdadeiramente apavorada, tentou se ligar no que era real, porque isso havia deixado-a totalmente desacreditada quando ao espaço que havia entre o que era real e o que não era.

       Ficou andando de um lado para o outro do quarto se sentindo confusa demais e louca para saber quem estava fazendo isso. No fundo estava furiosa por não saber o que acontecia ali, mas também estava inquieta com seu coração ainda disparado enquanto tentava avaliar mentalmente os fatos.

       Depois de tudo calmo, Daniel apareceu na cozinha como se nada tivesse acontecido, pegou um copo, encheu d'água e antes que pudesse bebê-la foi surpreendido pela governanta que estava preocupada com a garota que acabara de ver saindo correndo dali, em pânico.

   — Daniel, eu trabalho para sua família há quarenta anos e já é a segunda vez que vejo uma coisa assim, uma menina tão linda, meiga e inteligente que aparenta estar gostando de você e já vi que a está iludindo. Isso não se faz. Já parou para pensar que você pode ama-la um dia e se isso vier a acontecer, talvez você já não tenha o amor dela ainda mais quando a moça descobrir que isso tudo é uma farsa? Que eu me lembre bem, um dia isso já aconteceu e você saiu perdendo no fim das contas. – disse ela indignada.

       Ele não se importou muito com o que acabara de ouvir dela e logo respondeu irritado:

   — Eu não estou nem aí. Até que estou me divertindo com isto pela segunda vez e como a última, esta também mereceu.

       A governanta então o olhou fixamente enquanto ele desviava seu olhar para a janela acima da pia.

   — Você não aprendeu nada mesmo, não é? Quer mata-la do coração? Olha que se isso acontecer mesmo você vai sofrer este remorso pelo resto de sua vida, isso sem contar com as complicações judiciais e até quem sabe a cadeia onde você poderá permanecer por algum tempo. – comentou tentando amedrontá-lo.

       Ele respirou fundo e respondeu:

   — Eu entendo, mas não pretendo mata-la, só estou dando-lhe uma lição para que aprenda a não se intrometer na vida alheia.

       Surpresa com a resposta dele, a mulher disse:

   — Não acredito que esteja fazendo isso de novo pelo mesmo motivo da primeira vez, não basta a última? Tudo o que você fez com ela é exatamente o que está fazendo com essa moça. Não acha ridículo esse comportamento idiota? Essas tragédias saíram em tudo quanto foi jornal, estava em todos os lugares, todo mundo sabe disso.  – Ela suspirou irritada e continuou. — Não te passou pela cabeça que essa moça procurou saber da sua história por estar gostando de você assim como a última? Ou até mesmo para querer tentar te ajudar a ser alguém melhor? Tentar te ajudar a superar tudo isso. Porque pelo o que sei, você não tem o costume de se enturmar na escola e todas as vezes que mudou de uma para a outra, sempre fazia o tipo estranho e misterioso. Sei que gosta disso, mas particularmente acho infantil. Lembra que da última vez, quando você voltou atrás já havia perdido a outra? Meu filho, eu sei que não sou nada além de uma governanta nesta casa, mas é o conselho que lhe dou, pare com isso enquanto é tempo. Você é jovem e é um rapaz melhor do que isso tudo. Esqueça o passado, siga em frente e tente conhecê-la melhor ao invés de mandá-la embora de sua vida. Fazer estas coisas também não vai te fazer bem. Escute o que lhe digo, deixe que ela se aproxime de você e pare de uma vez com isso, pois não vale a pena viver sozinho por causa de um passado como este. A vida continua e você não pode simplesmente fazer essas bobagens e ficar parado no tempo. Pense bem nisso.

       Depois de ouvir todo aquele discurso enfadonho, Daniel bebeu a água e dirigiu-se à enorme sala sem dar um pio à governanta que o observava sair da cozinha. Ao chegar lá, ficou parado de pé, pensando naquilo tudo. Já estava achando chato e bobo demais para um cara como ele que já não era mais nenhuma criança.

       Enquanto Paula estava no quarto, foi arrumando as malas depressa para ir logo embora dali, pois não conseguia se controlar e já estava quase entrando em pânico só de lembrar-se daquelas coisas. Ela só estava ali para conquistá-lo, mas depois do que acabara de acontecer, resolveu que não ficaria ali por mais nenhum minuto e nem quis falar com ele, pois achou isso um vexame para ela já que ele sempre pareceu estar acostumado com aquilo tudo e que certamente era brincadeira de algum empregado, mas não quis se prestar ao papel ridículo de demonstrar que estava indo embora porque não aguentava uma brincadeira tão idiota como essa.

       Depois de pensar demais em toda aquela bobagem que fez, Daniel resolveu ir até o quarto onde ela estava para conversar.

   — Paula! Abre a porta, por favor, eu quero falar com você. – disse enquanto batia na porta.

       Ela abriu-a rapidamente e logo fechou assim que ele entrou.

   — Aconteceu alguma coisa? Por que você está pálida? – perguntou, fingindo não saber de nada.

   — Acabou de me acontecer uma coisa muito assustadora e surreal. Pode parecer bobagem pra você que já está acostumado a esse tipo de coisa, mas para mim foi bem assustador. – respondeu nervosa. — Aquilo só pode ter sido fruto da minha imaginação perturbada por estar tanto tempo aqui. – comentou enquanto arrumava suas peças de roupa na cama.

       Ele percebeu o estado em que ela se encontrava e viu que agora sim havia lhe feito muito mal. Suas mãos estavam tremulas, parecia visivelmente apavorada.

   — O que aconteceu que te deixou nesse estado?

       Ela respirou fundo tentando se acalmar enquanto se sentava na cama.

   — É que quando fui até a cozinha falar com a governanta, olhei pela porta e vi muitos zumbis ou sei lá o que eram aquelas coisas... Vindo em direção à cozinha, falei com a governanta, mas acho que ela não me ouviu ou sabia da armação, sei lá... Bem, eu corri até o quarto assustada e desde então estou aqui. Durante esses minutos que fiquei aqui, tomei a decisão de ir embora. Eu já estava cansada dessas coisas aparecerem e eu ficar me assustando a toa, pois sei que elas não existem. Só gostaria de saber quem é que está fazendo isso comigo e por quê?

       Ele sentou-se na cama, ao lado dela e perguntou:

   — Entendo, mas você já está mais calma?

       Ela levantou-se rapidamente, ainda muito nervosa e foi até a janela.

   — Sim, um pouco, mas se eu souber quem está por trás disso, vou matar essa pessoa... – disse furiosa. — Bem, isso é só um modo de falar, mas vou ficar muito irritada e é óbvio que vou querer tirar satisfação. Essas brincadeiras idiotas são de muito mau gosto e pode acabar levando à uma tragédia. Eu odeio levar sustos, odeio sentir medo de coisas tão idiotas quanto essas. Depois do que acabou de acontecer quase perdi a noção do real por causa do meu pavor. Eu cansei disso tudo. – explicou-se se virando para ele, olhando-o séria.

   — Mas se você está cansada dessas coisas, por que ainda não foi embora daqui? – perguntou curioso.

       Ela se aproximou dele e olhando em seus olhos se explicou:

   — Bem a princípio eu até que estava me encantando com as coisas estranhas que estavam acontecendo aqui. De certo modo, estava começando a achar engraçada a ideia de assombração que esse alguém fez todo esse tempo aqui. Mas também, porque tinha um bom e especial motivo para ficar, porém eu já nem estou mais pensando nele. Depois do que aconteceu, e dessa vez me pareceu real demais, do jeito que fiquei quando vi aquelas coisas se aproximando... Olha, não me leve a mal, mas eu quero ir embora daqui o mais rápido possível.

       Ele ficou ainda mais curioso e encantado com o brilho do seu olhar ao dizer essas palavras. Assim que se levantou e foi até ela, perguntou suavemente tocando em seus longos cabelos pretos:

   — E que motivo especial seria esse? Posso saber?

       Ela ficou sem graça e um pouco corada, mas respirou fundo, olhou em seus olhos e respondeu de imediato:

   — Bem esse motivo seria você... Mas já nem penso mais nisso. – comentou rapidamente a outra frase, se aproximando dele.

   — Como assim eu? – perguntou sem entender o que ela quis dizer.

       Ela ficou nervosa, porém não desviou seu olhar.

   — É que estou apaixonada por você. Pronto falei. – respondeu-lhe respirando fundo em seguida, enquanto tentava se livrar de seu nervosismo.

       Ele ficou espantado com sua resposta, sentiu como se uma faca estivesse apunhalando seu corpo. Sem expressão alguma no rosto, olhando-a fixamente e perguntou quase sem voz:

   — Sério? Como assim?

   — É sim, eu o amo, é isso mesmo que escutou. O amo desde o dia em que me interessei por sua história e procurei por toda ela na internet.

       Isso o deixou pior, havia levado mais uma facada com mais essa resposta. Sentiu culpa e um remorso terrível. Então resolveu contar toda a verdade de uma vez.

   — Olha Paula, eu fico grato por você ter esse sentimento puro por mim e sei que você é bem diferente das garotas que se aproximavam de mim lá na escola. Mas acho que não sou merecedor dele.

   — Por que você acha isso? Se eu sei que você é um cara legal, sincero, gentil... – disse acariciando seu rosto. — Só precisa se enturmar mais lá na escola. Se quiser posso te ajudar com isso.

   — Você não vai mais achar isso de mim depois de eu te contar tudo o que fiz. – comentou olhando-a receoso.

   — O que? – Paula afastou-se um pouco dele estranhando. — Do que é que você está falando? – olhou-o desconfiada.

       Então Daniel tomou corajem, respirou o mais fundo que podia para tentar se sentir forte para encarar isso, e finalmente se atreveu a contar tudo de uma vez.

   — É que quem aprontou essas coisas com você fui eu. – disse se afastando um pouco dela, nervoso e sem jeito por tal situação.

   — Como assim foi você? Eu não estou entendendo. – indagou ela prontamente o olhando espantada.

       Ele ficou receoso de que Paula não fosse gostar da explicação que iria ouvir, no fundo sabia que ela não iria mesmo gostar, mas logo se explicou:

   — É que eu armei um plano para te trazer aqui nas férias e te dar uma lição pelo o que fez comigo e eu não descansei até você me pedir... Aliás, me implorar para ir embora e assim minha vingança finalmente acabaria. Agora que você me contou isso e depois de ter escutado minha governanta que é como uma sábia e melhor amiga pra mim, estou arrependido e por isso estou te contando.

       Espantada e decepcionada com aquela resposta, ela esbravejou:

   — Por quê?

       Um pouco assustado respondeu:

   — Por causa da coisa que fez de investigar sobre a minha vida, eu fiquei furioso com isso. Depois que tudo aconteceu me fechei, houve um tempo em que eu só falava sobre isso numa roda de amigos e com os mais íntimos mesmo, mas ninguém nunca me entendia e eu também comecei a achar que isso não era assunto para essas ocasiões. Então me fechei e me desliguei de todos, porque eu só falava e pensava nisso. Não fiz mais amigos depois de um tempo também por minha família se mudar demais. Eu já havia feito isso com outra garota que também estava gostado de mim, nunca mais a vi. Sei que tudo aquilo que você leu, saiu em tudo quanto foi jornal na época, mas com o tempo, achei que iria cair no esquecimento e caiu até você aparecer e fazer isso. Mas tudo bem, não ligo mais, você me fez até um favor me libertando e me mostrando que esse tipo de coisa destrutiva pode ser superada.

       Chateada e resentida, Paula perguntou tentando se acalmar:

   — Como você fez essas coisas?

       Ele se surpreendeu com a pergunta dela e logo respondeu empolgado:

   — Eu, meu irmão e nossos amigos de infância aprendemos a organizar festas de Halloween. Eu e meu irmão pegamos o jeitinho rápido. Depois de alguns anos organizando festas com eles, eu fui reconhecido por fazer essas coisas. Com o tempo, fui mais longe que eles porque sempre ia aperfeiçoando o meu trabalho junto ao meu irmão. Chegamos até estudar sobre isso e tudo mais. Depois que ele faleceu, me aproveitei disso pra me aperfeiçoar mais ainda... Em fim, hoje em dia, me orgulho muito do que faço e já ganhei muito dinheiro com isso. Tentava deixar a coisa cada vez mais surreal até que parei de fazer festas desde a última vez em que aprontei esta mesma coisa com a outra garota. Deixei a coisa fora de controle e ela quase enlouqueceu a ponto de perder a noção do que era real ou não... – ele a olhou sem jeito e depois continuou. — Assim como foi com você. Bem, depois disso resolvi parar de fazer festas e passei a fazer disso meu uso pessoal. Apesar do que aconteceu, eu me orgulho, mas sinto certa vergonha do que fiz ela passar.

   — Meus parabéns, você conseguiu cumprir com sua vingança. – disse batendo palmas ironicamente. — Estou indo embora imediatamente desta casa. Aprendi, pode deixar que eu aprendi muito bem essa lição. Agora vou embora exatamente como você planejou. Isso é o que dá ser ingênua demais e querer ajudar aos outros. Bendita hora foi essa que eu me aproximei de você. – esbravejou irada enquanto arrumava sua mala, jogando suas roupas de qualquer jeito lá dentro.

       Ele logo murchou com a ironia dela e disse pegando em suas mãos:

   — Mas eu não quero mais que você vá embora. Por favor, me perdoe pelo o que fiz e fique aqui comigo até o final das férias. Prometo que nunca mais faço isso com você, prometo fazer o que você quiser para me redimir. Sei que agi feito criança, não vou fazer mais isso. Me dê outra chance, eu te peço.

       Ela o olhou fixamente, seu coração estava apertado por vê-lo daquele jeito, mas agora nada mudaria o seu ressentimento.

   — Agora é muito tarde para se arrepender, estou muito magoada e furiosa contigo. Você não tem ideia do que passei mesmo sabendo que tudo isso era mentira. Confesso que achei até graça, apesar de me assustar com tudo o que você tem feito, mas nessa que acabou de acontecer, você se superou.

       Ela se afastou dele encarando-o e começou a bater palmas ironicamente.

   — Parabéns, é sério, você fez um ótimo trabalho. Eu vou embora agora mesmo. Também acho que já fiquei tempo demais aqui, tenho que voltar logo porque prometi à minha mãe que não ficaria aqui por muito tempo. De pensar que não dei ouvidos à Nicole. – olhou-o de modo frio balançando a cabeça negativamente. — Ela sentia que havia algo de muito estranho com este seu convite inusitado e estava certa.

       Daniel tentou de tudo, mas nada adiantava, Paula já não queria mais ouvi-lo e ele já não sabia mais o que dizer para se desculpar, para fazê-la ficar.

       O celular tocou e ele atendeu do lado de fora do quarto. Era sua mãe que estava ligando para saber como estava indo a viagem. Então se desligou totalmente da conversa que estava tendo com ela para contar as novidades à sua mãe. 

       Por minutos Paula ficou ali pensando em tudo aquilo, mas não demorou muito para tomar logo uma atitude, pois do jeito que estava se sentindo, era mesmo melhor que fosse embora logo dali, antes que acabasse fazendo alguma bobagem com ele.

       Depois de pensar demais, voltou a si e pegou sua mala no chão rapidamente para ir embora. Ela passou por ele correndo pelo corredor e ao vê-la correr com sua mala na mão, logo se despediu de sua mãe, disse que depois ligava para ela, desligou o celular e correu atrás de Paula atravessando o grande corredor que ficava no segundo andar da casa, era o andar que tinha mais quartos.

       Quando finalmente chegaram à enorme escada que dava para a sala de estar onde se encontrava a porta da frente da casa, Paula desceu correndo, mas acabou se atrapalhando com sua mala e caiu, rolou até o segundo lance de escada e quando chegou lá em baixo já estava desacordada com algumas feridas na testa e esfoliações nos braços. Ela havia batido com a cabeça muito forte durante a queda e isso fez com que desacordasse.                              

       Ao vê-la caída, Daniel ficou desesperado.

   — Meu Deus o que foi que eu fiz? – gritou com as duas mãos atrás da cabeça.

       Ele foi até lá embaixo, pegou-a no colo e a levou correndo para o hospital mais próximo. Lá, ela recebeu os devidos cuidados e foi internada por alguns dias para observação já que não acordava do desmaio.

       Tal acidente o fez sentir-se pior, mal conseguia raciocinar o que havia acontecido. Tudo o que sabia fazer era se culpar pelo estrago que havia feito àquela moça que tudo o que queria era ajudá-lo.

                                                                ***

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