Capítulo 10

— Bastante perigosa! — Ele disse desviando o olhar com um sorriso de canto. — Quando quiser se sentar neste jardim novamente é só bater na porta. — Ele falou.

— Ah. Ok. Não se preocupe, não vou mais invadir sua propriedade. — Falei agora o olhando de soslaio com um sorriso de canto.

— Eu também sou bastante perigoso, Senhora Jasmim... — Ele falou baixando o olhar por alguns segundos.

— Ah é mesmo? — Falei fingindo estar pensativa. — Quais seus dotes?

— Punir criminosas que invadem propriedades. Neste caso especifico, punir criminosas que invadem a minha propriedade. — Ele falou virando a cabeça e me encarando diretamente.

— Uau. — Sussurrei arqueando uma das sobrancelhas por alguns segundos. Aquilo foi um golpe. — Que medo! — Falei num tom baixo, mas audível.

Ele virou para o outro lado e riu voltando a me encarar.

— Então você gosta de tirar fotos? — Perguntou aleatoriamente.

— E você gosta de desenhar... — Não foi uma pergunta e sim uma afirmação.

— Por que você acha isso? — Ele me encarou com uma expressão enigmática no rosto.

— Os maiores artistas trazem consigo o dom do mistério. Os grandes poetas podem ser comparados com grandes filósofos. Na calada da noite eles criam suas maiores citações. Mas os grandes poetas e escritores transbordam peso pelos dedos. Quando escrevem... — Fiz uma pausa para pensar em como prosseguir. — Quando os dedos de um grande poeta tocam uma página é de uma forma pesada, seu corpo se debruça sobre a página porque sua alma mergulha sobre ela. Mas com os grandes desenhistas e pintores é diferente. Quando um desenhista ou pintor se expressa ele não pesa, ao tocar uma folha em branco é como se na verdade seus dedos flutuassem. — Suspirei. — Enfim. Ao lhe ver com o caderno na mão na janela do seu quarto, perdido em seu mundo. Ao ver a forma como seu corpo se expressa e suas mãos transbordam levemente pelo papel, julgo corretamente que você é um grande desenhista.

— Você criou essa conclusão convicta apenas por me ver uma vez com um caderno na mão? — Ele me encarou pensativo.

— Estou errada? — O encarei estreitando os olhos.

— Eu gosto de desenhar. — Ele umedeceu os lábios e desviou o olhar. Sua expressão abriu. — Não é algo que eu faça o tempo todo e não acredito que seja tão bom assim, mas, você acertou sobre o meu gosto.

Eu assenti sorrindo.

— E as fotos ficaram boas? — Ele perguntou agora apoiando as costas na parede da casa.

— Que fotos? — Perguntei confusa. Será que ele havia me flagrado tirando fotos suas?...

— A que você tirou ontem a noite completamente bêbada. — Ele disse sorrindo.

— Puta merda! Eu tirei fotos.? — Eu ri.

— Tirou. — Ele riu.

— Do que? — Perguntei.

— Do céu. — Ele falou.

— O que você estava fazendo acordado ás quatro da manhã para me ver tirando fotos do céu, completamente bêbada? — Perguntei. Senti vontade de morder minha língua por uma pergunta tão evasiva.

— Eu estava conversando com meu pai. — Ele abriu um sorriso de canto.

— Às quatro da manhã? — Perguntei arqueando uma das sobrancelhas.

— Grandes homens não dormem. É o que ele diz. — O vi suspirar. Ao vê-lo mencionar o pai dele percebi que seu corpo se retesou como se estivesse desconfortável.

— Avisa pra ele que vampiros são nativos da Europa e os Zumbis são nativos do Haiti. Então por aqui nós dormimos, e você continua sendo um grande homem quando cuida da sua saúde. — Falei fazendo uma careta pra ele.

— Vou falar. — Ele assentiu dando de ombros com uma expressão divertida no rosto.

— Ok. Eu realmente preciso ir até uma farmácia comprar um remédio para minha ressaca. — Falei fazendo menção de me levantar.

— Eu tenho remédio para dor se quiser. — Ele deu de ombros se levantando.

— Eu detesto incomodar, mas quero sim. — Falei quando nós dois já estávamos de pé.

Ele me guiou até o lado de dentro onde as duas mulheres conversavam aos risos agora sentados no sofá. Passamos direto até a cozinha e ele abriu uma das gavetas procurando pelo remédio. Retirou um comprimido da embalagem, foi até a geladeira pegou um copo com água e me ofereceu os dois. Eu peguei jogando o remédio na boca e tomando a água sem nem perguntar o que era.

— Obrigada por me poupar à caminhada até a farmácia vinte e quatro horas. — Falei dando de ombros.

— Achei que gostasse de caminhar. — Ele me encarou apoiado no balcão.

— Não quando parece que meu corpo foi atropelado por um trator. — Falei resmungando.

— Que tipo de bebida causa isso? — Ele arqueou uma das sobrancelhas.

— Ham... Gin misturado com vodka, misturado com refrigerante e energético. Acho que foi só isso. — Falei tentando me lembrar de tudo que bebi ontem à noite.

— Uau. — Ele sorriu. — Bastante perigosa.

—Ah, bêbada principalmente! — Eu ri.

— Eu vi. — Ele falou piscando. Senti meu coração parar de bater por alguns segundos.

— Será que essas duas vão parar por agora? — Falei encarando as duas mulheres na sala e me apoiando no balcão ao lado dele.

Nicht! — Ele me encarou. — Não. Não acho.

— É. Então essa é a minha deixa para me retirar sorrateiramente. Preciso deitar um pouco. — Falei.

— Ok. — Ele assentiu. — Bom descanso! Melhoras.

— Obrigada. Obrigada pela companhia. — Falei sorrindo. Meu celular vibrou, eu me virei para o lado discretamente e tirei do peito – meu esconderijo – para ver o que era. Abaixei por um momento para responder a mensagem de Mario perguntando se estava tudo bem, pois eu não tinha avisado e nem falado nada desde ontem. Eu respondi que sim e desliguei o celular agora deixando-o em minha mão mesmo.

Schmetterling? — Ele falou virando a cabeça para olhar para a minha nuca. Eu o encarei. — Uma borboleta?

— Ah sim. — Passei a mão pela nuca sem jeito. Tê-lo olhando para aquele lugar em especifico fez o meu corpo se arrepiar.

—Tem significado? — Ele perguntou cruzando os braços. — Perdoe-me se eu estiver sendo invasivo de alguma forma.

— Ah não, não está. — Falei tirando a mão. — E sim, tem significado: Metamorfose. A borboleta é um inseto de ciclos. Assim como somos durante nossa vida. É com o que me identifico. — Me apoiei em um dos meus pés... — Primeiro seu processo como lagarta aonde ela tem uma visão limitada do que é a vida e do que o futuro lhe reserva. Então vem o processo do casulo onde ela precisa enfrentar seu momento de escuridão consigo mesma para então se tornar o que almeja e alcançar a vida numa visão ilimitada. E por fim ela se torna uma borboleta, com uma visão ampla do infinito de possibilidades que a vida oferece e disposta a bater asas e voar em suas novas aventuras. A borboleta é intensa porque sabe que a vida dura pouco e tudo é feito de momentos, por isso ela está sempre voando pelos melhores ares. Mas em algum momento você a verá parada, porque mesmo tendo um mundo pela frente e tão pouco tempo para aproveitar, ela precisa repousar um pouco no lugar seguro. — Falei pensativa sem notar o sorriso que se formou em meus lábios. — Eu não sei em que processo da metamorfose eu estou agora. Às vezes sinto que ainda sou a lagarta com uma visão limitada daquilo que o futuro me reserva, às vezes me sinto presa em meu casulo lutando com minha própria escuridão sobre quem devo ser e o que devo fazer. Mas a minha mais convicta certeza sobre tudo na vida, é que quando me tornar uma borboleta, eu não terei medo de bater as asas e voar. Você entende? — O encarei.

— Entendo. Eu entendo. — Ele sussurrou olhando no fundo dos meus olhos.

Ficamos nos encarando por alguns segundos e em seus olhos eu podia ver que aquilo fazia sentido pra ele, talvez até demais porque eu estava presenciando um Meyer completamente focado em lutar contra seus conflitos internos. Seu olhar era intenso e eu não conseguia desviar dele. Ele deu um passo para frente ficando mais próximo de mim, abriu a boca para falar algo, mas logo fechou. O ar ao nosso redor estava tenso, eu queria que ele se aproximasse mais ao mesmo tempo em que queria correr dali. Sua expressão se fechou. Como se tudo que eu havia visto de sentimento houvesse sumido, como numa grande peça de teatro onde as cortinas de seu ser se fecharam para mim. Ele deu um passo para trás e desviou o olhar quebrando o momento que havíamos formado ali. Nosso momento. Nossa atmosfera. Minha fanfic de cinco segundos e um beijo. Bastou uma virada para frente pra ver que minha mãe ainda estava conversando com  a Giovanna na sala.

— Bom, eu estou indo. — Falei gesticulando com a mão para a porta de saída.

— Ok. — Ele assentiu. — Obrigado.

— Eu quem agradeço. — Sorri. E antes que eu pudesse derreter em seus braços, me obriguei a virar e sair dali o mais rápido possível.

Ao chegar a minha casa, subi diretamente ao meu quarto e me joguei na cama. O que havia acontecido? Como ele conseguia causar essa sensação de formigamento por todo meu corpo? Eu estava excitada por um simples olhar, por uma aproximação. Uau!!! Respirei fundo mil vezes tentando dissipar a adrenalina que aquele pequeno momento havia me causado. Bendito Meyer. Bendito Meyer. Bendito Meyer. Como? Eu estava a ponto de surtar. Suspirei. Não. Eu havia acabado de o conhecer, ele só havia sido gentil, não foi um flerte e eu não tinha tempo para isso. Logo a faculdade começaria e eu não teria vida. Se eu queria o futuro que tanto sonhei, precisaria focar completamente. RESTAURANTE E FACULDADE. Só me resta tempo pra isso. Duas semanas. Duas semanas e eu nem teria tempo para olhar na cara do Meyer de tão exausta.

Essa era uma mentira absurda.

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