Faltavam cinco minutos para as nove quando o Mario buzinou na frente da minha casa. Peguei meu sapatenis de sempre e coloquei nos pés, eu estava com uma calça cintura alta e um cropped decotado. Meus cabelos estavam soltos e em meu pescoço havia um colar dourado com pingente de uma borboleta contrastando com minha primeira tattoo feita aos quatorze anos, uma borboleta erguendo vôo, porque era assim que eu me sentia, pronta para voar em busca dos meus sonhos. Dessa vez um batom vinho ressaltava em meus lábios combinando com a cor do meu cropped, roxo sempre fora a minha cor favorita. Em meus olhos um delineado gatinho contrastava com o preto misterioso da minha Iris. Uma piscadela para o espelho e eu estava pronta. Disse a mim mesma que era apenas uma saída. Eu e o Mario éramos melhores amigos há anos, desde que eu começara a trabalhar no restaurante, saiamos em grupo ou sozinho muitas vezes... Mas da última vez há alguns meses atrás, eu bebi demais e o beijei para tirar um carinha do meu pé. Ele entendeu errado, se declarou dizendo apaixonado, mas eu não estava. Na verdade, não enxergava nada além do meu amigo, só estava estressada porque o cara insistia demais e misturado com o álcool acabei brincando com seus sentimentos, se eu batesse no desconhecido poderia arrumar problemas pra mim, de novo. Depois disso acabei me afastando um pouco dele, só que não era justo. Eu vacilei. Pedi mil desculpas e lhe expliquei meu ponto de vista. Sei que ele é apaixonado por mim desde o inicio, mas amo sua amizade e me sinto bem com ele, embora às vezes ele pressione demais. Logo quando começamos a sair, acabávamos nos metendo em furadas porque eu batia de frente com os assediadores e isso pegava mal para a garotinha do Mario nas revoadas, então combinamos de fingirmos sermos namorados pra que eu não precisasse bater em ninguém – embora bater fosse mais divertido – e sei que isso o ajudou um pouco nessa ilusão, acho que por isso decidi me afastar, porque não sabia como voltar a ser como era, sabendo de toda essa paixão.
— Tô indo, Dona Marília! — Gritei saindo do quarto!
— Tá. Juizo e camisinha são para uso obrigatório. — Ela gritou saindo do quarto.
— Mãaeee! — Falei rindo com aquilo. — Juízo sim, camisinha não vou precisar.
— Agora você me deixou bem mais tranqüila! — Ela falou com uma voz dramática. — Você já viu como é o Sus do Brasil? Vai morrer na fila antes de conseguir tomar um coquetel anti DST. Camisinha pelo amor do Papa. — Ela disse agora me abraçando.
— Dona Marília a Senhora ta muito engraçadinha. — Falei a encarando com uma careta.
Ela me levou ainda abraçada até a porta.
— Trate de cuidar da minha menina viu seu Mario. — Minha mãe gritou da porta quando eu já estava chegando perto do carro. Eu a encarei.
— No século XXI as meninas sabem se cuidar sozinhas, mãe! — Eu gritei.
— Eu sei, eu sei. Feminismo, emponderamento... Se tratando de você então... — Ela gesticulou com as mãos. — Mas eu sou mãe, me deixe te ver como o meu bebê. — Ela fez drama.
— Tá Dona Marília, te amo! — Falei rindo ao entrar no carro.
— Também te amo. Juízo! — Ela disse e voltou pra dentro.
Enquanto Mario dava a ré, eu percebi que Meyer nos encarava de sua janela do quarto, quando nossos olhares se encontraram ele baixou os olhos, me encarou novamente e desviou o olhar. Encarou Mario ao meu lado e saiu da janela. Aquilo remexeu algo em meu estomago, eu não sei o quê, só sei que não foi algo bom.
Estacionamos na frente da chácara de um dos amigos do Mario, ele estava dando uma revoada. Geralmente não gosto muito desses tipos de festas, prefiro mais baladas e etc. Mas a Mari e a Sol também estariam lá então poderia ser legalzinho... Entramos na chácara que logo de cara dava para uma piscina com algumas pessoas conversando, passamos por eles e os cumprimentamos, então adentramos a casa aonde mais pessoas conversavam.
— Iai moleque! — O amigo do Mario se aproximou. — Iai Jasmim. — Ele me deu um beijo na bochecha e sorriu. Também não gosto muito desse tipo de toque intimista de alguém que não tenho tanto contato, mas eu estava na festa dele né.
— Oi. — Falei.
Avisamos que íamos procurar as garotas e já voltávamos, o Daniel – dono da festa e amigo do Mario – avisou que as meninas estavam nos fundos da casa, onde estava realmente acontecendo a festa. Fomos diretamente para os fundos da casa onde uma aglomeração nata acontecia. Musica alta, cachaça a rodo e muita gente dançando um sertanejo mixado. Estava tocando lágrima por lágrima de Dennis e Gustavo Lima. As meninas estavam dançando e logo vieram correndo até nós com copos na mão.
— Demoraram em! — Mari falou animada.
—Huhum. — Assenti. — Tá bebendo o que? — Encarei o copo.
—Vodca, quer? — Ela me ofereceu o copo.
— Não. — Neguei.
— Gin? — Mario me encarou sabendo que essa é a minha bebida favorita em lugares que não servem Sangria.
— Yes. — Sorri pra ele.
— Vou pegar e já volto. — Ele sorriu e saiu do meu campo de vista no meio das pessoas.
— Ai eu amo essa musica. — Sol falou alto por causa do som. Havia começado a cantar pingo de dó do Hugo e Guilherme. — Ai meu Deus, vamos dançar!
— Dor de corno uma hora dessas! — Revirei os olhos rindo.
— Corna conformada e bêbada! Vem amiga! — Ela me puxou mais para a pista. Formamos um par de três e começamos a dançar um forró improvisado enquanto cantávamos alto.
A Sol havia acabado de sair de um relacionamento conturbado. Resumindo: O cara é um cafajeste descarado e traiu ela com uma prima – assim era como ele chamava a amiga na frente da Sol – e ela ainda amava ele. Os dois recaiam o tempo todo, mas ela não queria voltar, até porque chifre dói e pesa.
Continuamos dançando até que o Mario me trouxe meu gin e começou a tocar um samba. A melhor parte das festas brasileiras é que somos ecléticos. Cantamos e dançamos de tudo que aparecer.
“Em casa eu choro, choro, choro
O choro é de quem perdeu,
De madrugada eu só pioro
E sem chover o bairro encheu...”
Cantávamos na voz da Marilinha, nome que me lembrava da minha mãe, grande fã da poetiza Marília Medonça. Um ano do falecimento dessa grande artista e eu ainda conseguia ver claramente a dor da minha mãe ao assistir o acidente fatídico que tirou do Brasil uma enorme artista e humana. Minha mãe chorou como se estivesse perdendo a irmã. Até hoje ela canta aos gritos as musicas da Marília e eu ainda consigo ver seus olhos brilharem toda vez. Foi duro, o Brasil ficou de luto. A gente perdeu um grande ser humano!
Dançamos de tudo, bebemos, cantamos feitos loucos, eu me diverti bastante. Mas como toda velha de noventa anos no corpo de vinte dois, deu meia noite e eu já estava louca para ir embora. Meu grupo estava só começando, quando o narguile chegou então, eu tive certeza que não iriam embora tão cedo.
— Gente, eu já vou indo. — Falei pro meu grupo quando nos juntamos no canto.
— Tá cedo, Jass. — Mario falou soltando a fumaça pela boca.
—É amiga, fica mais um pouco! — Mari falou bebendo e sambando improvisadamente.
— Eu já tô com sono. — Falei dando de ombros.
— Amanhã é domingo, nem vem. — Sol falou me puxando para um abraço. Quando ela bebe fica um grude, com dor de corno então, sobra pra gente.
— Só um poucochinho mais, e daqui a pouco já vou. — Falei cedendo.
— Tá, só um pouco! — Ela falou animada.
Todos se animaram mais ainda e voltamos a beber, dançar e sorrir. Paquerar, pra que? Ninguém naquela festa me chamava atenção, todos descarados demais, golpe puro. Uma olhada ali e outra aqui, mas nada além disso. Me conformei em dançar com o Mario uns forrozinho, revezando com as meninas. Sentei um pouco quando começou os funks brabos, essa era a parte em que eu olhava a batalha das emocionadas tentando chamar atenção dos meninos e ria internamente! Era nessas horas que o assedio rolava solto, um dos motivos pelos quais eu não curtia muito revoadas assim, eu não me sentia segura ou confortável.
Quando deu três da manhã decidi que realmente já era hora de ir pra casa. Para não incomodar eu pedi um Uber e o Mario me acompanhou até o lado de fora. Compartilhei a rota com o Mario, é uma segurança já que o Uber é homem e sabemos que a taxa de estupro e feminicidio só aumenta a cada dia. Coloquei meu fone no máximo, sentei atrás do banco do motorista e fiquei imersa em meu mundo até chegar à frente da minha casa.— Muito obrigada, seu João. — Falei para o motorista que eu já sabia o nome, ele tinha sido total simpático e escutado minhas reclamações da noite, e ainda cantamos juntos uns forrós doidos. Desci e fui até a janela da frente. Abri a bolsa e tirei meu cartão de débito. — No débito. — Ele assentiu, eu paguei e esperei o carro dar a ré e ir embora. Notei a casa vizinha a minha frente. Tirei meus sapatos os pegando na mão agora, meus pés estavam doloridos. Suspirei. O álcool estava fazendo bastante efeito agora. Parei por alguns segundos e me virei para a minha casa. Um pou
JASMIM:Acordei já eram quase meio dia com minha mãe batendo na porta do meu quarto.— Hum... — Resmunguei colocando a cabeça debaixo do travesseiro. Eu estava com uma enxaqueca infeliz.— Jasmim! — Minha mãe bateu mais uma vez.— Hummm... — Respondi agora tirando o travesseiro e me virando de barriga pra cima.— Posso entrar? — Ela perguntou do outro lado da porta.— Pode mãe, pode. — Falei visivelmente de mal humor.Ela entrou, sentou na cama com um sorrisinho e me encarou.— Mãe... — Resmunguei.— Você precisa levantar. — Minha mãe falou com um sorrisinho.— Por quê? Hoje é domingo! — Falei colocando o travesseiro no rosto novamente.— Por isso mesmo. Vamos almoçar com a Giovanna. — Ela falou agora tirando a almofada do meu rosto.— NÃO. Não mesmo. — Abri os olhos e a encarei. Virei-me para o outro lado.— Filha. — Minha mãe falou. Ela estava prestes a fazer cena e eu sabia disso. — Você vai fazer desfeita pra mulher que te carregou no colo? — Dona Marília, uma chantagista nata.—
— Bastante perigosa! — Ele disse desviando o olhar com um sorriso de canto. — Quando quiser se sentar neste jardim novamente é só bater na porta. — Ele falou.— Ah. Ok. Não se preocupe, não vou mais invadir sua propriedade. — Falei agora o olhando de soslaio com um sorriso de canto.— Eu também sou bastante perigoso, Senhora Jasmim... — Ele falou baixando o olhar por alguns segundos.— Ah é mesmo? — Falei fingindo estar pensativa. — Quais seus dotes?— Punir criminosas que invadem propriedades. Neste caso especifico, punir criminosas que invadem a minha propriedade. — Ele falou virando a cabeça e me encarando diretamente.— Uau. — Sussurrei arqueando uma das sobrancelhas por alguns segundos. Aquilo foi um golpe. — Que medo! — Falei num tom baixo, mas audível.Ele virou para o outro lado e riu voltando a me encarar.— Então você gosta de tirar fotos? — Perguntou aleatoriamente.— E você gosta de desenhar... — Não foi uma pergunta e sim uma afirmação.— Por que você acha isso? — Ele me
Eram nove da noite quando começamos a fechar o restaurante. Eu fiquei para fechar tudo e quando estava jogando o lixo no tonel dos fundos vi a movimentação da casa noturna ao lado. Ele estava em pé ao lado de fora, apoiado na porta com um terno importado de luxo com um cigarro na mão direita e um copo de uísque na mão esquerda. Estava sozinho. A cabeça encostada na parede virada para a lua, olhos fechados... Ele respirava fundo, respiração pesada. Sem me notar ele deu uma tragada em seu cigarro, e abriu a boca soltando a fumaça logo em seguida. Ele estava extremamente sexy naquela posição. Por um momento eu me perguntei se aquilo era uma miragem e desejei estar com minha câmera. Mas sentindo que estava sendo observado ele abriu os olhos e me encarou. Eu me virei no reflexo e continuei jogando meu lixo fora. Notei quando ele se aproximou e encostou-se à parede ao lado do tonel me encarando descaradamente agora enquanto continuava bebendo do seu uísque e fumando do seu cigarro. Eu parei
Não dava para ver, mas ele falou alguma coisa, se afastou do carro e andou em minha direção. Meu coração pareceu parar, como sempre que ele estava por perto. Não era possível. O que ele estava fazendo? Um dos seguranças ficou ao lado do carro, enquanto três de seus seguranças o seguiu. Ele estava igualmente impecável como mais cedo. Ele chegou a uma distância considerável a quatro passos e eu pude sentir o rosto dos meus amigos queimando em cima de mim pela fofoca.— O que faz aqui? — Ele balançou a cabeça como se não acreditasse e colocou as mãos no bolso. Eu queria me enfiar num buraco, ou embaixo de suas roupas.— Esperando na fila como todo mundo para conhecer a nova casa noturna. — Cruzei os braços e levantei o queixo. Ele estava se achando demais.— Eu lhe avisei mais cedo. — Ele desviou o olhar ignorando os olhares próximos sobre nós.— Não houve resposta concreta. Então eu vim tirar minhas próprias conclusões. — Dei de ombros.Ele bufou, passou as mãos pelos cabelos e me encar
O tempo passou sem que percebêssemos, e logo a casa noturna animou mais quando começou a tocar musicas brasileiras mixadas como DJ Pedro Sampaio! Era uma da manhã quando começou a tocar aquecimento do Pedro Sampaio. Eu não gosto do funk, mas alguns me deixam animadíssima principalmente quando tem álcool no meio. Tudo no ambiente era voltado para lhe fazer extasiar. As batidas pensadas para bombear em seu corpo. Eu amei aquele lugar com todas as minhas forças, e pela primeira vez eu dancei numa festa com minhas amigas me sentindo completamente segura e sem receio do assedio, porque eu sabia que nenhum cara seria capaz de encarar a cara do segurança de escolta no lounge. Sem falar que o Meyer estava de olho e o fato de eu ter entrado com o dono, estar no lounge dele, eu sabia que era dele porque tinha o nome MEYER estampado, acredito que fazia os caras nem pensarem em encostar. Eu perdi as contas do quanto rebolei e me requebrei até não senti mais meus pés sobre as botas. Às três da man
— Ok. — Falei assentindo. —Vou indo então. — Suspirei.— Ok. A gente se vê por ai, Jasmim. — Ele falou colocando as mãos no bolso.— Puta que pariu. — Falei sentindo meu corpo formigar ao ouvi-lo falar meu nome.— Que? — Ele me encarou. Não sabia se sua expressão era confusa ou divertida.— Quando você fala meu nome. — Suspirei. — Você não tem idéia da puta sensação que me causa, Meyer. — Eu nem percebi que estava falando aquilo em voz alta.— Ah é? — Ele estreitou ainda mais os olhos.— Puta merda. — Falei agora passando a mão nos cabelos que haviam se soltado desde o inicio da trajetória, eu deveria estar parecendo uma leoa. — Boa noite. — Fiz uma careta.— Boa noite, Jasmim. — Ele sorriu enfatizando a última frase.Eu me aproximei automaticamente, foi como um imã me atraindo. Nossos rostos ficaram próximos demais, seus lábios a centímetros do meu.— Não se provoca uma garota bêbada, Meyer. — Enfatizei seu nome.— Por quê? — Ele sussurrou encarando meus lábios. Eu podia sentir o des
JASMIM— Bom dia, mãe. — Falei com uma dor de cabeça insuportável ao chegar à cozinha.— Bom dia. Sua cara está maravilhosa. — Ela disse escondendo um sorriso.— Está. — Eu ri.— Chegou que horas? — Ela perguntou enquanto coava o café.— Cinco. — Revirei os olhos me sentando-se à mesa e fungando.— Durma um pouco mais, eu seguro as pontas no restaurante. — Ela falou agora passando manteiga em algumas torradas.— Não vai ser possível porque eu dei folga aos nossos funcionários e terei que trabalhar por três. — Falei ao lembrar-me da mensagem que enviei para mim mesma antes de dormir e vi a poucos estantes. Uma forma de lembrar-se das minhas ações mais importantes quando estou bêbada.— Como? — Minha mãe parou e me encarar.— Cinco da manhã, mãe. Todos nós saímos às cinco. Sei que foi irresponsabilidade e que como funcionários, deveríamos termos saído mais cedo. Culpa minha. Não vai acontecer novamente. Mas provavelmente eles chegaram as seis em casa, não dormiriam em duas horas. Não qu