Quando deu três da manhã decidi que realmente já era hora de ir pra casa. Para não incomodar eu pedi um Uber e o Mario me acompanhou até o lado de fora. Compartilhei a rota com o Mario, é uma segurança já que o Uber é homem e sabemos que a taxa de estupro e feminicidio só aumenta a cada dia. Coloquei meu fone no máximo, sentei atrás do banco do motorista e fiquei imersa em meu mundo até chegar à frente da minha casa.
— Muito obrigada, seu João. — Falei para o motorista que eu já sabia o nome, ele tinha sido total simpático e escutado minhas reclamações da noite, e ainda cantamos juntos uns forrós doidos. Desci e fui até a janela da frente. Abri a bolsa e tirei meu cartão de débito. — No débito. — Ele assentiu, eu paguei e esperei o carro dar a ré e ir embora. Notei a casa vizinha a minha frente. Tirei meus sapatos os pegando na mão agora, meus pés estavam doloridos.
Suspirei. O álcool estava fazendo bastante efeito agora. Parei por alguns segundos e me virei para a minha casa. Um pouco muito tonta. Ok. Errei alguns passos? Errei. Mas consegui chegar até a frente da porta. Abri minha bolsa pra procurar a chave. DROGA. Não estava achando. Suspirei mais uma vez. Lembrei que havia esquecido em cima da minha escrivaninha.
— DROGA! — Falei batendo na testa. Que burra. Eram quase quatro da manhã. Lembrei da porta dos fundos, rodeei a casa e retirei um misse de dentro da minha bolsa, sempre fica lá. Abri a porta do fundo tentando fazer o mínimo de barulho e apoiada na parede subi as escadas e segui caminho até meu quarto.
Fui até a varanda, o céu estava com um acinzentado lindo e isso me abriu uma enorme vontade de capturar este momento. Peguei minha câmera que estava em cima da minha poltrona e liguei. Esperei iniciar, mirei no céu e bati uma foto, sorri enquanto analisava a linda imagem que havia tirado. Claro, estava um pouco embaçado pelo alto teor de álcool tomando conta da minha visão, mas quando eu ficasse sã, amaria essa foto. Joguei-me na poltrona por um momento encarando aquele céu acima de mim, lindo! Fiquei ali por alguns minutos, escutando musica e admirando o céu clareando. Quando não agüentei mais, cambaleei até minha cama, não sem antes me bater no vidro da varanda. E apaguei.
MEYER
— Sim, Vati. — Falei andando de um lado para o outro no quarto utilizando o termo que chamo meu pai em minha língua nativa. — Eu entendi papai.
— Você cuidou de tudo? — Meu Vati perguntou. Sua voz grossa e autoritária só me deixava com mais vontade de desligar o telefone.
— Cuidei Vati. Cuidei. São três da manhã. Estou cansado. Podemos conversar mais tarde? — Perguntei bufando inaudivelmente.
— Grandes homens não dormem, Meyer. Tenha isso em mente. — Meu pai advertiu.
— Eu sei papai, eu sei. — Suspirei. — O Senhor me diz isso o tempo todo. Mas dormir é fundamental para a nossa saúde biológica e a diferença em nosso fuso horário mostra isso mais do que tudo. Acabei de voltar da Nachtclub. Está tudo certinho para a inauguração essa semana.
— Ok. Ok. — Ele finalmente cedeu. — Estarei ai na inauguração! — Falou.
— Ok Vati. Gute Nacht — Me despedi e desliguei antes que ele pudesse iniciar outro assunto.
Tomei um banho demorado. Eram três da manhã e eu já havia resolvido tudo que havia para resolver em nossa Meyer Haus – nome da nossa nova casa noturna. - Tudo estava indo muito bem, mas meu pai é um homem completamente autoritário que acredita que só ele sabe fazer tudo com excelência. Eu estou no comando dessa casa já que meu pai tem muitas outras casas espalhadas em diversos países para cuidar. Na verdade; este foi o motivo pelo qual voltamos para o Brasil, Heiko conseguiu uma proposta interessante para montar uma filial Meyer Haus aqui no Brasil. Não. Meyer Haus não é o nome de uma casa noturna, é nome da empresa de Ecstasy de meu pai. Fabricamos e distribuímos para muitos países, importamos para muitas empresas, mas nada melhor - segundo Heiko - do que vender para o consumidor físico também. Então há anos atrás surgiu à idéia de abrir de fato a casa noturna Meyer Haus, que era apenas uma laranja no registro. A casa noturna hoje é onde tudo acontece, é aonde negociamos tudo com todos os compradores seja jurídico ou físico, e ainda ganhamos mais com as apresentações, bebidas e clientes que vão lá só para curtir. É como matar diversos coelhos com uma cajadada só. O que eu acho de tudo isso? Não era bem a vida que eu queria pra mim. Nem sempre é tudo tão calmo e nesse ramo é preciso escolher entre duas opções: Ter sentimentos ou ser um Meyer. Eu sou obrigado a ser um Meyer a cada segundo da minha vida e por isso preciso estar vazio para fazer tudo que faço. Sou herdeiro do meu pai, é o meu fardo e obrigação. Aos meus dezoito anos tive que deixar para trás todos os meus sonhos que segundo meu pai são inúteis e fantasiosos, para seguir como Meyer. Era isso ou isso. Sendo filho do meu pai, eu nasci não tendo escolha. Hoje eu meio que já me acostumei a comandar os negócios, embora às vezes eu tenha uma repentina crise existencial e sinta uma enorme vontade de largar tudo isso e viajar mundo a fora sendo apenas eu. Mas isso acontece raras vezes quando tenho que me sujar um pouco. Porque nesse negocio se sujar é obrigatório. Ou você se suja ou alguém vai se sujar com você.
Saí do banho enrolado na toalha e fui até meu guarda roupa pegar minha calça quando vi uma movimentação do lado de fora. Era a Jasmim, minha vizinha. Encostei-me na janela e a observei descer de um carro, não era o mesmo que a levou as nove da noite. Já eram quase quatro da manhã. Ela estava cambaleando. Vi quando ela notou que não estava com a chave da porta da frente, quando bufou. Parecia uma York Shire brava. Abri um sorriso ao vê-la praguejando. Estava notavelmente bêbada. Balancei a cabeça em sinal de negação. Ela conseguia ser ainda mais linda semiconsciente. Ela rodeou a casa e então sumiu. Eu suspirei afastando aquela bela imagem da minha mente e fui terminar de vestir minha roupa. Não tenho tempo para romance agora, nem mesmo um pequeno flerte. Minha vida não permite encaixar pessoas, principalmente quando se trata de uma garota que até bêbada parece pura e inocente quanto a Jasmim. Enxuguei meu cabelo com a toalha, coloquei uma calça moletom e me sentei na cama mexendo aleatoriamente no i***a. Novamente uma movimentação do lado de fora da minha janela. Meu olhar parou diretamente na Jasmim varanda a fora com a câmera apontada para o céu. Ela daria uma bela obra de arte agora. Eu se lembraria disso depois. Eu não seria desenhista como queria aos meus dezoito anos, mas velhos hábitos nunca morrem... Ainda desenho quando quero extravasar minha frustração, raiva ou tristeza. Ela se sentou na poltrona e ficou ali fixada em seu próprio mundo, a encarei. Ela tinha algo que me deixava intrigado, não sei o quê, mas me chamava bastante atenção. Deixei meu corpo cair na cama sorrindo ao me lembrar dela tentando achar a chave de casa e praguejando sem sucesso. Logo após um filme se passou em minha cabeça, ela atendendo no restaurante como uma grande dona e gerente. Eu podia ver muitas mulheres numa só. Ao mesmo tempo em que ela conseguia ser uma mulher foda e responsável capaz de carregar o mundo nas costas para fazer quem ama feliz, também conseguia ser a garota atrapalhada do mercado, a garota que aproveita pra sonhar no caminho pra casa, e a bêbada. Bati na testa. IDIOTA. Como que uma garota que acabei de conhecer conseguia chamar tanto minha atenção? Eu não conseguia me controlar quando ela estava presente, era como um desafio que você quer cumprir a todo custo. Ela me dava a sensação de liberdade, era a única garota que não olhava para mim como uma porta para o poder. Ela me enxergava como alguém normal e isso me deixava com mais vontade de estar perto. Eu me sentia NORMAL perto dela. Mas esse é o problema, EU SOU UM MEYER.
— Nem vem, Meyer. — Resmunguei agora de olhos fechados. — Você não tem tempo pra isso! — Bati em minha testa novamente. — A garota é comum, nem saberia lidar com seu mundo. Ablösung!
Abri os olhos me sentando novamente na cama, quando olhei para fora da janela ela já não estava mais lá. Bufei. Levantei, fechei a cortina e me joguei na cama. Já estava praticamente claro quando consegui pegar no sono.
JASMIM:Acordei já eram quase meio dia com minha mãe batendo na porta do meu quarto.— Hum... — Resmunguei colocando a cabeça debaixo do travesseiro. Eu estava com uma enxaqueca infeliz.— Jasmim! — Minha mãe bateu mais uma vez.— Hummm... — Respondi agora tirando o travesseiro e me virando de barriga pra cima.— Posso entrar? — Ela perguntou do outro lado da porta.— Pode mãe, pode. — Falei visivelmente de mal humor.Ela entrou, sentou na cama com um sorrisinho e me encarou.— Mãe... — Resmunguei.— Você precisa levantar. — Minha mãe falou com um sorrisinho.— Por quê? Hoje é domingo! — Falei colocando o travesseiro no rosto novamente.— Por isso mesmo. Vamos almoçar com a Giovanna. — Ela falou agora tirando a almofada do meu rosto.— NÃO. Não mesmo. — Abri os olhos e a encarei. Virei-me para o outro lado.— Filha. — Minha mãe falou. Ela estava prestes a fazer cena e eu sabia disso. — Você vai fazer desfeita pra mulher que te carregou no colo? — Dona Marília, uma chantagista nata.—
— Bastante perigosa! — Ele disse desviando o olhar com um sorriso de canto. — Quando quiser se sentar neste jardim novamente é só bater na porta. — Ele falou.— Ah. Ok. Não se preocupe, não vou mais invadir sua propriedade. — Falei agora o olhando de soslaio com um sorriso de canto.— Eu também sou bastante perigoso, Senhora Jasmim... — Ele falou baixando o olhar por alguns segundos.— Ah é mesmo? — Falei fingindo estar pensativa. — Quais seus dotes?— Punir criminosas que invadem propriedades. Neste caso especifico, punir criminosas que invadem a minha propriedade. — Ele falou virando a cabeça e me encarando diretamente.— Uau. — Sussurrei arqueando uma das sobrancelhas por alguns segundos. Aquilo foi um golpe. — Que medo! — Falei num tom baixo, mas audível.Ele virou para o outro lado e riu voltando a me encarar.— Então você gosta de tirar fotos? — Perguntou aleatoriamente.— E você gosta de desenhar... — Não foi uma pergunta e sim uma afirmação.— Por que você acha isso? — Ele me
Eram nove da noite quando começamos a fechar o restaurante. Eu fiquei para fechar tudo e quando estava jogando o lixo no tonel dos fundos vi a movimentação da casa noturna ao lado. Ele estava em pé ao lado de fora, apoiado na porta com um terno importado de luxo com um cigarro na mão direita e um copo de uísque na mão esquerda. Estava sozinho. A cabeça encostada na parede virada para a lua, olhos fechados... Ele respirava fundo, respiração pesada. Sem me notar ele deu uma tragada em seu cigarro, e abriu a boca soltando a fumaça logo em seguida. Ele estava extremamente sexy naquela posição. Por um momento eu me perguntei se aquilo era uma miragem e desejei estar com minha câmera. Mas sentindo que estava sendo observado ele abriu os olhos e me encarou. Eu me virei no reflexo e continuei jogando meu lixo fora. Notei quando ele se aproximou e encostou-se à parede ao lado do tonel me encarando descaradamente agora enquanto continuava bebendo do seu uísque e fumando do seu cigarro. Eu parei
Não dava para ver, mas ele falou alguma coisa, se afastou do carro e andou em minha direção. Meu coração pareceu parar, como sempre que ele estava por perto. Não era possível. O que ele estava fazendo? Um dos seguranças ficou ao lado do carro, enquanto três de seus seguranças o seguiu. Ele estava igualmente impecável como mais cedo. Ele chegou a uma distância considerável a quatro passos e eu pude sentir o rosto dos meus amigos queimando em cima de mim pela fofoca.— O que faz aqui? — Ele balançou a cabeça como se não acreditasse e colocou as mãos no bolso. Eu queria me enfiar num buraco, ou embaixo de suas roupas.— Esperando na fila como todo mundo para conhecer a nova casa noturna. — Cruzei os braços e levantei o queixo. Ele estava se achando demais.— Eu lhe avisei mais cedo. — Ele desviou o olhar ignorando os olhares próximos sobre nós.— Não houve resposta concreta. Então eu vim tirar minhas próprias conclusões. — Dei de ombros.Ele bufou, passou as mãos pelos cabelos e me encar
O tempo passou sem que percebêssemos, e logo a casa noturna animou mais quando começou a tocar musicas brasileiras mixadas como DJ Pedro Sampaio! Era uma da manhã quando começou a tocar aquecimento do Pedro Sampaio. Eu não gosto do funk, mas alguns me deixam animadíssima principalmente quando tem álcool no meio. Tudo no ambiente era voltado para lhe fazer extasiar. As batidas pensadas para bombear em seu corpo. Eu amei aquele lugar com todas as minhas forças, e pela primeira vez eu dancei numa festa com minhas amigas me sentindo completamente segura e sem receio do assedio, porque eu sabia que nenhum cara seria capaz de encarar a cara do segurança de escolta no lounge. Sem falar que o Meyer estava de olho e o fato de eu ter entrado com o dono, estar no lounge dele, eu sabia que era dele porque tinha o nome MEYER estampado, acredito que fazia os caras nem pensarem em encostar. Eu perdi as contas do quanto rebolei e me requebrei até não senti mais meus pés sobre as botas. Às três da man
— Ok. — Falei assentindo. —Vou indo então. — Suspirei.— Ok. A gente se vê por ai, Jasmim. — Ele falou colocando as mãos no bolso.— Puta que pariu. — Falei sentindo meu corpo formigar ao ouvi-lo falar meu nome.— Que? — Ele me encarou. Não sabia se sua expressão era confusa ou divertida.— Quando você fala meu nome. — Suspirei. — Você não tem idéia da puta sensação que me causa, Meyer. — Eu nem percebi que estava falando aquilo em voz alta.— Ah é? — Ele estreitou ainda mais os olhos.— Puta merda. — Falei agora passando a mão nos cabelos que haviam se soltado desde o inicio da trajetória, eu deveria estar parecendo uma leoa. — Boa noite. — Fiz uma careta.— Boa noite, Jasmim. — Ele sorriu enfatizando a última frase.Eu me aproximei automaticamente, foi como um imã me atraindo. Nossos rostos ficaram próximos demais, seus lábios a centímetros do meu.— Não se provoca uma garota bêbada, Meyer. — Enfatizei seu nome.— Por quê? — Ele sussurrou encarando meus lábios. Eu podia sentir o des
JASMIM— Bom dia, mãe. — Falei com uma dor de cabeça insuportável ao chegar à cozinha.— Bom dia. Sua cara está maravilhosa. — Ela disse escondendo um sorriso.— Está. — Eu ri.— Chegou que horas? — Ela perguntou enquanto coava o café.— Cinco. — Revirei os olhos me sentando-se à mesa e fungando.— Durma um pouco mais, eu seguro as pontas no restaurante. — Ela falou agora passando manteiga em algumas torradas.— Não vai ser possível porque eu dei folga aos nossos funcionários e terei que trabalhar por três. — Falei ao lembrar-me da mensagem que enviei para mim mesma antes de dormir e vi a poucos estantes. Uma forma de lembrar-se das minhas ações mais importantes quando estou bêbada.— Como? — Minha mãe parou e me encarar.— Cinco da manhã, mãe. Todos nós saímos às cinco. Sei que foi irresponsabilidade e que como funcionários, deveríamos termos saído mais cedo. Culpa minha. Não vai acontecer novamente. Mas provavelmente eles chegaram as seis em casa, não dormiriam em duas horas. Não qu
Finalmente as aulas da minha faculdade começaram e como eu já imaginava, minha vida social foi completamente extinta. Eu estava apaixonada por cada pedacinho do meu novo universo. Duas semanas depois minha rotina se resumia há:Trabalhar no restaurante das oito às cinco da tarde.Ir para a faculdade as seis e só chegar em casa as onze.Aos finais de semana eu fazia todas as tarefas que tinha da faculdade.E eu sei que vocês estão se perguntando sobre o Meyer, eu não tinha tempo para vê-lo, senti que ele se fechou depois do dia em que nos beijamos no beco. Não sei porquê, trocávamos olhares algumas vezes e nada mais. Não posso dizer que entendo, agora ele estava realmente sempre muito ocupado. Eu não sei se ele só estava realmente afim de uma diversão e pronto, mas não me importava. Não vou dizer que não penso no seu beijo e não sinto vontade de ter seus lábios nos meus novamente, ultimamente não são só os lábios, mas preciso realmente focar nos meus sonhos. Agora ele está sempre com o