Capítulo 07

Faltavam cinco minutos para as nove quando o Mario buzinou na frente da minha casa. Peguei meu sapatenis de sempre e coloquei nos pés, eu estava com uma calça cintura alta e um cropped decotado. Meus cabelos estavam soltos e em meu pescoço havia um colar dourado com pingente de uma borboleta contrastando com minha primeira tattoo feita aos quatorze anos, uma borboleta erguendo vôo, porque era assim que eu me sentia, pronta para voar em busca dos meus sonhos. Dessa vez um batom vinho ressaltava em meus lábios combinando com a cor do meu cropped, roxo sempre fora a minha cor favorita. Em meus olhos um delineado gatinho contrastava com o preto misterioso da minha Iris. Uma piscadela para o espelho e eu estava pronta. Disse a mim mesma que era apenas uma saída. Eu e o Mario éramos melhores amigos há anos, desde que eu começara a trabalhar no restaurante, saiamos em grupo ou sozinho muitas vezes... Mas da última vez há alguns meses atrás, eu bebi demais e o beijei para tirar um carinha do meu pé. Ele entendeu errado, se declarou dizendo apaixonado, mas eu não estava. Na verdade, não enxergava nada além do meu amigo, só estava estressada porque o cara insistia demais e misturado com o álcool acabei brincando com seus sentimentos, se eu batesse no desconhecido poderia arrumar problemas pra mim, de novo. Depois disso acabei me afastando um pouco dele, só que não era justo. Eu vacilei. Pedi mil desculpas e lhe expliquei meu ponto de vista. Sei que ele é apaixonado por mim desde o inicio, mas amo sua amizade e me sinto bem com ele, embora às vezes ele pressione demais. Logo quando começamos a sair, acabávamos nos metendo em furadas porque eu batia de frente com os assediadores e isso pegava mal para a garotinha do Mario nas revoadas, então combinamos de fingirmos sermos namorados pra que eu não precisasse bater em ninguém – embora bater fosse mais divertido – e sei que isso o ajudou um pouco nessa ilusão, acho que por isso decidi me afastar, porque não sabia como voltar a ser como era, sabendo de toda essa paixão.

— Tô indo, Dona Marília! — Gritei saindo do quarto!

— Tá. Juizo e camisinha são para uso obrigatório. — Ela gritou saindo do quarto.

— Mãaeee! — Falei rindo com aquilo. — Juízo sim, camisinha não vou precisar.

— Agora você me deixou bem mais tranqüila! — Ela falou com uma voz dramática. — Você já viu como é o Sus do Brasil? Vai morrer na fila antes de conseguir tomar um coquetel anti DST. Camisinha pelo amor do Papa. — Ela disse agora me abraçando.

— Dona Marília a Senhora ta muito engraçadinha. — Falei a encarando com uma careta.

Ela me levou ainda abraçada até a porta.

— Trate de cuidar da minha menina viu seu Mario. — Minha mãe gritou da porta quando eu já estava chegando perto do carro. Eu a encarei.

— No século XXI as meninas sabem se cuidar sozinhas, mãe! — Eu gritei.

— Eu sei, eu sei. Feminismo, emponderamento... Se tratando de você então... — Ela gesticulou com as mãos. — Mas eu sou mãe, me deixe te ver como o meu bebê. — Ela fez drama.

— Tá Dona Marília, te amo! — Falei rindo ao entrar no carro.

— Também te amo. Juízo! — Ela disse e voltou pra dentro.

Enquanto Mario dava a ré, eu percebi que Meyer nos encarava de sua janela do quarto, quando nossos olhares se encontraram ele baixou os olhos, me encarou novamente e desviou o olhar. Encarou Mario ao meu lado e saiu da janela. Aquilo remexeu algo em meu estomago, eu não sei o quê, só sei que não foi algo bom.

Estacionamos na frente da chácara de um dos amigos do Mario, ele estava dando uma revoada. Geralmente não gosto muito desses tipos de festas, prefiro mais baladas e etc. Mas a Mari e a Sol também estariam lá então poderia ser legalzinho...  Entramos na chácara que logo de cara dava para uma piscina com algumas pessoas conversando, passamos por eles e os cumprimentamos, então adentramos a casa aonde mais pessoas conversavam.

— Iai moleque! — O amigo do Mario se aproximou. — Iai Jasmim. — Ele me deu um beijo na bochecha e sorriu. Também não gosto muito desse tipo de toque intimista de alguém que não tenho tanto contato, mas eu estava na festa dele né.

— Oi. — Falei.

Avisamos que íamos procurar as garotas e já voltávamos, o Daniel – dono da festa e amigo do Mario – avisou que as meninas estavam nos fundos da casa, onde estava realmente acontecendo a festa. Fomos diretamente para os fundos da casa onde uma aglomeração nata acontecia. Musica alta, cachaça a rodo e muita gente dançando um sertanejo mixado. Estava tocando lágrima por lágrima de Dennis e Gustavo Lima. As meninas estavam dançando e logo vieram correndo até nós com copos na mão.

— Demoraram em! — Mari falou animada.

—Huhum. — Assenti. — Tá bebendo o que? — Encarei o copo.

—Vodca, quer? — Ela me ofereceu o copo.

— Não. — Neguei.

— Gin? — Mario me encarou sabendo que essa é a minha bebida favorita em lugares que não servem Sangria.

— Yes. — Sorri pra ele.

— Vou pegar e já volto. — Ele sorriu e saiu do meu campo de vista no meio das pessoas.

— Ai eu amo essa musica. — Sol falou alto por causa do som. Havia começado a cantar pingo de dó do Hugo e Guilherme. — Ai meu Deus, vamos dançar!

— Dor de corno uma hora dessas! — Revirei os olhos rindo.

— Corna conformada e bêbada! Vem amiga! — Ela me puxou mais para a pista. Formamos um par de  três e começamos a dançar um forró improvisado enquanto cantávamos alto.

A Sol havia acabado de sair de um relacionamento conturbado. Resumindo: O cara é um cafajeste descarado e traiu ela com uma prima – assim era como ele chamava a amiga na frente da Sol – e ela ainda amava ele. Os dois recaiam o tempo todo, mas ela não queria voltar, até porque chifre dói e pesa.

Continuamos dançando até que o Mario me trouxe meu gin e começou a tocar um samba. A melhor parte das festas brasileiras é que somos ecléticos. Cantamos e dançamos de tudo que aparecer.

“Em casa eu choro, choro, choro

O choro é de quem perdeu,

De madrugada eu só pioro

E sem chover o bairro encheu...”

Cantávamos na voz da Marilinha, nome que me lembrava da minha mãe, grande fã da poetiza Marília Medonça. Um ano do falecimento dessa grande artista e eu ainda conseguia ver claramente a dor da minha mãe ao assistir o acidente fatídico que tirou do Brasil uma enorme artista e humana. Minha mãe chorou como se estivesse perdendo a irmã. Até hoje ela canta aos gritos as musicas da Marília e eu ainda consigo ver seus olhos brilharem toda vez. Foi duro, o Brasil ficou de luto. A gente perdeu um grande ser humano!

Dançamos de tudo, bebemos, cantamos feitos loucos, eu me diverti bastante. Mas como toda velha de noventa anos no corpo de vinte dois, deu meia noite e eu já estava louca para ir embora. Meu grupo estava só começando, quando o narguile chegou então, eu tive certeza que não iriam embora tão cedo.

— Gente, eu já vou indo. — Falei pro meu grupo quando nos juntamos no canto.

— Tá cedo, Jass. — Mario falou soltando a fumaça pela boca.

—É amiga, fica mais um pouco! — Mari falou bebendo e sambando improvisadamente.

— Eu já tô com sono. — Falei dando de ombros.

— Amanhã é domingo, nem vem. — Sol falou me puxando para um abraço. Quando ela bebe fica um grude, com dor de corno então, sobra pra gente.

— Só um poucochinho mais, e daqui a pouco já vou. — Falei cedendo.

— Tá, só um pouco! — Ela falou animada.

Todos se animaram mais ainda e voltamos a beber, dançar e sorrir. Paquerar, pra que? Ninguém naquela festa me chamava atenção, todos descarados demais, golpe puro. Uma olhada ali e outra aqui, mas nada além disso. Me conformei em dançar com o Mario uns forrozinho, revezando com as meninas. Sentei um pouco quando começou os funks brabos, essa era a parte em que eu olhava a batalha das emocionadas tentando chamar atenção dos meninos e ria internamente! Era nessas horas que o assedio rolava solto, um dos motivos pelos quais eu não curtia muito revoadas assim, eu não me sentia segura ou confortável.

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