O celular alarmou mais uma vez me trazendo de volta para a minha realidade, já fazia duas semanas que o bendito e atraente vizinho havia se mudado para a casa da frente. Casa essa que eu costumava entrar algumas vezes quando queria ficar sozinha e que por muitas vezes quando pequena eu tinha brincado com meus amigos, essa casa tinha história até demais para contar! Me levantei da cama ainda sonolenta, andei no automático até o banheiro e ainda bocejando fui tirando a roupa. Hoje iríamos fazer o mercado do mês para o restaurante. Coloquei um short jeans desfiado, um blusão, um sapatenis, finalizei minha juba e pronto. Quem se arruma pra ir ao mercado? Pois é. Passei só um batonzinho e um rímel porque ninguém quer ver assombração de manhã cedo, mas se bem que ao nível das adolescentes brasileiras que acostumam ir ao lê cirque de manhã cedo, eu não assustaria muita gente. Saí do quarto ainda no automático, eu havia ido dormir quase duas da manhã encarando a bendita foto do desconhecido em minha câmera, o que isso quer dizer? Que tenho traços piscopatas. Isso mesmo. PISCOPATAS.
— Bom dia, dona Marília. — Falei me encostando-se a pia e bocejando.
— Já ta pronta? — Minha mãe me encarou. — Que bom porque tem que dar tempo de passar na feira e pegar as melhores hortaliças.
— Hum. — Falei me espreguiçando e sentando-se à mesa.
— Tu foi dormir tarde, num foi? — Minha mãe falou colocando meu café. — Tu sabia que a gente ia ao mercado, Jasmim. Pois trate de acordar que hoje o dia vai ser rapidex.
— Tá mainha, tá. — Falei revirando os olhos. — Fala muito não que eu durmo.
—Tome. — Dona Marília colocou o café em minha frente.
Tomei um gole e depois outro, checando o mito da cafeína, continuei com sono. Peguei meu celular e meus fones de ouvidos de lei, coloquei em minha bolsa de lado e segui minha mãe até o lado de fora. Quando vamos fazer mercado eu costumo não tomar café sólido, me sinto agoniada. Minha mãe tirou o carro da garagem e seguimos rumo ao mercado central. Quando chegamos ao mercado, coloquei minha musica, peguei a listinha do que eu preciso comprar e fui-me embora. Sim, eu e minha mãe temos listas separadas e nos dividimos no mercado pra ficar mais rápido. Sempre terminamos na mesma fileira. Peguei um carrinho e fui para minha missão com os fones no máximo. Estava na sessão de massas pensando em que espaguete escolher quando notei que o que minha mãe usa estava no alto. Isso é sempre absurdo porque com 1,54 eu sempre preciso pedir ajuda, olhei para a frente e não vi ninguém que pudesse me ajudar. Fiquei na ponta dos pés e tentei pegar, não consegui. Tentei novamente pulando, mas não consegui da mesma forma. Bufei. Respirei fundo e estava pensando em ir pedir ajuda a algum repositor quando um braço masculino passou diante de mim e pegou a massa.
— É essa? — O desconhecido falou atrás de mim, sua voz tinha um sotaque diferente capaz de fazer cócegas em meu estomago. Era um som grosso, porem rouco, e ao mesmo tempo suave.
— Oi... — Falei gesticulando o fone em meu ouvido e me virando para o desconhecido. — Eu acabei de gritar, eu sei. — Fechei os olhos assentindo para mim mesma.
— É essa? — Ele perguntou novamente.
— É... Obrigada. — Falei sem graça ao notar que era o meu novo vizinho. Seus olhos eram azuis da cor do oceano. Azuis questionadores, incisivos, misteriosos. A claridade de seus olhos refletia a escuridão de sua expressão fechada. Todo o seu rosto o dava um ar autoritário, questionador.
— Disponha. — Ele assentiu me encarou por alguns segundos e seguiu para os produtos da prateleira contrária.
Continuei analisando, comparando e escolhendo meus produtos com um esforço máximo para não encará-lo, mas era meio impossível. Que gato! Ele estava com uma calça e camisa social de botão. Quem em São Paulo vai ao mercado às sete da manhã vestido como se fosse para uma festa social? Uau. Notei que o molho que eu queria comprar estava ao lado dele, eu não queria me aproximar, mas, era necessário. Eu estava começando a me odiar, ele é meu vizinho! Me aproximei e analisei algumas marcas de molho, encarando de soslaio sua cara confusa a minha frente.
— Posso te ajudar? — Falei o encarando. Falando mais baixo já que agora eu só estava com um fone.
— Han? — Ele me encarou, ainda com uma expressão confusa no rosto.
— Dá pra ver que precisa de ajuda. — Falei gesticulando para sua expressão.
— Ahh. Sim. — Ele assentiu desviando o olhar e chegou um pouco mais perto como se fosse contar um segredo. — Qual a diferença disso aqui, para isso aqui? — Perguntou apontando para um molho de tomate e um extrato a nossa frente.
— Ahh... — Eu sorri. — Eu também achava bem confuso. O molho — Falei apontando — já vem com alguns realçadores de sabor e algumas ervas, para um prato já preparado. Já esse aqui — Apontei para o extrato — É só o tomate diluído, caso você queira preparar algo mais sofisticado e tenha os temperos certos.
— Wie verruckt! — Ele resmungou.
— Hum? — Falei confusa. Que sotaque mais fofo!
— Ah não... — Ele umedeceu os lábios. — Ham... Que loucura. — Falou desviando o olhar.
— Quem? O que? — Falei não entendendo.
— Foi o que eu disse. — Pude ver um sorriso quase invisível tomar a linha de seus lábios. — Eu disse que loucura em alemão, força do habito. Mil desculpas.
— Ah sim, claro. Mas é loucura mesmo porque os dois podem ser usados para o mesmo propósito. Enfim, se precisar de mais alguma coisa é só me chamar. — Falei assentindo e desviando o olhar. Que idiota. — Claro que se preferir pode chamar alguém que trabalhe aqui. — Falei fazendo careta. — É... Xau.
— Ok. — Ele falou com uma expressão de quem estava se divertindo em me ver passando vergonha.
Eu peguei o meu carrinho e segui corredor à frente querendo enfiar minha cara no primeiro buraco que aparecesse. Não que buracos fossem comuns em mercados. Segui fileiras e mais fileiras pegando tudo que eu precisava. Estava andando por um dos corredores checando minha lista quando me bati nele. Coincidência dos infernos. O mundo no mercado e eu me bati especificamente nele!
— Aff. Me desculpe! — Falei, eu podia apostar que estava da cor de um pimentão. Segunda vergonha do dia.
— Tudo bem, eu quem não prestei atenção. — Ele falou apontando para o celular.
— Não, eu quem me perdi na lista. — Falei apontando para a lista.
— Eu te conheço. — Ele falou arqueando uma das sobrancelhas.
— De algumas fileiras atrás. — Falei apontando para trás.
— Não, da minha janela. A menina da câmera. — Ele falou estalando o dedo.
— Ah sim, somos vizinhos. — Falei assentindo.
— É. — Ele assentiu.
— Jasmim... — Minha mãe falou vindo atrás de mim. — Menina, tu me esqueceu foi? — Ela falou se aproximando.
— Claro que não, dona Marília. — Falei revirando os olhos e ficando de lado para encará-la.
— Ah Oi. — Minha mãe falou para o vizinho novo. — Você é o filho da Giovanna, né?
— Mãe... — Sussurrei abaixando o olhar.
— Eu carreguei você no colo, continua lindo! — Minha mãe falou sorrindo agora ficando ao meu lado.
— Sim. — Ele assentiu com um sorriso educado. Que sorriso! — Obrigado!
— Como é seu nome mesmo? Faz tanto tempo! Aron, Are... — Minha mãe falou tentando se lembrar.
— Meyer. — Ele sorriu.
— Sei que não se lembra de mim, Meyer. Dona Marília. Fale com sua mãe para ir almoçar no meu restaurante, por conta da casa pela volta dela. — Minha mãe falou animada.
— Restaurante? — Ele falou confuso.
— Ah sim, ela sabe onde é. Inclusive ela chegou a trabalhar lá por um tempo, fomos muito amigas. Você e a minha Jasmim corriam juntos na frente daquela casa, uma picula que só Deus. — Minha mãe falou rindo.
— Picula... — Ele sussurrou me encarando por alguns segundos. — Jasmim...
— Ham... Mãe, ele está com pressa. E a gente também. — Falei baixo a encarando.
— Ah claro, não vou te atrapalhar. Mas fico feliz de ver você enorme e saudável viu. — Minha mãe abriu um sorriso gentil que só dona Marília sabe dar para conquistar as pessoas.
— Obrigado pela gentileza. Pode deixar que convencerei minha senhora a ir até seu restaurante. — Ele falou sorrindo.
— Minha senhora? — Repeti confusa, achei que não dava para ouvir.
— Mom... — Ele explicou. — Mãe. É que chamamos assim. Tenho que me acostumar com o termo mãe. — Outro sorriso discreto. Ele tem que parar de sorrir, se não meu coração pode acabar parando de bater.
— Entendi. — Assenti. — Enfim, desculpe mais uma vez, se vemos por ai. — Falei sem jeito.
— Se vemos por ai, Jasmim. — Ele assentiu me encarando. Definitivamente meu coração parou, como simplesmente falar meu nome poderia ser tão sexy?
— Ok Meyer. — Falei retribuindo seu olhar.
Nos encaramos por alguns segundos e logo fui despertada com minha mãe já lá na frente empurrando o carrinho. Saí do caminho dele e segui o meu. Uau. Uau. Uau. Estava bastante calor no mercado pela primeira vez na vida. Terminei o restante das compras junto com minha mãe e seguimos para o caixa, pagamos e fomos diretamente para o restaurante.
Tudo seguiu o mais normal possível, pela parte da manhã o movimento foi bastante tranqüilo então arrumamos tudo. Infelizmente a Mari acabou tendo que ir para casa porque não estava muito bem e eu fiquei como ajudante de cozinha. Preparei os temperos pra corte vendo que hoje eu almoçaria tarde. Estávamos a todo vapor quando os pedidos começaram a chegar. Minha mãe continuou fazendo a comida e eu terminei o tempero e fui montar os pratos para o Mario levar quando ele veio meio atordoado.— Dona Marília. É... Estão chamando a Senhora lá fora! — Mario falou sem jeito. Medo de ser despedido, talvez!— O que houve, menino? — Minha mãe perguntou confusa.— Eu não sei. Só pediram pra ver a dona do lugar. — Ele deu de ombros, também confuso.— Se assuste não, meu filho. Mexa aqui que eu vou lá. — Ela falou apontando pra a panela do cozido.Continuei montando os pratos imaginando ser mais um ou uma cliente dramática questionando alguma coisa. Coisa normal quando se trata de restaurantes.— Filh
Fechei a conta da dona Sandra, me despedi com um sorriso e volte sempre e aproveitei para encerrar outras contas no local. O tempo foi passando rápido e logo o Meyer e dona Giovanna foram embora e minha mãe voltou para o expediente. Eu fui almoçar ás quatro da tarde, mas estava me sentindo muito bem por ver minha mãe parada conversando como uma adolescente empolgada.Já eram nove e meia quando finalmente conseguimos encerrar o expediente e se despedir do último cliente, aproveitando o feche do sorriso que minha mãe deu o dia todo, pedi que ela fosse descansar que eu mesma terminaria de limpar e fecharia o restaurante. Ela relutou, mas acabou cedendo. Eu estava carregando todo o lixo até o tonel quando notei uma movimentação ao lado de fora da porta dos fundos da suposta casa noturna. Aquele beco estava movimentado pela primeira vez. Nenhum dos lados do beco tinha saída, apenas uma grade do lado do meu restaurante que ficava sempre de cadeado e só era aberto por nós quando os garis vi
Faltavam cinco minutos para as nove quando o Mario buzinou na frente da minha casa. Peguei meu sapatenis de sempre e coloquei nos pés, eu estava com uma calça cintura alta e um cropped decotado. Meus cabelos estavam soltos e em meu pescoço havia um colar dourado com pingente de uma borboleta contrastando com minha primeira tattoo feita aos quatorze anos, uma borboleta erguendo vôo, porque era assim que eu me sentia, pronta para voar em busca dos meus sonhos. Dessa vez um batom vinho ressaltava em meus lábios combinando com a cor do meu cropped, roxo sempre fora a minha cor favorita. Em meus olhos um delineado gatinho contrastava com o preto misterioso da minha Iris. Uma piscadela para o espelho e eu estava pronta. Disse a mim mesma que era apenas uma saída. Eu e o Mario éramos melhores amigos há anos, desde que eu começara a trabalhar no restaurante, saiamos em grupo ou sozinho muitas vezes... Mas da última vez há alguns meses atrás, eu bebi demais e o beijei para tirar um carinha do
Quando deu três da manhã decidi que realmente já era hora de ir pra casa. Para não incomodar eu pedi um Uber e o Mario me acompanhou até o lado de fora. Compartilhei a rota com o Mario, é uma segurança já que o Uber é homem e sabemos que a taxa de estupro e feminicidio só aumenta a cada dia. Coloquei meu fone no máximo, sentei atrás do banco do motorista e fiquei imersa em meu mundo até chegar à frente da minha casa.— Muito obrigada, seu João. — Falei para o motorista que eu já sabia o nome, ele tinha sido total simpático e escutado minhas reclamações da noite, e ainda cantamos juntos uns forrós doidos. Desci e fui até a janela da frente. Abri a bolsa e tirei meu cartão de débito. — No débito. — Ele assentiu, eu paguei e esperei o carro dar a ré e ir embora. Notei a casa vizinha a minha frente. Tirei meus sapatos os pegando na mão agora, meus pés estavam doloridos. Suspirei. O álcool estava fazendo bastante efeito agora. Parei por alguns segundos e me virei para a minha casa. Um pou
JASMIM:Acordei já eram quase meio dia com minha mãe batendo na porta do meu quarto.— Hum... — Resmunguei colocando a cabeça debaixo do travesseiro. Eu estava com uma enxaqueca infeliz.— Jasmim! — Minha mãe bateu mais uma vez.— Hummm... — Respondi agora tirando o travesseiro e me virando de barriga pra cima.— Posso entrar? — Ela perguntou do outro lado da porta.— Pode mãe, pode. — Falei visivelmente de mal humor.Ela entrou, sentou na cama com um sorrisinho e me encarou.— Mãe... — Resmunguei.— Você precisa levantar. — Minha mãe falou com um sorrisinho.— Por quê? Hoje é domingo! — Falei colocando o travesseiro no rosto novamente.— Por isso mesmo. Vamos almoçar com a Giovanna. — Ela falou agora tirando a almofada do meu rosto.— NÃO. Não mesmo. — Abri os olhos e a encarei. Virei-me para o outro lado.— Filha. — Minha mãe falou. Ela estava prestes a fazer cena e eu sabia disso. — Você vai fazer desfeita pra mulher que te carregou no colo? — Dona Marília, uma chantagista nata.—
— Bastante perigosa! — Ele disse desviando o olhar com um sorriso de canto. — Quando quiser se sentar neste jardim novamente é só bater na porta. — Ele falou.— Ah. Ok. Não se preocupe, não vou mais invadir sua propriedade. — Falei agora o olhando de soslaio com um sorriso de canto.— Eu também sou bastante perigoso, Senhora Jasmim... — Ele falou baixando o olhar por alguns segundos.— Ah é mesmo? — Falei fingindo estar pensativa. — Quais seus dotes?— Punir criminosas que invadem propriedades. Neste caso especifico, punir criminosas que invadem a minha propriedade. — Ele falou virando a cabeça e me encarando diretamente.— Uau. — Sussurrei arqueando uma das sobrancelhas por alguns segundos. Aquilo foi um golpe. — Que medo! — Falei num tom baixo, mas audível.Ele virou para o outro lado e riu voltando a me encarar.— Então você gosta de tirar fotos? — Perguntou aleatoriamente.— E você gosta de desenhar... — Não foi uma pergunta e sim uma afirmação.— Por que você acha isso? — Ele me
Eram nove da noite quando começamos a fechar o restaurante. Eu fiquei para fechar tudo e quando estava jogando o lixo no tonel dos fundos vi a movimentação da casa noturna ao lado. Ele estava em pé ao lado de fora, apoiado na porta com um terno importado de luxo com um cigarro na mão direita e um copo de uísque na mão esquerda. Estava sozinho. A cabeça encostada na parede virada para a lua, olhos fechados... Ele respirava fundo, respiração pesada. Sem me notar ele deu uma tragada em seu cigarro, e abriu a boca soltando a fumaça logo em seguida. Ele estava extremamente sexy naquela posição. Por um momento eu me perguntei se aquilo era uma miragem e desejei estar com minha câmera. Mas sentindo que estava sendo observado ele abriu os olhos e me encarou. Eu me virei no reflexo e continuei jogando meu lixo fora. Notei quando ele se aproximou e encostou-se à parede ao lado do tonel me encarando descaradamente agora enquanto continuava bebendo do seu uísque e fumando do seu cigarro. Eu parei
Não dava para ver, mas ele falou alguma coisa, se afastou do carro e andou em minha direção. Meu coração pareceu parar, como sempre que ele estava por perto. Não era possível. O que ele estava fazendo? Um dos seguranças ficou ao lado do carro, enquanto três de seus seguranças o seguiu. Ele estava igualmente impecável como mais cedo. Ele chegou a uma distância considerável a quatro passos e eu pude sentir o rosto dos meus amigos queimando em cima de mim pela fofoca.— O que faz aqui? — Ele balançou a cabeça como se não acreditasse e colocou as mãos no bolso. Eu queria me enfiar num buraco, ou embaixo de suas roupas.— Esperando na fila como todo mundo para conhecer a nova casa noturna. — Cruzei os braços e levantei o queixo. Ele estava se achando demais.— Eu lhe avisei mais cedo. — Ele desviou o olhar ignorando os olhares próximos sobre nós.— Não houve resposta concreta. Então eu vim tirar minhas próprias conclusões. — Dei de ombros.Ele bufou, passou as mãos pelos cabelos e me encar